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domingo, 6 de março de 2016

Pequeninas Aventuras


            Viver numa cidade grande parece ser algo fácil para qualquer um, ainda mais quando se tem uma casa própria para viver sem se preocupar com aluguel. Mas isso não funciona com gente pequena.
            Na verdade, isso não funciona com gente bem pequena – pequena mesmo: gente menor que uma escova de dente.
            — Pai! Olhe só isso — Caio apontava para um alfinete. Nas suas mãos, o objeto parecia mais uma espada. — Encontrei lá no quintal.
            Caio era um "menino" muito curioso. Ele era o filho mais velho de César e Joana. Com os seus 16 anos de idade, Caio já media dez centímetros de altura, o normal para um adolescente Pequenino.
            — Eu não acredito! — César franziu o cenho e tomou o alfinete do garoto. — Você subiu de novo? Já conversamos sobre isso, Caio.
            — Eu sei, pai — o menino pendeu a cabeça, desanimado, mas logo tratou de explicar-se. — Eu estava meio entediado aqui... Daí, enquanto eu limpava a entrada para o esgoto, vi algo brilhando lá no quintal. Achei que fosse algo útil. E não deixa de ser!
            — Quintal? — Joana logo apareceu atrás da porta da sala. A família vivia numa "toca" dentro de um ralo do quintal de uma casa. Com objetos achados e "emprestados", eles construíram uma espécie de casa com cômodos todos mobiliados com objetos comuns: folhas que serviam de cortinas, pedaços de madeira que serviam de porta, papelões que serviam de paredes, restos de flanelas que serviam de cobertores, pequenos tubos que serviam de encanamento para a rede de água e esgoto própria, pequenas caixas revestidas com espumas que serviam de camas etc. — O que você foi fazer no quintal, Caio?
            Joana, dos quatro, era a mais medrosa. Se ela visse um humano na sua frente, provavelmente, desmaiaria.
            — Mãe! — Caio se cansou de explicar e sentou-se no sofá da sala. — Eu cansei de ficar só aqui dentro. Vocês podiam me deixar sair para uma viagem em busca de amigos, né?
            — Não fale uma besteira dessas, filho — pediu César, rangendo os grandes dentes incisivos, que lhe davam a aparência de um roedor humanoide. — Você tem eu, sua mãe e sua irmã como amigos. Não tem porque sair por aí em busca de mais e correr perigo.
            — Vocês não entendem... — Caio deu as costas para os pais e entrou para o seu quarto.
            O jovem Pequenino entrou em seu quarto, deitou-se na sua cama e ficou observando o teto do quarto – ele havia colado uma série de figurinhas com imagens de vários lugares do mundo: templos chineses, florestas tropicais, montanhas congeladas, desertos escaldantes e vilarejos à beira-mar.
            Toque-toque.
            Caio sonhava em conhecer cada um daqueles lugares. Mas era um sonho idiota; ele estava destinado a jamais sair daquela "boca" de esgoto.
            Toque-toque!
            — Quem é? — questionou Caio, enquanto alguém batia à porta.
            — Eu! — uma voz feminina e aguda soava do outro lado.
            — Ah! — o jovem fez uma careta. — Entra.
            Era Janete, a irmã caçula de Caio. A menina tinha sete anos de idade e cinco centímetros e meio de altura. Seu rabo, semelhante ao rabo de uma girafa (só que mais comprido), balançava freneticamente ao poder entrar no quarto do seu irmão mais velho.
            — Por que você está triste? — perguntou Janete, curiosa.
            — Nada — respondeu Caio, sem desviar o olhar do teto.
            — Por que você está olhando para o teto? — interrogou.
            — Janete! — Caio virou o rosto e encarou a Pequenina. — O que você quer, afinal?
            — Eu ouvi você dizer que vai viajar em busca de amigos — explicou a menina, sorridente. — Posso ficar com o seu quarto? Diz que sim? Deixa?
            — Janete... — Mentalmente, Caio contou até dez e respirou fundo. — Eu não vou para uma viagem. O papai e a mamãe não deixam. Pode esquecer! Quem sabe, um dia, quando eu for embora?
            — Embora? — Janete arregalou os olhos, assustada. — Não, por favor! Não precisa me dar o seu quarto... Fica!
            Caiu soltou uma gargalhada e fez cócegas na irmã.
            Mais tarde, todos estavam reunidos na mesa para o jantar. Então, um estrondo abafado soou pela toca dos Pequeninos, fazendo tudo tremer, e, em seguida, uma enxurrada começou a cair ao lado de fora.
