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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O seu gato, por acaso, vai dar o seu diploma?

Quarta-feira, 2 de setembro | 10h07

            Trabalhar com crianças e adolescentes é algo extremamente desafiador. Trabalhar com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social é perturbadoramente desafiador.
            Na função de orientador socioeducativo, atuo com uma turma de crianças e adolescentes entre nove e 14 anos de idade. Por conta disso, muitos já estão naquela fase da pré-adolescência, uma fase conhecida por seus impulsos, desejos, questionamentos e inconformidades.
            Tenho uma relação muito aberta e verdadeira com a minha turma – somos sempre transparentes quanto aos nossos sentimentos (entre nós e entre as pessoas que estão a nossa volta). Na última segunda-feira, ao término da atividade, comentei com um dos meninos que eu faltaria na faculdade para cuidar de um dos meus gatinhos de estimação porque ele está muito doente.
            — Júnior, o seu gato, por acaso, vai fazer as suas lições e dar o seu diploma? — foi a pergunta imediata dele.
            Confesso que, na hora, fiquei um pouco surpreso com a entonação da pergunta. Ele, realmente, estava indignado porque eu faltaria na faculdade “apenas” para cuidar do meu gatinho de estimação que está doente e precisa de cuidados.
            — Não... Ele não vai me dar o meu diploma nem fazer minhas lições — respondi olhando nos olhos dele. — Mas, olha só, eu escolhi ter um animal de estimação, não foi? A partir da minha escolha, vieram todas essas responsabilidades. Eu amo o Freddy (meu gatinho) e não vou deixar de cuidar dele... Ele está muito doente, com cálculos no trato urinário. Preciso ficar com ele hoje.
            A indignação do menino continuou ali, firme e forte.
            Então, após as outras crianças saírem para o café, ele veio até a minha mesa:
            — Júnior... — ele falava com a cabeça baixa, sem olhar nos meus olhos. — Eu já não sei mais o que fazer em casa.
            — Como assim? — questionei.
            — Minha mãe chamou todos os meus irmãos para “sair” com ela no sábado e nem olhou na minha cara — ele contou. — Fiquei lá... E ela nem me olhou.
            — Mas você disse que queria sair com ela? — perguntei, tentando aliviar aquela tensão.
            — Não... Mas os meus irmãos também não disseram. Ela não gosta de mim. Ela nem me deixa jogar o meu videogame. Os meus irmãos pegam o videogame e jogam só eles... Eu nem posso tocar.
            — Mas você já falou isso para a sua mãe?
            — Ela comprou o videogame pra mim... Porque eu fico em casa — ele respondeu. — Mas o meu irmão até esconde o videogame pra eu não pegar. E a minha mãe não fala nada.
            — Já tentou dizer isso para a sua mãe? — questionei-lhe. — Que você queria ter saído com ela... Ou que você quer jogar o seu videogame?
            — Não. Porque não vai adiantar — ele concluiu.
Aqui está algo que, infelizmente, acontece muito: a falta do diálogo no âmbito familiar. Foi só, então, que eu compreendi; o menino não estava indignado por eu faltar na faculdade pra cuidar do meu gatinho de estimação. Aliás, talvez o estivesse. Talvez, ver que eu estava tão preocupado com o meu gato (que é um animal) o tenha feito pensar o motivo daquilo não acontecer com ele (que é uma criança).
            Eu, realmente, fico preocupado quando vejo uma criança fazendo tais questionamentos e dando-se conta de suas vidas (por vezes, tão sofrida!). A sensação que tenho é de que a vulnerabilidade na qual se encontra essa criança está tão avançada que, dificilmente, conseguiremos reverter a situação. A menos, é claro, que comecemos a trabalhar diretamente com essas famílias; as famílias precisam enxergar que também estão vulneráveis e que podem contar conosco, agentes sociais.

            Não vou restringir apenas aos profissionais da área social, mas a todo cidadão dentro da sociedade: é nosso dever garantir o direito de outrem.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Opinião: Santa Casa, cadê tua Misericórdia?

