terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Conto: Mais bela do que eu? - FINAL

O conto a seguir é uma adaptação que fiz para o conto "Branca de Neve e os Sete Anões".

Beatriz é uma jovem de dezoito anos que perdeu o pai recentemente. Com isso, a Kingdom - grande empresa do ramo de segurança - foi deixada para ela e sua madrasta, Milena di Aba. Milena é uma modelo conhecida internacionalmente por sua beleza exuberante, mas está prestes a travar um embate com sua enteada, que está ganhando o título de mulher mais bela do mundo.

Leia a Parte 1, a Parte 2, a Parte 3 e a Parte 4 da história.


            Os sete irmãos estavam alegres na volta para casa: cantarolavam em coro na rua. Ao chegar na porta de casa, notaram a porta entreaberta e logo correram para dentro, onde se depararam com o pior.
            — Não! — gritou Carlos, com certo ar dramático.
            — Beatriz! — Geraldo logo correu e segurou o pulso da menina.
            Em seguida, o mais velho dos irmãos começou a pressionar o peito da menina com as duas mãos, como uma massagem cardíaca. Ele estava desesperado.
            — Vou chamar um médico! — disse Danilo, em meio a espirros.
            — Emerson, André e Carlos, ajudem-me a colocá-la no sofá — pediu Geraldo.
            Com muita dificuldade, os quatro anões conseguiram levar o corpo de Beatriz até o sofá. Enquanto isso, Breno trazia um copo de água, inesperadamente.
            — Breno, o que é isso? — perguntou Felipe, encostado no outro sofá, caindo de sono.
            Breno fez um gesto, indicando Beatriz.
            — Ela está morta, sua besta! — resmungou Emerson, muito bravo.
            Breno fez uma cara triste e afundou o rosto em suas mãos, chorando.
            — Acalme-se, moço — implorou André, tentando manter o ânimo dos irmãos. — Não podemos fazer mais nada!
            — Droga! — gritou Emerson. — Quem fez isso a ela?
            — Será que foi um ladrão? — Carlos fechou as cortinas. — É melhor chamar a polícia, também!
            — Não! Não foi um ladrão — disse Geraldo. O homem vinha da cozinha com uma forma na mão; era a torta de maçã feita por Faustina. — A menina foi encontrada no chão da cozinha. Esta torta estava em cima da mesa, e têm dois pratos lá; um vazio e um com um pedaço de torta mastigada.
            — Ela foi envene... — disse Danilo, antes de espirrar. — Nada!
            — A madrasta dela! — concluiu Emerson. — Ora... Se eu pegar aquela mulher!
            — Não... — interveio Geraldo. — Não podemos mais fazer nada! Infelizmente, ela está morta... Se formos atrás da madrasta da Beatriz, poderemos sofrer as consequências.
            — Não ligo pra isso, Geraldo! — contestou Emerson. — Vamos logo!
            Então, o som de sirene surgiu e ficou ensurdecedor no momento. Geraldo correu para fora e recebeu a equipe médica: um jovem médico e o motorista.
            — O que houve aqui, senhores? — questionou o médico.
            — Doutor, ela foi envenenada! — contou Emerson.
            Geraldo o fulminou com o olhar. Agora teriam que contar sobre a madrasta da menina.
            — Envenenada? Isso é coisa séria! — disse o médico, enquanto examinava a jovem. — Fábio, ajude-me a colocá-la na maca.
            O motorista e o médico remanejaram a jovem e correram com ela para a ambulância.
            — Ei, doutor! — chamou Geraldo. — Para onde vão levar a moça?
            — Para o hospital, oras! — respondeu o médico. — Quem de vocês irá acompanhá-la?
            — Todos nós, doutor — respondeu Emerson.
            Antes que o médico e o motorista pudessem reclamar ou contestar, os sete irmãos entraram e se arrumaram na ambulância. O carro deu partida e correu para o hospital mais próximo.
            Já no hospital, as pessoas se assustaram quando sete anões saíram de uma ambulância ao lado do motorista, do médico e de uma menina desfalecida na maca.
            — UTI! — gritou o médico para a equipe do hospital.
