Viver
numa cidade grande parece ser algo fácil para qualquer um, ainda mais quando se
tem uma casa própria para viver sem se preocupar com aluguel. Mas isso não
funciona com gente pequena.
Na verdade, isso não funciona com
gente bem pequena – pequena mesmo: gente menor que uma escova de dente.
—
Pai! Olhe só isso — Caio apontava para um alfinete. Nas suas mãos, o
objeto parecia mais uma espada. —
Encontrei lá no quintal.
Caio era um "menino" muito
curioso. Ele era o filho mais velho de César e Joana. Com os seus 16 anos de
idade, Caio já media dez centímetros de altura, o normal para um adolescente
Pequenino.
— Eu não acredito! — César franziu o cenho e tomou o alfinete do
garoto. — Você subiu de novo?
Já conversamos sobre isso, Caio.
— Eu sei, pai — o menino pendeu a cabeça, desanimado, mas logo tratou de
explicar-se. — Eu estava meio entediado aqui... Daí, enquanto eu limpava a
entrada para o esgoto, vi algo brilhando lá no quintal. Achei que fosse algo
útil. E não deixa de ser!
—
Quintal? — Joana logo apareceu atrás da porta da sala. A família vivia numa
"toca" dentro de um ralo do quintal de uma casa. Com objetos achados
e "emprestados", eles construíram uma espécie de casa com cômodos
todos mobiliados com objetos comuns: folhas que serviam de cortinas, pedaços de
madeira que serviam de porta, papelões que serviam de paredes, restos de
flanelas que serviam de cobertores, pequenos tubos que serviam de encanamento
para a rede de água e esgoto própria, pequenas caixas revestidas com espumas
que serviam de camas etc. — O que você foi fazer no quintal, Caio?
Joana,
dos quatro, era a mais medrosa. Se ela visse um humano na sua frente,
provavelmente, desmaiaria.
—
Mãe! — Caio se cansou de explicar e sentou-se no sofá da sala. — Eu cansei de
ficar só aqui dentro. Vocês podiam me deixar sair para uma viagem em busca de
amigos, né?
—
Não fale uma besteira dessas, filho — pediu César, rangendo os grandes dentes
incisivos, que lhe davam a aparência de um roedor humanoide. — Você tem eu, sua
mãe e sua irmã como amigos. Não tem porque sair por aí em busca de mais e
correr perigo.
—
Vocês não entendem... — Caio deu as costas para os pais e entrou para o seu
quarto.
O
jovem Pequenino entrou em seu quarto, deitou-se na sua cama e ficou observando
o teto do quarto – ele havia colado uma série de figurinhas com imagens de
vários lugares do mundo: templos chineses, florestas tropicais, montanhas
congeladas, desertos escaldantes e vilarejos à beira-mar.
Toque-toque.
Caio
sonhava em conhecer cada um daqueles lugares. Mas era um sonho idiota; ele
estava destinado a jamais sair daquela "boca" de esgoto.
Toque-toque!
—
Quem é? — questionou Caio, enquanto alguém batia à porta.
—
Eu! — uma voz feminina e aguda soava do outro lado.
—
Ah! — o jovem fez uma careta. — Entra.
Era
Janete, a irmã caçula de Caio. A menina tinha sete anos de idade e cinco
centímetros e meio de altura. Seu rabo, semelhante ao rabo de uma girafa (só
que mais comprido), balançava freneticamente ao poder entrar no quarto do seu
irmão mais velho.
—
Por que você está triste? — perguntou Janete, curiosa.
—
Nada — respondeu Caio, sem desviar o olhar do teto.
—
Por que você está olhando para o teto? — interrogou.
—
Janete! — Caio virou o rosto e encarou a Pequenina. — O que você quer, afinal?
—
Eu ouvi você dizer que vai viajar em busca de amigos — explicou a menina,
sorridente. — Posso ficar com o seu quarto? Diz que sim? Deixa?
—
Janete... — Mentalmente, Caio contou até dez e respirou fundo. — Eu não vou
para uma viagem. O papai e a mamãe não deixam. Pode esquecer! Quem sabe, um
dia, quando eu for embora?
—
Embora? — Janete arregalou os olhos, assustada. — Não, por favor! Não precisa
me dar o seu quarto... Fica!
Caiu
soltou uma gargalhada e fez cócegas na irmã.
Mais
tarde, todos estavam reunidos na mesa para o jantar. Então, um estrondo abafado
soou pela toca dos Pequeninos, fazendo tudo tremer, e, em seguida, uma
enxurrada começou a cair ao lado de fora.
—
Vou verificar as barreiras de contenção — disse César, levantando-se e saindo
da toca.
Contudo,
a toca começou a ser inundada por uma correnteza causada pela forte chuva.
—
Caio, pegue a sua irmã! — gritou César, enquanto corria para socorrer a
família. — Joana, venha!