Opinião | Júnior Gonçalves
04/12/2014 – 21h33

Comunicado divulgado pela Santa Casa de Misericódia aos funcionários (Foto: G1)

            Após ficar com o seu pronto-socorro fechado por mais de vinte e quatro horas no mês de julho, a Santa Casa de São Paulo chamou a atenção de toda a sociedade e da mídia.
            A instituição filantrópica fechou as portas da emergência em seu hospital central, na Santa Cecília, por falta de dinheiro – não podiam comprar materiais com os fornecedores. Com a explosão da notícia e a crescente indignação da população, o governo do estado liberou uma verba emergencial de R$ 3 milhões – que, segundo ele, seria suficiente para a aquisição de medicamentos e materiais necessários para a instituição se manter por um mês. Em época de eleição, a crise causou grande alvoroço entre os governos federal e estadual, que se acusaram pelo repasse de verba.
            Um relatório divulgado em setembro mostrou que a dívida estava em R$ 433,5 milhões até o mês de dezembro de 2013. Atualmente, o governo do estado repassa, mensalmente, R$ 14 milhões, e o Ministério da Saúde repassa, em acréscimo, R$ 20 milhões.
            Em outubro, houve recusa da instituição em receber pacientes que chegaram de ambulância. Restringiram o atendimento apenas aos pacientes que chegaram à emergência pela porta da frente, o restante (trazidos por ambulâncias), era encaminhado para outros hospitais. E para deixar, também, os funcionários insatisfeitos, houve atraso no pagamento do salário. Ainda, houve relatos da falta de sedativos, de sonda para aspiração de pacientes entubados, falta de leitos etc. Uma equipe de reportagem do iG chegou a ir até o hospital e se passar por paciente para ter acesso ao local, e constatou que os corredores da internação estavam congestionados, cheios de idosos deitados em macas.
            O problema financeiro acabou atrapalhando, também, a realização dos exames. Em novembro, constatou-se a falta de material para fazer exames de sangue. Com isso, a Santa Casa, em sua reestruturação, diariamente avalia quais procedimentos serão suspensos e quais deverão ter prioridade – como se a saúde, em geral, não fosse uma prioridade. Segundo funcionários, faltam kits para análises de urina, e o hospital tem priorizado os exames de emergência e dos pacientes que já estão internados.
            Para completar sua saga e fechar o ano com “chave de ouro”, na última sexta-feira (28/11), a data limite para que os funcionários recebessem a primeira parcela do 13º salário, foi emitido um comunicado pela Santa Casa a todo o corpo de trabalhadores.

Como é de conhecimento de todos, estamos passando por inúmeras dificuldades, as quais serão superadas em breve. Porém, para superarmos as barreiras precisamos do apoio de cada um dos colaboradores [...] a primeira parcela do 13º salário não será creditada [...] realizaremos o pagamento parcial aos colaboradores com remuneração até R$ 3.000,00 [...]

            Os funcionários receberam R$ 300. Trabalharam o ano inteiro, tiveram de trabalhar doentes, sob condições precárias, sem os materiais básicos, tudo isso para, ao fim do ano, receber como a primeira parcela do 13ª salário apenas R$ 300.
            Além da unidade central, a Santa Casa mantém contratos de gestão em unidades de atendimento de saúde com o estado e o município de São Paulo, então há empregados de todo o estado vivenciando esta crise. Segundo Péricles Cristiano Batista, um dos diretores do Sindicato dos Enfermeiros, a Prefeitura honrou com os repasses, enquanto o governo do estado não. Ou seja, apenas os trabalhadores que atuam em unidades que possuem contratos com o governo estadual é que foram afetados pelo não pagamento.
            Há médicos que, em entrevistas nas quais pediram para não serem identificados, disseram que não é a primeira vez que o pagamento atrasa, e que o Sindicato dos Enfermeiros está prejudicando a população com a possibilidade de uma greve. Mas, convenhamos, quando o funcionário se atrasa ou falta, não há atrasos no desconto em sua folha de pagamento.
            O que acontece na Santa Casa de São Paulo é uma falta de respeito com os trabalhadores – as pessoas contam com os seus pagamentos, e não porque é uma “bonificação”, mas porque é seu direito. Ninguém trabalha parceladamente, e ninguém está pedindo algo que não seja seu por direito.

            Santa Casa, que a sua misericórdia, o respeito e o 13º salário compareçam e deem o que é de direito aos seus funcionários.