            — Vou verificar as barreiras de contenção — disse César, levantando-se e saindo da toca.
            Contudo, a toca começou a ser inundada por uma correnteza causada pela forte chuva.
            — Caio, pegue a sua irmã! — gritou César, enquanto corria para socorrer a família. — Joana, venha!
            Janete se agarrou no pescoço do irmão que, inesperadamente, correu para dentro do seu quarto em vez de seguir rumo à saída da toca. Enquanto isso, César e Joana tentavam atravessar a correnteza que se havia formado no interior do ralo; o único jeito de sair dali seria seguindo a correnteza – era impossível nadar contra.
            — Cadê o Caio e a Janete? — perguntou Joana, desesperada. — Cadê os meus filhos, César?
            — Fique calma! — pediu César, inquieto. — Caio! Janete!
            — Estamos aqui — respondeu Caio, saindo da toca com a irmã pendurada nos seus ombros. — Eu precisava buscar isto.
            Nas mãos do menino, o alfinete que ele havia conseguido mais cedo e uma mochila pendurada nas costas.
            A família toda pulou sobre uma tampa de plástico e utilizaram-na como um bote, descendo a correnteza em direção ao esgoto. O encanamento era espaçoso o suficiente para o bote e a família, mas a enxurrada estava muito forte e ameaçava afoga-los a qualquer instante.
            — Segurem firme! — gritou César.
            Logo à frente, a água parecia não seguir mais. Mas era uma ilusão de ótica, havia uma queda ali; era o acesso para a via de esgoto, encanamentos com 60 centímetros de diâmetro.
            Em uníssono, a família gritava enquanto caía no esgoto. Por sorte, todos conseguiram nadar de volta para o bote e manterem-se seguros.
            — Eu não acredito! — reclamou César. — Perdemos tudo! Tudo!
            — Não fique assim, meu amor — suplicou Joana, ainda abalada. — Ao menos estamos todos vivos. Podemos achar outro lugar mais seguro para construir.
            — O quarto do Caio nunca mais será meu! — Janete estava profundamente chateada com isso. Caio a abraçou forte, tentando conter o seu choro.
            — Aquela casa foi do meu pai... E do meu avô! — justificou César, passando a mão sobre a testa. — Eu fui um burro! Eu devia ter verificado as barreiras mais cedo... Eu me esqueci completamente.
            Com a sua irmã em seus ombros, Caio estava sentado na borda da tampa de plástico e com os olhos fixos no chão, como se estivesse em outro lugar. Joana cutucou o companheiro para que ele visse a situação do filho.
            — Filho? — César se aproximou de Caio e apoiou a sua mão no ombro do jovem. — Está tudo bem
            — Foi minha culpa — respondeu Caio, ainda olhando para baixo.
            — Como? — César não compreendeu a fala do menino. — O que você quer dizer com isso?
            — Foi tudo culpa minha. Eu destruí a nossa casa — revelou Caio, envergonhando, sem encarar o pai. — Mais cedo, quando fui ao quintal, as barreiras estavam fechadas. Eu abri para poder passar e ir até o quintal. Eu esqueci de arrumar quando voltei!
            — Caio, não pode ser... — César ficou visivelmente transtornado com a revelação.
            Janete percebeu a inquietação do pai e começou a chorar. Joana pegou a filha no colo e abraçou Caio.
            — César, deixe isso pra lá! — pediu Joana, preocupada.
            — Não! — César soltou um berro agoniado. — Ele destruiu a nossa família!
            — Não! — Joana abraçou o filho fortemente. — Não fale isso, César.
            — Preste atenção! — César puxou o queixo do filho para cima, obrigando o menino a encara-lo. — Assim que avistarmos terra firme, você desce do bote.
            — César! — Joana ficou boquiaberta.
            — Mãe, não! — Caio abraçou a mãe, segurando o choro e tentando demonstrar força. — Ele está certo. Eu vou seguir a minha vida. Está mais do que na hora. Prometo que vou recompensar vocês pelo meu erro. Eu realmente sinto muito.
            Duas horas depois, o bote aportou na beira de uma malha de ferro que impedia qualquer resíduo sólido, com mais de dez centímetros de altura e de largura, seguir em frente pelo esgoto.
            — Pronto — César se levantou do bote e amarrou-o em uma das barras de ferro da malha. — Subiremos para a superfície e montaremos acampamento.