            As portas, então, fecharam-se diante dos sete homens. Apenas o médico e o restante da equipe puderam entrar na área restrita junto ao corpo de Beatriz.
            — E agora? — perguntou Emerson, impaciente.
            — Esperaremos — respondeu Geraldo, sentando-se num banco.
            Cerca de três horas depois, e mais de cem voltas dentro da sala de espera, os anões avistaram o médico passar pela porta:
            — Doutor! — gritou Geraldo.
            — E a Beatriz? — perguntou Danilo, segurando o espirro.
            — Quem são vocês? — perguntou o médico. — Aquela moça é Beatriz Nevada, não é?
            — É ela mesma, doutor — confirmou Geraldo. — Ela apareceu na nossa casa ontem, pedindo ajuda. Deixamos ela ficar... A menina parece ser muito boazinha!
            — E é... — comentou o médico.
            — Hein? — estranhou Emerson.
            — Eu a reconheci — disse o médico. — Estudamos juntos no ensino médio. Quer dizer... Eu estava à frente dela. Mas ficamos amigos. O pai dela faleceu recentemente... Tentei voltar a falar com ela, mas não consegui. Quem a envenenou? Precisamos chamar a polícia.
            — Doutor, não foi a gente — comentou Carlos. — Não queremos problemas.
            — Ela está fugindo de alguém... — revelou Emerson. — E acho que esse alguém descobriu onde ela estava se escondendo e invadiu a nossa casa enquanto estávamos trabalhando. Foi a madrasta dela!
            — Milena di Aba — concluiu o médico. — Como? Ela não colocaria sua carreira em risco...
            — Acredite no que quiser — ameaçou Emerson. — Podemos ver a menina logo?
            — Claro que não! — respondeu. — Olhem... Ela está na UTI. Está em estado grave.
            — Então está viva? — questionou André, sorrindo.
            — Por enquanto — disse o médico. — A substância do envenenamento simulou a morte dela; fez com que a frequência cardíaca e respiratória se reduzisse a ponto de não ser percebida. Com isso, o corpo dela esfriou. Tivemos de colocá-la numa câmara.
            — Ela está encaixotada? — questionou Carlos.
            — Não é bem isso... — explicou o médico. — É uma espécie de “caixa” de acrílico que impede organismos nocivos à saúde de entrarem em contato com ela, e também faz a manutenção da temperatura corporal.
            — Doutor Reis, o paciente 101 entrou em choque — anunciou uma voz mecânica. — Favor, dirija-se à UTI.
            — Preciso ir, gente! — disse o médico. — É a Beatriz!
            — O quê? — Geraldo ficou em choque.
            Derrubando a segurança, os sete homens correram atrás do médico. Enquanto o médico vestia uma roupa esquisita para entrar na UTI, os homens ficaram vendo de fora – a sala tinha paredes de vidro, então era possível ver o seu interior sem problema algum.
            O doutor Reis – como havia sido chamado no anúncio – foi até o leito de Beatriz, que era o único daquela UTI, e começou a fazer manobras de ressuscitação.
            Breno, inquieto, começou a bater no vidro. Os outros começaram a chorar. Até mesmo Emerson, o zangado da turma, deixou as lágrimas caírem.
            Reis suava enquanto tentava trazer Beatriz de volta à vida. Ele não desistiria, não podia desistir. Beatriz era o seu primeiro amor; foi quem mais amou durante a adolescência, mas não puderam namorar porque a madrasta da menina dizia que namoros não “davam em nada”. Agora, por obra do destino, ou do acaso, a jovem estava ali, morrendo em suas mãos.
            O médico viu que não tinha saída; era inútil persistir. Percebendo que não havia seguranças ali, ele permitiu que os sete homens entrassem no leito para se despedirem da moça. Geraldo foi o primeiro, deu um beijo na caixa transparente que envolvia Beatriz; Felipe, sonolento, passou a mão no acrílico e suspirou; Danilo segurou o espirro naquele momento, e inspirou profundamente, tentando segurar o choro; Carlos não tinha o que encenar, não ali, então pegou uma flor na entrada da UTI e deixou-a sobre a câmara de acrílico; Breno quase pronunciou um som ao se aproximar da caixa, mas deixou-se levar pelo choro e saiu dali; André deu seu último sorriso à Beatriz, desejando-lhe paz e tranquilidade; Emerson ficou de longe vendo tudo, ele não queria se despedir porque não aceitava aquilo.
