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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 6)

            Um mês se passou desde que Felipe cumpriu a sua missão e libertou a alma de Luciana, sua prima. Agora, sem ver o seu guia misterioso há alguns dias, o garoto precisa lidar com o seu desafio final: ceifar as vidas dos seus pais; ao mesmo tempo, Felipe precisa pensar numa forma de limpar toda a sujeira para, então, tornar-se o Mestre da Morte.

Acesse os capítulos anteriores para relembrar a história:



Capítulo 6 – As últimas entradas

            O ultrabook de Felipe estava ligado e a sua tela exibia o seguinte:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
            Os olhos de Felipe estavam vermelhos e arregalados diante da tela. Passaram-se quatro semanas desde que havia cumprido a sua missão com Luciana.
            Desde então, uma coisa puxou a outra: Gabriele, a melhor amiga de Luciana, estava no lugar errado na hora errada (embora o seu nome já estivesse no Messorem desde o início, indicando que a sua presença naquele instante não era por acaso); Otávio, o namorado de Luciana, foi morto pouco depois, quando chamou Felipe para uma conversa a sós, pois exigia saber o paradeiro de Luciana, que havia saído para encontrar o primo; Edivânia e José foram os próximos: eram os pais de Luciana que, ao encontrar o telefone da filha, descobriram que o sobrinho havia sido o último a conversar com ela antes de encontrarem ela e Gabriele mortas num terreno baldio na zona norte da cidade (Felipe não ficou contente quando foi chamado pelos tios para uma visita urgente e cheia de questionamentos).
            O homem que guiava os seus passos havia desaparecido desde a morte dos seus tios. Felipe estava por sua própria conta agora.
            Com a mudança de comportamento após tantas mortes, Marta e Julio, os pais de Felipe, começaram a acompanhar mais cada passo do menino. Por isso, os últimos dias estavam tão difíceis – Felipe sabia que teria de cumprir a sua última e, talvez, mais importante missão: ceifar as vidas dos seus progenitores.
            — Filho? Posso entrar? — era Julio, com a cabeça no vão da porta entreaberta.
            — Ué! Você já 'tá aqui dentro mesmo — respondeu Felipe, com um ar seco, enquanto fechava imediatamente o programa. — O que foi?
            — Eu e sua mãe queremos muito conversar com você, filho — respondeu Julio. — Estamos muito preocupados com você... Muita coisa aconteceu e você se fechou.
            — Eu não quero falar sobre o que aconteceu — o menino não fez rodeios. — Eu só quero ficar em paz!
            — Felipe Vicentini Ferraz — quando Julio "proclamava" o nome inteiro, Felipe já sabia que vinha bronca —, hoje à noite, às 7h, você vai sair com a sua mãe e me encontrar no restaurante onde jantaremos juntos, ouviu?
            — Mas... Pai! — Felipe tentou contestar.
            — Sem mais conversas... Às 7h da noite, estarei esperando por você e por sua mãe — Julio fechou a porta e saiu para o trabalho.

            Após sair do banho, Felipe procurou por sua mãe – então, viu que ela estava na sala assistindo à novela:
            — Mãe! — o menino gritou do alto da escada. — Pode vir aqui no meu quarto?
            Felipe estava cansado daquilo tudo; queria acabar com tudo; não queria mais ser o Aprendiz da Morte – ele queria ser o Mestre.
            — Estou indo, filho, só um segundo! — respondeu Marta.
            Enquanto isso, Felipe rapidamente vestiu a sua túnica preta e preparou a sua lâmina. Ele apagou a luz do quarto e deixou apenas um abajur aceso na penumbra.
            — Fê? — Marta bateu à porta do quarto. — Posso entrar?
            Felipe permaneceu calado no outro canto do quarto, em pé, segurando a gadanha.
            — Fê? — Marta abriu a porta e assustou-se com o que viu. — Felipe, que brincadeira estranha é essa?
            Mirando-a do outro canto da parede, Felipe soltou um sorriso malicioso e perverso e deu alguns passos à frente:
            — Não é brincadeira, mãe — explicou o menino; o seu coração, incrivelmente, não batia acelerado; a sua voz estava serena. — É tudo de verdade!
            Marta arregalou os olhos para o tamanho da lâmina afiada e manchada de sangue. Ela, disfarçadamente, deu alguns passos para trás a fim de sair do quarto e buscar ajuda.
            — Mãe? — chamou Felipe.
            — Sim, filho? — gaguejou a mulher.
            — Você não está com medo de mim, está? — Felipe sorriu mais uma vez. Ele sentiu uma espécie de prazer ao vivenciar toda aquela situação. — Afinal, sou o seu filho.
            — Não, meu bem... — respondeu Marta, aflita ao perceber maldade nas palavras do próprio filho. — É que estamos atrasados. O seu pai está esperando, lembra?
            — Ele não se importará com isso, não é? — supôs o garoto, aproximando-se mais de Marta. — Vai ter para ele também!
            Nesse instante, Marta saltou para trás e puxou a porta, mas sentiu um baque na sua cabeça e caiu desfalecida no chão enquanto o sangue escorria pelo seu rosto.