            A família escalou o lixo que estava empilhado ali e conseguiu alcançar uma saída – eles estavam à beira de um córrego. César pegou alguns gravetos e montou duas barracas e uma fogueira.
            — Você pode ficar durante esta noite — o líder da família apontou para o seu filho mais velho. — Depois, você pega as suas coisas e vai embora pela manhã.
            — Ok — Caio entrou na sua barraca e ficou lá durante o fim da tarde e o jantar.
            No meio da noite, Caio saiu da barraca e viu que seus pais e sua irmã dormiam na outra barraca. Então, o jovem pegou uma mochila, um cobertor e o seu alfinete, e seguiu mata adentro.
            Quatro horas depois, o sol já raiava e Caio havia chegado perto de uma casa para humanos. Uma cerca gigantesca dava volta em toda a casa, impossibilitando a entrada – a "muralha" devia medir de um metro e trinta a um metro e setenta.
            Caio ficou estudando o ambiente tentando achar outro meio de ultrapassar a barreira e, de repente, percebeu uma grande árvore da qual pendia um tronco para dentro do quintal. O Pequenino não esperou: correu velozmente até o pé da árvore.
            — Ufa! — Caio transpirava. — Preciso treinar mais!
            Quando o jovem começou a escalar o espesso tronco da árvore, ele foi surpreendentemente interrompido:
            — Caio! — era uma doce e familiar voz feminina. — Espere por mim!
            — Janete! — O Pequenino se assustou quando olhou para baixo e viu a sua irmã com uma mochila rosa de boneca nas costas e estendendo os braços enquanto saltitava. — Mas o que você está fazendo aqui? Cadê o papai e a mamãe? O que houve com eles?
            — Eles foram embora — respondeu a menina.
            — E te deixaram? — Caio estranhou o fato. — Como assim?
            — Não foi bem assim. Eu saí escondida quando te vi indo embora — revelou Janete. — Eu escutei o papai e a mamãe me chamando, mas não voltei porque queria falar com você. Mas ouvi um barulho vindo do acampamento, então acho que eles foram embora.
            — Suba aqui — Caio fincou a sua "espada" na casca da árvore, pendurou a sua mochila, e desceu para ajudar a irmã a escalar.
            Quando chegaram no galho mais alto, tentaram localizar o acampamento dos pais.
            — Ali! — o Pequenino apontou para o local próximo à saída de esgoto. — O acampamento estava ali. Mas não está mais... Eles foram embora!
            — Olha lá! — Janete apontou para o córrego, um pouco mais à frente do acampamento. — O papai e a mamãe estão no bote, descendo o rio.
            — Ai, não! — o garoto bateu a mão na cabeça, desconsolado. — E agora, Janete? Nunca vamos conseguir alcança-los. Pelo menos não agora. Vamos entrar na casa e pegar algumas coisas emprestadas para conseguirmos chegar até o papai e a mamãe. Depois, eu vou embora.
            — Não! — gritou Janete. — Você não pode ir embora...
            — Lucas, vem tomar o seu café! — uma voz feminina soou pelo quintal, vinha de dentro da casa.
            Caio se agachou no galho da árvore e puxou Janete para perto de si. Havia um humano no quintal, uma criança.
            — Faça silêncio — murmurou Caio, fazendo um gesto com o dedo indicador e mostrando o menino no quintal.
            Janete fez uma careta; ela estava assustada e com medo, pois nunca havia ficado tão perto de um humano.
            — Vamos! — Caio caminhou com precaução sobre o galho e guiou Janete logo atrás. — Temos que entrar na casa. Assim que ele entrar, nós descemos pela muralha.
            Quando Lucas, o menino, levantou-se da grama e virou as costas para a árvore, Caio e Janete se seguraram na madeira da cerca e deslizaram até o chão. Sorrateiramente, os dois correram no meio da grama, mas pararam ao ver o menino humano virar a cabeça para trás e olhar bem na direção deles.
            — Ele viu a gente? — Janete ficou parada como uma estátua; o seu coração batia aceleradamente.
            — Acho que não — supôs Caio. — Abaixe-se bem devagarinho... Sem fazer barulho.
            — Ei! — Lucas, o menino, deu um sorriso ao ver as duas criaturinhas no meio do quintal. O menino correu até as criaturas.
            — Lucas! — novamente, a mãe do menino lhe chamava para tomar o café. Dessa vez, ela estava na soleira da porta, com um chinelo na mão. — Você vai vir ou não?