            — Rapazes, preciso que esperem lá fora — pediu Reis. — Vou terminar o procedimento para liberar o corpo. Fiquem lá, que eu já vou até vocês.
            Os sete anões saíram da UTI e seguiram rumo à saída do hospital, quando foram pegos pelos seguranças e levados à delegacia.
            Enquanto isso, o médico admirava Beatriz. Aquela pele negra, macia; o cabelo ondulado; ela era linda. Enquanto abria a câmara de acrílico, Reis fitava a jovem. Foi, então, que ele fez o que não devia fazer: beijou a moça. Foi um selinho, mas o médico beijou a paciente – morta.
            Ele chorou em seguida, mas não queria passar a vida sem ter ao menos tocado os lábios da menina que mais tinha amado. Foi aí que as coisas mudaram. De repente, o monitor cardíaco de Beatriz reagiu. Pequenas ondas começaram a cintilar no LED, até formarem uma bela sinfonia cardíaca. O coração da jovem voltou a bater, e ela voltou a respirar.
            — Enfermeira! — gritou o médico. — Enfermeira!
            Uma equipe entrou no local e auxiliaram o médico com o que ele pediu.
            Seis horas depois, já com os sete anões de volta ao hospital – graças ao doutor Reis, que havia ido até a delegacia e esclarecido a situação ao delegado –, o médico seguiu para o quarto em que estava a jovem Beatriz. Por algum milagre, a menina havia voltado da morte e estava melhor do que antes de ter entrado, como se nunca lhe tivesse  acontecido nada.
            — Bom dia! — Reis entrou no quarto.
            — Bom dia, doutor! — respondeu Beatriz. — Onde estou? O que houve?
            — Você está no hospital — contou o médico. — Você foi envenenada, e seus amigos trouxeram você até aqui. Você quase morreu, ou talvez tenha morrido, mas surpreendeu a todos.
            — Eita... — a menina ficou surpresa. — Sério mesmo?
            — Sério — afirmou o médico. — Posso permitir as visitas?
            — Claro! — disse a jovem, sorrindo.
            Assim, o médico abre novamente a porta e, então, os sete irmãos entram no quarto, todos sorridentes.
            — Beatriz! — disseram em coro, correndo e se amontoando em volta da menina.
            — Obrigada, rapazes! — agradeceu a menina. — Ainda não sei exatamente o que houve, mas obrigada!
            — Foi a sua madrasta... — disse Emerson, cansado de guardar as coisas. — Aquela mulher é o diabo! Como consegue envenenar alguém? Mas eu não desisti de você, mesmo quando o seu amiguinho aí já tinha desistido.
            — Amiguinho? — estranhou Beatriz. — Quem?
            — Não me reconheceu, mesmo? — questionou Reis.
            — Ai, meu Deus! — Beatriz teve uma rápida lembrança. — James! Você virou médico?
            — Sim! — o médico não resistiu e abraçou a jovem. — É bom tê-la viva!
            Ele deu um beijo tão forte na bochecha dela, que ela percebeu algo diferente.
            Depois de muita risada e comemoração, os sete anões foram para casa, onde esperariam pela volta de Beatriz, que receberia alta naquela tarde.
            — James... — chamou Beatriz.
            — Sim? — o médico deixou seu caderno de lado e olhou para a jovem.
            — Não lembro muito bem o que houve depois de acordar... — comentou a menina. — Quero dizer, da primeira vez, quando voltei. Eu apenas não consegui abrir os olhos, mas senti e ouvi tudo.
            — Do que está falando? — ele não quis parecer invasivo.
            — Vem aqui... — pediu Beatriz.
            — O que foi? — perguntou o médico, sentado ao lado da menina.
            Então, Beatriz o agarrou e o beijou; não um selinho, mas um longo beijo.
            — Ei! — disse ele, após se recompor. — Calma aí, donzela! O que foi isso?
            — Algo que eu tinha vontade de fazer desde o ensino médio — revelou. — James, eu senti você me beijando quando eu voltei. Foi você!