            Quase uma hora depois, Julio chegou em casa após inúmeras tentativas de falar com Marta ou com Felipe. Ele viu que o carro da esposa ainda estava na garagem, mas que as luzes da casa estavam todas apagadas, exceto pela pouca luz que vinha do quarto de Felipe.
            Julio correu para dentro de casa desesperado – já fazia alguns dias que estava desconfiando do envolvimento de Felipe com as mortes que haviam acontecido na vizinhança, afinal, o menino conhecia cada uma daquelas pessoas e havia ficado diferente após a morte de cada uma.
            Precavido, Julio discou o número da polícia e alegou um pedido de emergência.
            — Marta! — Julio gritava enquanto subia as escadas. — Marta!
            O pai de Felipe não hesitou em entrar no quarto do menino, mas caiu de joelhos no chão quando se deparou com a cena lastimável: Marta estava deitada no chão do quarto, numa poça de sangue que se esvaía da sua cabeça; na parede, com o sangue da mulher, estava escrito "MESSOREM".
            — O que você fez? — Julio pegou a cabeça de Marta e colocou sobre o seu colo enquanto afagava os seus cabelos.
            Felipe estava sentado na cama, observando os pais; o seu semblante permanecia calmo.
            — Ela ainda está viva — respondeu Felipe.
            — Mas que inferno! O que você pensa que está fazendo, Felipe? — gritou Julio, aos prantos. — Você pirou? Ela é a sua mãe!
            — E você é o meu pai — completou Felipe. — Olha, tente não se exaltar... Isso pode impedir que a sua alma parta com exatidão. Você pode ficar preso entre os dois mundos eternamente.
            — Cala a boca, moleque! — Julio se levantou e avançou na direção de Felipe. — Foi você, né? Você matou toda aquela gente... O menino da escola, a sua prima, os seus tios... Por quê, Felipe? Por quê?
            — Porque eu era o Aprendiz da Morte, pai — respondeu Felipe, melancólico. — Eu precisava exercer o meu ofício como um ceifador e enviar almas para a Morte. Agora estou prestes a me tornar o Mestre da Morte!
            — Você precisa de ajuda, meu filho! — sugeriu Julio. — Vamos! Antes que aconteça o pior... Deixe a gente te ajudar.
            — E quem disse que eu quero ajuda? — Felipe se aproximou dos pais. — Olha, vamos acabar logo com isso tudo. A alma de vocês anseia pela libertação!
            Marta acordou e gritou de dor. Julio tentou ajuda-la, mas não havia muito o que fazer ali.
            — Pronto. Vocês partirão juntos, como um casal — alegou Felipe. — Adeus!
            Então, o menino ergueu a lâmina e, num movimento rápido, passou a gadanha pelos pescoços de Julio e de Marta; as suas cabeças caíram e rolaram por alguns centímetros até pararem como se encarassem Felipe pela última vez.
            Em seguida, a tela do ultrabook piscou. Felipe se encurvou sobre a cama e ficou boquiaberto com o que viu: o programa Messorem não estava mais na tela do aparelho; fazendo uma busca rápida pelo sistema, era como se o programa nunca tivesse existido na máquina.
            Alguns minutos depois, antes que pudesse se recompor, limpar toda aquela bagunça e pensar numa saída para aquela situação, o quarto se iluminou com as luzes e se encheu com o barulho de sirenes policiais. Não demorou muito para que o seu quarto estivesse cheio de policiais:
            — Mãos ao alto! — berrou um agente. — Eu repito: mãos ao alto!