            Lucas olhou para a mãe, abaixou a cabeça e olhou para os Pequeninos. O menino humano estava sem saber o que fazer, mas achou que seria mais fácil procurar aqueles ratos depois do que se recuperar das palmadas da mãe.
            — Ah, droga! — assim, Lucas correu para dentro da casa.
            No mesmo segundo, Caio puxou Janete por todo jardim até chegar à parede da casa. Por sorte, havia um buraco, onde os irmãos entraram e alojaram-se.
            — Deita aqui no meu colo — Caio se sentou no chão de madeira e apoiou as costas na parede. Era um corredor bem estreito. — Vamos descansar um pouco e, depois, procuramos algo para comer.
            Assim que Janete apoiou a cabeça no colo do irmão, ela adormeceu. Caio soltou um breve sorriso e acabou dormindo também. Ainda bem que um tinha ao outro ali, pois nenhum deles fazia ideia de como seria dali pra frente.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Pela toca do Coelho


            No dia 4 de julho de 1865, após três anos sendo enriquecida e aprimorada, foi publicada a história duma menina que encantou o público da Literatura Fantástica: As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol – pseudônimo de Charles Lutwidge Dogson.
            O livro conta a história de Alice, que acaba caindo, literalmente, num mundo fantástico repleto de criaturas antropomórficas, cheio de coisas ilógicas e de características dum sonho. O livro não é só dedicado às crianças, pois foi uma forma que Lewis encontrou para satirizar seus amigos e inimigos, além de ter criado paródias para poemas populares ingleses do século XIX.
            No próximo mês, Alice comemora os seus 150 anos. Para lembrar desse clássico, produzi uma tradução dum trecho do livro, a qual verão a seguir.


CAPÍTULO 1 – Pela toca do coelho

            Alice já dava indícios do seu cansaço por estar sentada naquele banco ao lado da sua irmã sem ter nada para fazer: vez ou outra, ela bisbilhotava o livro que a irmã lia, mas, não havia ilustrações ou diálogos nele.
            — Pra quê serve um livro — pensou Alice — se não tem desenhos e nem conversas?
            Na sua mente, então, ela pensou (o máximo que pôde, já que o dia abafado a deixou muito sonolenta e entorpecida) se a alegria em confeccionar uma pulseira de flores compensaria o problema em ter de levantar-se para colher as tais flores. Daí, de repente, um Coelho Branco com olhos rosados correu muito próximo a ela.
            Não havia nada de tão extraordinário naquilo; e Alice não achou muito incomum ouvir o Coelho falar consigo mesmo:
            — Ó, céus! Poxa! Estou atrasado!
            Depois, quando ela parou para pensar, achou que deveria ter percebido o quão estranho era, mas tudo fora muito natural na hora. Mas, quando o Coelho pegou um relógio no bolso do seu colete, e consultou as horas e, depois, ficou preocupado com a hora, Alice se levantou e, num clarão de ideias, lembrou-se de que nunca havia visto um coelho vestindo um colete com bolsos, e muito menos um relógio para tirar desse bolso. Sem se aguentar de curiosidade, ela correu pela grama atrás do coelho e, com sorte, conseguiu vê-lo saltar dentro duma grande toca de coelho sob a cerca.
            No segundo seguinte, Alice saltou na toca, sem pensar em como conseguiria sair dali depois.
            A toca do coelho era profunda, como um túnel que levava a algum lugar desconhecido, e, de repente, virou um buraco, de modo que Alice nem teve como pensar em parar antes de começar a cair em algo que parecia não ter um fundo.
            Ou aquilo não tinha fundo, ou ela caía muito lentamente, pois ela já havia passado muito tempo olhando ao seu redor para desejar saber o que aconteceria depois daquilo. Primeiro, ela tentou olhar para baixo e descobrir para onde estava caindo, mas estava tudo muito escuro para conseguir enxergar. Depois, ela olhou para os lados do túnel e percebeu que as paredes eram cheias de cristaleiras e estantes de livro. Aqui e ali, havia mapas e quadros pendurados em estacas. Ela pegou uma tigela de uma das estantes enquanto caía – havia uma etiqueta dizendo “Geleia de Laranja” –, mas, para a sua tristeza, estava vazia. Ela não quis largar a tigela por medo de matar alguém, assim, conseguiu guardá-la numa das cristaleiras enquanto caía.
            — Bom... — pensou Alice. — Após cair tanto assim, eu não vou achar ruim se cair das escadas! Em casa, vão me achar muito corajosa! Até porque não falarei nada se eu cair, mesmo se for do telhado de casa! — O que, provavelmente, era verdade.