Janete
se agarrou no pescoço do irmão que, inesperadamente, correu para dentro do seu
quarto em vez de seguir rumo à saída da toca. Enquanto isso, César e Joana
tentavam atravessar a correnteza que se havia formado no interior do ralo; o
único jeito de sair dali seria seguindo a correnteza – era impossível nadar
contra.
—
Cadê o Caio e a Janete? — perguntou Joana, desesperada. — Cadê os meus filhos,
César?
—
Fique calma! — pediu César, inquieto. — Caio! Janete!
—
Estamos aqui — respondeu Caio, saindo da toca com a irmã pendurada nos seus
ombros. — Eu precisava buscar isto.
Nas
mãos do menino, o alfinete que ele havia conseguido mais cedo e uma mochila
pendurada nas costas.
A
família toda pulou sobre uma tampa de plástico e utilizaram-na como um bote,
descendo a correnteza em direção ao esgoto. O encanamento era espaçoso o suficiente
para o bote e a família, mas a enxurrada estava muito forte e ameaçava
afoga-los a qualquer instante.
—
Segurem firme! — gritou César.
Logo
à frente, a água parecia não seguir mais. Mas era uma ilusão de ótica, havia
uma queda ali; era o acesso para a via de esgoto, encanamentos com 60
centímetros de diâmetro.
Em
uníssono, a família gritava enquanto caía no esgoto. Por sorte, todos
conseguiram nadar de volta para o bote e manterem-se seguros.
—
Eu não acredito! — reclamou César. — Perdemos tudo! Tudo!
—
Não fique assim, meu amor — suplicou Joana, ainda abalada. — Ao menos estamos
todos vivos. Podemos achar outro lugar mais seguro para construir.
—
O quarto do Caio nunca mais será meu! — Janete estava profundamente chateada
com isso. Caio a abraçou forte, tentando conter o seu choro.
—
Aquela casa foi do meu pai... E do meu avô! — justificou César, passando a mão
sobre a testa. — Eu fui um burro! Eu devia ter verificado as barreiras mais
cedo... Eu me esqueci completamente.
Com
a sua irmã em seus ombros, Caio estava sentado na borda da tampa de plástico e
com os olhos fixos no chão, como se estivesse em outro lugar. Joana cutucou o
companheiro para que ele visse a situação do filho.
—
Filho? — César se aproximou de Caio e apoiou a sua mão no ombro do jovem. —
Está tudo bem
—
Foi minha culpa — respondeu Caio,
ainda olhando para baixo.
—
Como? — César não compreendeu a fala do menino. — O que você quer dizer com
isso?
—
Foi tudo culpa minha. Eu destruí a nossa casa — revelou Caio, envergonhando,
sem encarar o pai. — Mais cedo, quando fui ao quintal, as barreiras estavam
fechadas. Eu abri para poder passar e ir até o quintal. Eu esqueci de arrumar
quando voltei!
—
Caio, não pode ser... — César ficou visivelmente transtornado com a revelação.
Janete
percebeu a inquietação do pai e começou a chorar. Joana pegou a filha no colo e
abraçou Caio.
—
César, deixe isso pra lá! — pediu Joana, preocupada.
—
Não! — César soltou um berro agoniado. — Ele destruiu a nossa família!
—
Não! — Joana abraçou o filho fortemente. — Não fale isso, César.
—
Preste atenção! — César puxou o queixo do filho para cima, obrigando o menino a
encara-lo. — Assim que avistarmos terra firme, você desce do bote.
—
César! — Joana ficou boquiaberta.
—
Mãe, não! — Caio abraçou a mãe, segurando o choro e tentando demonstrar força.
— Ele está certo. Eu vou seguir a minha vida. Está mais do que na hora. Prometo
que vou recompensar vocês pelo meu erro. Eu realmente sinto muito.
Duas
horas depois, o bote aportou na beira de uma malha de ferro que impedia
qualquer resíduo sólido, com mais de dez centímetros de altura e de largura,
seguir em frente pelo esgoto.
—
Pronto — César se levantou do bote e amarrou-o em uma das barras de ferro da
malha. — Subiremos para a superfície e montaremos acampamento.
A
família escalou o lixo que estava empilhado ali e conseguiu alcançar uma saída
– eles estavam à beira de um córrego. César pegou alguns gravetos e montou duas
barracas e uma fogueira.
—
Você pode ficar durante esta noite — o líder da família apontou para o seu
filho mais velho. — Depois, você pega as suas coisas e vai embora pela manhã.
—
Ok — Caio entrou na sua barraca e ficou lá durante o fim da tarde e o jantar.
No
meio da noite, Caio saiu da barraca e viu que seus pais e sua irmã dormiam na
outra barraca. Então, o jovem pegou uma mochila, um cobertor e o seu alfinete,
e seguiu mata adentro.