domingo, 16 de agosto de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 5)


Capítulo 5 – Sufoco

            Pouco tempo depois, Felipe estava dentro daquele cômodo com o homem desconhecido. Eles admiravam a gadanha; Felipe estava vestindo a túnica preta.
            — Você está ótimo — o homem se virou para Felipe antes de elogiá-lo. — Mas não pode demorar muito. As tarefas precisam ser cumpridas ao seu tempo.
            — O que acontece se eu não cumpri-las no tempo certo? — questionou Felipe, curioso.
            — Não se pode ceifar a vida de alguém fora do tempo exato — avisou o homem. — Caso contrário, você coloca tudo a perder.
            — Como assim? — o garoto não compreendeu.
            — Felipe, não interessa. Nunca atrase uma tarefa... — suplicou o homem. — De forma alguma!
            — Tudo bem — concordou Felipe. — Tudo bem. O que faremos agora? A Luciana saiu com o namoradinho dela.
            — Telefone para ela — sugeriu o homem. — Diga que precisa muito conversar com ela. Invente alguma coisa. Ou não invente nada.
            — Posso ficar aqui? — perguntou Felipe. — Tem algum problema se eu cumprir a tarefa aqui mesmo?
            — Nenhum. Mas eu preciso ir, então — disse o homem. — Tome cuidado com o que fará. Não deixe brechas.
            Assim, o homem desconhecido foi embora.
            Felipe, em seguida, pegou o seu celular no bolso da calça (sob a túnica) e discou o número da prima:
            — Alô? — disse Felipe. — Lu? Tudo bem?
            — Oi, Fê — respondia Luciana, ao outro lado da linha. — O quê foi?
            — Preciso muito falar com você — respondeu Felipe. — Pode vir-me encontrar?
            — O que aconteceu? Onde você está? — interrogou Luciana.
            — Estou na Av. Nova Cantareira, 5.972 — contou Felipe. — Não dá pra enxergar o número... É um casarão que fica a uma mansão. O muro daqui é todo pichado. Uns moleques da escola me trouxeram pra cá e não tenho dinheiro pra ir embora.
            — Meu Deus! Que longe! — Luciana ficou um pouco surpresa. — Estou indo... Vou chamar o Otávio pra ir comigo; estou de carro.
            — Não! — gritou Felipe, imediatamente. — O Otávio, não.
            — ‘Tá, Fê... Estou indo! — Luciana desligou o telefone.

            Vinte minutos se passaram e o telefone de Felipe tocou:
            — Alô? Lu? — Felipe ajeitava a túnica preta enquanto falava ao celular.
            — Cheguei. Onde você está? — perguntou Luciana.
            — Estou aqui dentro — respondeu Felipe. — Machuquei a minha perna e encontrei um sofá aqui dentro. Pode vir-me ajudar a sair?
            — Ok — Luciana soltou um suspiro incomodado. — Estou indo.
            Quando Luciana passou pelo muro rebocado, ficou assustada com o estado do casarão: os escombros se espalhavam por todo o quintal, não havia portas nem janelas – tudo estava num estado deplorável.
            — Fê? — Luciana chamava pelo primo enquanto caminhava no corredor do quintal rumo à entrada do casarão. — Estou entrando!
            Felipe não respondeu. Ele aguardava ansiosamente pela prima no quarto secreto; sua gadanha estava reluzente sobre a mesa.
            — Fê? — Luciana chamou outra vez.
            — Aqui! — a porta do quarto misterioso foi aberta e Luciana lançou o olhar na direção da voz.
            Mas não havia ninguém na porta. A moça decidiu entrar para ajudar o primo.
            Quando entrou no quarto, a porta foi fechada logo em seguida. Virando-se abruptamente, Luciana deu de cara com o seu primo – vestido em trajes esquisitos e em pé ao lado da porta.
            — Felipe? — a jovem estranhou. — Isso é algum tipo de piada?
            — Piada? — Felipe sorriu. Seus olhos reluziam um vermelho vivo. — Não... Não se trata de piada, Lu. É coisa séria.
            — Vai a uma festa à fantasia? — brincou Luciana. — Para de graça e tira essa roupa!
            — Não, Lu — Felipe continuou sério. — Eu quero que você me desculpe, mas não posso prolongar isto.
            — Desculpar? Por? — a jovem continuou sem entender nada.
            De repente, Felipe esticou o braço direito e deu um safanão na cabeça da prima, que caiu desmaiada. Depois, o menino arrastou, com dificuldade, o corpo de Luciana até o canto da sala e amarrou os seus braços com uma corda velha.