            Cair, cair e cair. A queda parecia nunca ter um fim!
            — Quantos metros eu já devo ter caído neste tempo? — questionou-se em voz alta. — Já devo estar bem perto do centro da Terra. Vamos ver... Acho que isso seria mais de seis mil metros abaixo da terra. — Como podem ver, Alice não aprendeu muitas coisas desse tipo em suas lições da escola e, pensando bem, aquele não era um momento muito adequado para mostrar os seus conhecimentos, além de não ter ninguém para ouvi-la, mesmo que dizer fosse uma boa prática.
            — Sim! É a distância correta. Mas, aí, fico pensando em qual Latitude ou Longitude estou? — Alice não fazia ideia do que era a Latitude nem a Longitude, mas achava que eram ótimas palavras a serem ditas.
            Logo, ela recomeçou:
            — Será que eu posso cair direto através da Terra? Seria muito engraçado aparecer no meio das pessoas que andam com suas cabeças para baixo. Os Antipáticos, acho que é isso — ela não estava tão triste, agora, por ninguém ouvi-la, pois aquela parecer ser a palavra certa. — Mas tenho que perguntar o nome do país a eles. Com licença, Senhora, aqui é a Nova Zelândia ou a Austrália? — Ela tentava imitar um cumprimento enquanto falava (cumprimentar em queda livre – já pensou nisso?). — Ela vai achar que sou uma garota ignorante por perguntar isso. Não, eu não perguntarei. Talvez eu possa ver o nome escrito em algum lugar.
            Cair, cair e cair. Não havia mais nada a fazer, então Alice voltou a falar:
            — Acho que a Diná vai ficar com muita saudade de mim! — Diná era a gata de estimação. — Tomara que eles se lembrem de dar o leite dela na hora do café. Diná, minha querida, queria que estivesse aqui embaixo comigo! Acredito que não há ratos no ar, mas você poderia capturar um morcego, e isso se parece muito com um ratinho, né? Mas será que gatos comem morcegos?
            E, então, Alice começou a ficar mais sonolenta e continuou falando sozinha de uma maneira sonhadora:
            — Gatos comem morcegos? Morcegos comem gatos? — ela alternava.
            Como podem ver, ela não conseguia responder nenhuma das perguntas e, por isso, não importava a ordem. A menina sentiu que estava cochilando e começou a sonhar que caminhava de mãos dadas com Diná, falando com a gata seriamente:
            — Então, Diná, fale a verdade... Você já comeu um morcego? — de repente, houve um baque e Alice caiu sobre um monte de galhos e folhas secas. A queda havia chegado ao fim.
            Alice não havia se machucado nem um pouco; então, em segundos, ela pôs-se de pé. Ela olhou para cima, mas estava tudo muito escuro; atrás dela havia outro grande túnel e o Coelho Branco passava por ali, todo apressado.
            Não havia tempo a perder, e Alice, parecendo uma ventania, correu atrás do animal a tempo de ouvi-lo falar, assim que ele havia feito uma curva:
            — Ah! Pelas minhas orelhas e pelos meus bigodes! Está ficando tarde!
            Ela estava bem atrás deles quando fez a curva, mas o Coelho já havia desaparecido. Alice se viu num cômodo com o teto baixo e que se estendia vastamente, todo iluminado por uma fileira de lâmpadas que pendiam do teto.
            Havia portas por todo o cômodo, mas elas estavam todas trancadas. Depois de ter percorrido todo o cômodo por um lado e ter voltado pelo outro lado, tentando abrir porta por porta, Alice caminhou com desânimo para o centro da sala, pensando em como ela sairia dali.
            De repente, ela encontrou uma mesinha de três pés, toda feita em vidro; não havia nada sobre o móvel, exceto por uma minúscula chave dourada, e o primeiro pensamento de Alice foi que a chave poderia abrir uma daquelas portas. Mas (para a sua infelicidade!), ou as fechaduras eram grandes demais, ou a chave era pequena demais; mas, de qualquer forma, não seria possível abrir nenhuma das portas.
            Entretanto, na segunda tentativa, Alice encontrou uma cortina que, antes, não havia percebido; e, atrás dela, havia uma portinha que media cerca de 40 centímetros. Ela tentou colocar a pequena chave na fechadura e, para a sua sorte, coube perfeitamente!