Quatro
horas depois, o sol já raiava e Caio havia chegado perto de uma casa para
humanos. Uma cerca gigantesca dava volta em toda a casa, impossibilitando a
entrada – a "muralha" devia medir de um metro e trinta a um metro e
setenta.
Caio
ficou estudando o ambiente tentando achar outro meio de ultrapassar a barreira
e, de repente, percebeu uma grande árvore da qual pendia um tronco para dentro
do quintal. O Pequenino não esperou: correu velozmente até o pé da árvore.
—
Ufa! — Caio transpirava. — Preciso treinar mais!
Quando
o jovem começou a escalar o espesso tronco da árvore, ele foi
surpreendentemente interrompido:
—
Caio! — era uma doce e familiar voz feminina. — Espere por mim!
—
Janete! — O Pequenino se assustou quando olhou para baixo e viu a sua irmã com
uma mochila rosa de boneca nas costas e estendendo os braços enquanto
saltitava. — Mas o que você está fazendo aqui? Cadê o papai e a mamãe? O que
houve com eles?
—
Eles foram embora — respondeu a menina.
—
E te deixaram? — Caio estranhou o fato. — Como assim?
—
Não foi bem assim. Eu saí escondida quando te vi indo embora — revelou Janete.
— Eu escutei o papai e a mamãe me chamando, mas não voltei porque queria falar
com você. Mas ouvi um barulho vindo do acampamento, então acho que eles foram
embora.
—
Suba aqui — Caio fincou a sua "espada" na casca da árvore, pendurou a
sua mochila, e desceu para ajudar a irmã a escalar.
Quando
chegaram no galho mais alto, tentaram localizar o acampamento dos pais.
—
Ali! — o Pequenino apontou para o local próximo à saída de esgoto. — O
acampamento estava ali. Mas não está mais... Eles foram embora!
—
Olha lá! — Janete apontou para o córrego, um pouco mais à frente do
acampamento. — O papai e a mamãe estão no bote, descendo o rio.
—
Ai, não! — o garoto bateu a mão na cabeça, desconsolado. — E agora, Janete?
Nunca vamos conseguir alcança-los. Pelo menos não agora. Vamos entrar na casa e
pegar algumas coisas emprestadas para conseguirmos chegar até o papai e a
mamãe. Depois, eu vou embora.
—
Não! — gritou Janete. — Você não pode ir embora...
—
Lucas, vem tomar o seu café! — uma voz feminina soou pelo quintal, vinha de
dentro da casa.
Caio
se agachou no galho da árvore e puxou Janete para perto de si. Havia um humano
no quintal, uma criança.
—
Faça silêncio — murmurou Caio, fazendo um gesto com o dedo indicador e
mostrando o menino no quintal.
Janete
fez uma careta; ela estava assustada e com medo, pois nunca havia ficado tão
perto de um humano.
—
Vamos! — Caio caminhou com precaução sobre o galho e guiou Janete logo atrás. —
Temos que entrar na casa. Assim que ele entrar, nós descemos pela muralha.
Quando
Lucas, o menino, levantou-se da grama e virou as costas para a árvore, Caio e
Janete se seguraram na madeira da cerca e deslizaram até o chão.
Sorrateiramente, os dois correram no meio da grama, mas pararam ao ver o menino
humano virar a cabeça para trás e olhar bem na direção deles.
—
Ele viu a gente? — Janete ficou parada como uma estátua; o seu coração batia
aceleradamente.
—
Acho que não — supôs Caio. — Abaixe-se bem devagarinho... Sem fazer barulho.
—
Ei! — Lucas, o menino, deu um sorriso ao ver as duas criaturinhas no meio do
quintal. O menino correu até as criaturas.
—
Lucas! — novamente, a mãe do menino lhe chamava para tomar o café. Dessa vez,
ela estava na soleira da porta, com um chinelo na mão. — Você vai vir ou não?
Lucas
olhou para a mãe, abaixou a cabeça e olhou para os Pequeninos. O menino humano
estava sem saber o que fazer, mas achou que seria mais fácil procurar aqueles
ratos depois do que se recuperar das palmadas da mãe.
—
Ah, droga! — assim, Lucas correu para dentro da casa.
No
mesmo segundo, Caio puxou Janete por todo jardim até chegar à parede da casa.
Por sorte, havia um buraco, onde os irmãos entraram e alojaram-se.
—
Deita aqui no meu colo — Caio se sentou no chão de madeira e apoiou as costas
na parede. Era um corredor bem estreito. — Vamos descansar um pouco e, depois,
procuramos algo para comer.
Assim
que Janete apoiou a cabeça no colo do irmão, ela adormeceu. Caio soltou um
breve sorriso e acabou dormindo também. Ainda bem que um tinha ao outro ali,
pois nenhum deles fazia ideia de como seria dali pra frente.
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