            — Beatriz, desculpe se não devia... — suplicou ele. — É que eu sempre fui louco por você, mas...
            — Case comigo! — disse a jovem, direta.
            — Como? — estranhou o médico.
            — James, nós convivemos por quatro anos naquela escola... Éramos namorados sem nunca ter-nos beijado — concluiu ela. — A gente sabe que o sentimento um pelo outro é bem maior do que a gente acha. Por que deixar passar mais uma vez?
            — Mas e sua madrasta? — perguntou, preocupado.
            — Vou dar queixa dela na polícia — respondeu Beatriz. — Da mãe dela, também. Provas e testemunhas não faltam!
            — Eu amo você, Beatriz Nevada! — confessou James.
            — Eu amo você, James Reis! — disse a jovem. — Agora, leve-me embora daqui!
            Assim, os dois saíram do hospital.
            Beatriz e James chegaram à casa dos sete anões e contaram a novidade, que deixou todos atônitos pela festa que viria. Depois disso, todos foram à delegacia com as provas e os relatos da tentativa de assassinato de Beatriz pela madrasta. Pouco menos de três meses depois, os dois se casaram e foram morar na mansão que era do pai de Beatriz.
            Milena di Aba e sua mãe, Faustina, foram condenadas à prisão perpétua e foram enviadas ao mesmo presídio, em uma cidade muito quente. A modelo tentava subornar os agentes carcerários, inutilmente, pois esses não ligavam para o que ela tinha a oferecer: a mãe. Victor Vitral é quem visitava a condenada e levava alimento; o homem acabara ficando com a imagem suja por trabalhar para uma assassina. Arthur, o segurança particular da megera, ainda estava desaparecido; ninguém sabia sobre o seu paradeiro.
            — Senhora Milena di Aba, visita! — anunciou o carcereiro, abrindo a cela para que a mulher saísse. — Sem gracinha, certo?
            Milena mostrou um sorriso sem graça ao agente.
            — Vai, entre aí! — o agente empurrou a mulher para dentro de uma sala.
            — Mas que inferno! Não se faz mais homens como antigamente! — resmungou a mulher, enquanto se sentava. — A quem devo a honra de uma visita?
            — Oi, Milena — a voz masculina, do outro lado da mesa, exibiu o seu dono ao virar a cadeira de frente para a modelo. — Há quanto tempo, não é?
            — Você! — disse Milena, quase sem fôlego. — O que faz aqui?
            — Digamos que agora eu quem estou numa posição alta — disse o homem. — E você vai trabalhar para mim.
            — Jamais! — decretou a mulher.
            — Então vai ficar presa aqui até morrer? — questionou. — Vai deixar os seus ossos de lembrança aos futuros carcereiros? Veja, eu já negociei a sua saída. A sua, e a de sua mãe.
            — Ora, ora... — sorriu Milena. — Eu ficarei honrada em trabalhar para você!
            — Então volte para sua cela e arrume suas malas — disse o homem. — Avise sua mãe que ela será minha esposa. Gosto dela.
            — Que mau gosto! — opinou Milena.
            — Não pedi sua opinião — respondeu ele. — É bom você me respeitar, pois será minha afilhada! Serei como um pai para você.
            — Só uma dúvida... — desejou a megera.
            — Ok — concordou ele. — Diga.
            — Por quê? — perguntou ela, curiosa. — Por que isto?
            — Quero ter o prazer de esmagar você, Milena di Aba — contou o homem. — Quero saber como o gato se sente ao pegar o rato. E eu tenho tudo planejado para você, todo o seu futuro. Adotei Mirella, também; ela será sua irmãzinha.
            — Não acredito nisso! — esbravejou a mulher. — Ela é só uma criada!
            — E você também será — prometeu ele. — Mirella é muito mais bela do que você. Você ainda vai sofrer tudo o que fez as pessoas sofrerem, Milena. Até logo!
            — Não! Ninguém é mais bela do que eu! — gritou Milena, vendo o homem ir embora. — Volte aqui! Arthur, volte aqui!

            Mas ele não voltou. Arthur, o antigo segurança particular de Milena, estava de volta, e estava cheio de planos para a sua querida ex-patroa. Milena mal sabia o que esperava por ela.

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