            Alice abriu a porta e descobriu que ela levava a um pequeno túnel – não muito maior do que uma toca de ratos. Ela se ajoelhou e olhou através do túnel, enxergando o mais lindo jardim que já havia visto. Ela estava “doida” para sair daquela sala sombria e passear por entre aqueles canteiros de flores luminosas e aquelas fontes de água fresca; mas ela mal podia passar a sua cabeça pela porta.
            — E, mesmo se a minha cabeça coubesse — pensou Alice —, não teria muita serventia sem os meus ombros. Ah! Como eu queria poder ser dobrável como um telescópio! Eu acho, até, que eu poderia se, ao menos, soubesse por onde começar.
            Vejam, como tantas esquisitices aconteceram ultimamente, Alice começava a achar que algumas coisas, aliás, era verdadeiramente impossíveis.
            Não havia porque esperar ao lado da portinha; então, Alice voltou em direção à mesa, esperando, talvez, encontrar outra chave sobre o móvel, ou, também, um manual para dobrar pessoas como telescópios. Foi, aí, que ela encontrou uma garrafinha sobre a mesa:
            — Isso, sem dúvida, não estava aqui — comentou Alice.
            Em volta do gargalo, havia uma etiqueta de papel com as palavras “BEBA-ME” gravadas, de forma graciosa, em letras grandes.
            Tudo bem em dizer “BEBA-ME”, mas a pequenina e sabida Alice não faria aquilo tão depressa.
            — Não... Vou dar uma olhada antes — ela disse — e ver se está ou não marcado “veneno”.
            A menina já havia lido muitas lindas historinhas sobre crianças queimadas e comidas por criaturas selvagens, além de outras coisas desagradáveis, tudo porque não se lembraram das regras simples que os seus amigos haviam-lhes ensinado. Por exemplo: um ferro em brasa pode queimar você caso não o afaste o suficiente; ou, se você fizer um corte bem profundo no dedo com uma faca, vai sangrar. E Alice jamais se esquecera daquilo: se você beber de uma garrafa em que está escrito “veneno”, é quase certeza de que você sofrerá as consequências, mais cedo ou mais tarde.
            Contudo, a garrafa não continha nenhuma marcação de “veneno”; assim, Alice não hesitou em beber, e achou o conteúdo muito bom – na verdade, era um gosto misturado de torta de cereja, musse, abacaxi, peru assado, caramelo e torrada com manteiga derretida; era tão bom, que ela acabou com o líquido rapidinho.
* * * *
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* * * *
            — Que coisa esquisita! — disse Alice. — Devo estar-me dobrando igual a um telescópio.
            E aquilo não era imaginação; de fato, ela ficara com cerca de 25 centímetros de altura. A feição de Alice se alegrou assim que ela se lembrou de que tinha o tamanho exato para passar pela porta e entrar naquele adorável jardim.
            Antes, contudo, ela esperou por alguns minutos para ver se ainda encolheria mais; ela ficou um pouco assustada com isso.
            — Isso bem pode acabar — comentou Alice, sozinha. — comigo desaparecendo como uma vela. Como eu ficaria? — Ela tentou imaginar como se parece a chama duma vela após apagar-se, mas ela não conseguiu lembrar-se de algo do tipo.
            Após aguardar um tempo e descobrindo que nada mais aconteceria, ela decidiu ir para o jardim de uma vez por todas; mas, para o seu azar, ela percebeu que havia esquecido a chave dourada assim que cruzou a porta e, então, voltou para buscá-la; foi só aí que ela se deu conta de que não alcançava o topo da mesa – ela podia ver o objeto através do vidro e tentou dar o melhor de si para escalar uma das pernas da mesa, mas a superfície era muito escorregadia. Depois de muitas tentativas inúteis e de ser vencida pelo cansaço, a pequenina Alice se sentou e começou a chorar.
            — Ei! Não tem porque chorar assim! — a menina fez um alerta a si própria de uma maneira ríspida. — É melhor parar agora mesmo! — Geralmente, ela sempre se alertava muito bem – embora ela, raramente, seguisse os próprios conselhos. Às vezes, ela se repreendia dum modo tão severo que provocava choro em si própria; uma vez, ela tentara boxear as próprias orelhas por ter trapaceado num jogo de críquete em que jogava sozinha (essa curiosa menina adorava fingir ser duas pessoas).
            — Agora não adianta — pensou a pobre Alice — querer ser duas pessoas! Isso, porque já está difícil o bastante ser uma pessoa digna de respeito!
            Alguns segundos depois, o seu olhar chegou a uma pequena caixa de vidro que estava sob a mesa; Alice abriu a caixa e encontrou um bolo em miniatura, no qual estava escrito “COMA-ME” em lindas letras feitas com groselha.
            — Bom, vou comer — decidiu Alice — e, se isso me fizer crescer, poderei pegar a chave; agora, se isso me fizer diminuir, poderei rastejar sob a porta e chegarei, de qualquer forma, no jardim, não importa o que aconteça.
            A menina mordiscou um pedaço.
            — E aí? E aí? — perguntava a menina, freneticamente, segurando sua mão em cima da cabeça para sentir se estava crescendo; mas ela ficou bem surpresa ao ver que continuava do mesmo tamanho (para ser exato, isso costuma acontecer quando se come bolo, mas Alice já estava acostumada a não esperar nada além de esquisitices acontecendo – porque, parecer normal, parecia-lhe chato!).
            Então, Alice decidiu agir e acabou com o bolo duma vez por todas.


Fonte: https://www.gutenberg.org/files/11/11-h/11-h.htm

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Conto: A Bela Adormecida

O conto "Sleeping Beauty", de Charles Perrault (um escritor e poeta francês do século 17, o pai da Literatura Infantil), traduzido por Júnior Gonçalves.



            Era uma vez, há muito tempo atrás, um rei e uma rainha que tinham um desejo muito simples.
            — Ah! — eles se lamentavam. — Se pudéssemos ter um filho...
            Mas eles nunca conseguiam ter.
            Certa vez, enquanto a rainha se banhava na lagoa, uma rã saltou para fora da água.
            — O seu desejo será realizado — disse a rã, com a pele brilhante, fora da lagoa. — Você terá uma filha em menos de um ano.
            Aquilo que a rã disse aconteceu; a rainha teve uma menininha tão linda que o rei mal podia se conter de tanta alegria, e ele organizou uma grande festa. Ele não convidou apenas os seus familiares, os amigos e os conhecidos, mas também convidou as feiticeiras do reino, pois elas poderiam se entusiasmar e serem gentis criança. Havia treze delas em todo o reino; era tradição que o anfitrião da festa enviasse pratos aos convidados, mas, como ele enviara apenas doze pratos de ouro, uma delas não pôde ir.
            O banquete foi servido com muita pompa e, ao término da festa, as feiticeiras deram à bebê os seus presentes mágicos – uma concedeu virtude, outra concedeu beleza, a terceira concedeu riqueza, e assim foram dadas todas as coisas do mundo que se pode desejar.
            De repente, quando onze delas já haviam feito os seus votos, a décima terceira chegou. Ela queria se vingar por não ter sido convidada e, sem cumprimentar ou olhar para ninguém, ela gritou com uma voz estrondosa:
            — A filha do rei, em seu décimo quinto aniversário, vai se espetar na agulha de uma roca e cairá morta — sem dizer mais nenhuma palavra, ela se virou e deixou o local.
            Todos ficaram chocados. Mas a décima segunda feiticeira, que ainda não havia feito os melhores votos, deu um passo adiante e, por mais que não pudesse desfazer a maldição, ela poderia torná-la menos arrasadora.
            — Não será a morte que causará a queda da princesa, mas um sono profundo de cem anos — disse a feiticeira.
            O rei, aceitando o cruel destino de sua amada filha, ordenou aos guardas do reino que cada roca de todo o reino fosse queimada. Entretanto, os votos concedidos pelas feiticeiras foram concretizados com totalidade na vida da menina; ela era tão bela, virtuosa, de boa índole, e inteligente, que todo mundo que a conheceu amou-lhe no primeiro momento.
            No dia de seu aniversário de quinze anos, contudo, o rei e a rainha não estavam no castelo, e a donzela ficou sozinha ali. Ela passou por todos os lugares, passava pelas salas e pelos quartos, do jeito que ela gostava de fazer; e, por último, chegou a uma velha torre. Ela subiu pela estreita escada em espiral até chegar a uma porta bem pequena. Havia uma chave enferrujada na fechadura e, assim que a virou, a porta se abriu. Dentro da saleta, havia uma senhora com uma roca de fiar, ela estava ocupada tecendo linho.
            — Bom dia, minha senhora — cumprimentou a princesa. — O que faz aqui?
            — Estou tecendo — respondeu a senhora, virando a cabeça.
            — Mas que coisa é essa que faz barulho enquanto faz giros tão alegres? — questionou a menina, sentando-se diante da roca para tecer também.
            Ela mal tocou na roca quando o feitiço se concretizou, e ela espetou o dedo na agulha.
            No momento exato em que ela sentiu a agulha, ela se deitou sobre a cama que havia no quartinho, e caiu em um sono profundo. O seu sono se propagou por todo o palácio, e o rei e a rainha, que haviam acabado de chegar ao salão do castelo, ficaram sonolentos, e o mesmo aconteceu com toda a corte. Os cavalos, no estábulo, também dormiram, assim como os cachorros, no jardim, os pombos, no telhado, as moscas, nas paredes. Até mesmo o fogo, que estava ardente na lareira, ficou quieto e adormeceu. A carne que assava deixou de assar. O cozinheiro, que ia até o serviçal para puxar o seu cabelo, porque ele havia-se esquecido de algo, deixou-o ir e caiu no sono. O vento diminuiu, e as folhas das árvores de trás do castelo não se mexeram mais.
            Uma cerca de espinhos começou a crescer em volta do castelo, e ficava mais alta a cada ano que passava; cresceu tanto que, no fim, cobriu todo o castelo, e a construção não podia mais ser vista, nem mesmo a bandeira no alto do telhado. Mas a história da bela adormecida Rosa, como ficou conhecida, se espalhou pelo reino, e de vez em quando os príncipes vinham e tentavam passar pelo grande cerco de espinhos para entrar no castelo. Mas todos descobriram que era impossível, porque os espinhos lhes agarravam, como se fossem mãos; e, uma vez pegos pelos espinhos, jamais conseguiam se soltar novamente, morrendo de forma miserável.
            Depois de muito tempo, um príncipe veio até o reino e ouviu um senhor falando sobre o cerco de espinhos, e sobre um castelo que estava no meio dos espinhos. Ele ouviu que uma linda e maravilhosa princesa, chamada Rosa, havia caído num sono de cem anos, e que o rei, a rainha e toda a corte também foram afetados pelo sono. Ele também ouvira de seu avô que muitos reis e príncipes já haviam ido até o cerco de espinhos para tentar passá-lo, mas todos foram perfurados pelos espinhos rapidamente e tiveram mortes lamentáveis.
            O jovem, então disse:
            — Eu não tenho medo. Eu vou e verei a linda Rosa.
            O velho poderia persuadi-lo, como tentou, mas o príncipe não lhe deu ouvidos.
            Nessa época, os cem anos já haviam se passado, e o dia em que Rosa acordaria novamente havia chegado. Quando o príncipe chegou perto do cerco de espinhos, estava repleto de lindas flores, que se afastavam umas das outras por vontade própria, deixando o rapaz passar sem se machucar. Após isso, elas fecharam novamente o caminho atrás dele como um cerco. No jardim do castelo ele viu os cavalos e os cães deitados, dormindo. No telhado, os pombos estavam pousados com suas cabeças sob as asas.
            Assim que o príncipe entrou no castelo, as moscas dormiam nas paredes, o cozinheiro estava na cozinha, ainda esticando sua mão para agarrar o garoto, e a criada estava sentada perto da galinha preta que estava prestes a depenar.
            Ele foi ainda mais adiante. No grande salão, o príncipe viu toda a corte deitada, dormindo, e próximo ao trono estavam deitados o rei e a rainha. Depois, ele prosseguiu e tudo estava tão quieto que dava para ouvir a própria respiração. Por último, ele foi até a torre, abriu a porta e entrou no quartinho onde Rosa dormia.
            Lá estava ela, deitada; tão linda que ele mal podia tirar os seus olhos dela. Ele se aproximou e deu-lhe um beijo. E logo que ele a beijou, Rosa abriu os olhos e acordou, lançando a ele um olhar agradável.
            Os dois desceram juntos. O rei acordou, e depois a rainha, e depois toda a corte. Todos se olhavam admirados. Os cavalos se levantaram e se sacudiram no estábulo; no jardim, os cães saltaram e abanaram os rabos; os pombos ergueram suas cabeças no telhado e olharam em volta, voando para o reino; as moscas voltaram a rastejar-se na parede novamente; o fogo na cozinha se acendeu e voltou a queimar a carne; as juntas de todos voltaram a dobrar e ranger de novo; o cozinheiro deu um tapa na orelha do serviçal, que deu um berro; e a empregada terminou de depenar a galinha.
            Com muito esplendor, o casamento do príncipe com Rosa foi celebrado e eles viveram felizes para sempre.


Fonte:

Sleeping Beauty. FairyTales.biz. Disponível em: <http://www.fairytales.biz/charles-perrault/sleeping-beauty.html>.