            — Mas o que é isso? — Luciana acordou em desespero. — Felipe, o que está acontecendo aqui? Que brincadeira de mau gosto é esta?
            — Não é brincadeira, caramba! — vociferou o menino. — Já falei. Isso é coisa séria.
            — Que lugar é este? O que está fazendo sozinho aqui? — a prima o interrogou. — Você não está machucado, né? Foi tudo uma armação! Pra quê tudo isso? Pra quê essa roupa?
            — Nossa! Que merda! — reclamou Felipe. — Cala a boca! Eu devia ter amordaçado você.
            — O que você está fazendo? Isso é por causa do Otávio? — perguntou a jovem, deixando o medo transparecer.
            — Otávio, Otávio... Chega! — pediu o menino enquanto pegava a sua gadanha. — Será que você não consegue ficar quieta?
            — O que vai fazer com essa foice? — Luciana ficou agoniada e começou a chorar. — Socorro!
            — Cala a boca! — Felipe colocou as mãos sobre a boca da prima. — Isto não é uma foice... É uma gadanha! E vou mostrar o que farei com ela.
            Luciana chorava; tentava gritar, mas o som era abafado pelas mãos de Felipe. O menino impulsionava o seu corpo contra a prima, deixando-a fraca e facilmente dominável.
            Enquanto tampava a boca de Luciana com a mão esquerda, Felipe erguia a gadanha com a sua mão direita. A lâmina brilhava enquanto refletia a luz do sol.
            Por um descuido, no momento em que fincou a gadanha no coração de Luciana, a jovem mordeu a mão de Felipe e deu um grito:
            — Socorro! — o pedido de ajuda ecoou por todo o imóvel de uma forma assombrosa.
            — Sua vaca! — Felipe forçou a lâmina dentro do peito de Luciana e continuou rasgando tudo por dentro.
            Quando a prima já estava morta e totalmente esfolada na região peitoral, Felipe largou a gadanha sobre a mesa e respirou profundamente – os seus ombros subiram enquanto fez o movimento.
            Felipe começou a desamarrar a prima e a limpar a bagunça quando foi interrompido por um som vindo do interior do casarão:
            — Lu? — era uma voz feminina; esboçava preocupação. — Cadê você? ‘Tá tudo bem aí?
            — Quem é? — perguntou Felipe, modulando a sua voz, imediatamente, para um tom mais doloroso.
            — Você é o primo da Lu? — perguntou a moça; sua voz ficava mais próxima. — Ouvi um grito dela pedindo ajuda... Você está bem?
            — Não... Está doendo muito — mentiu Felipe. Ele queria que fosse verdade; queria sentir a dor pela perda da prima. — Mas ela deve estar procurando algum remédio lá em cima.
            — Onde você está? — a voz se aproximava cada vez mais.
            Num ímpeto, Felipe despiu-se da túnica preta manchada de sangue e ficou vestido com a sua roupa casual, um jeans escuro e uma camisa polo. O menino abriu a porta e saiu pelo corredor, fechando a porta em seguida.
            — Aqui — Felipe respondeu assim que avistou uma jovem ao fim do corredor.
            — Ah! — a jovem correu até chegar perto do garoto. — O que houve? E esse sangue no seu tênis? Machucaram você?
            Felipe arregalou os olhos, surpreso, quando notou que havia respingos de sangue no seu tênis.
            — Uns moleques me trouxeram pra cá... — explicou o menino. — Mas, diz uma coisa... Quem é você?
            — Sou amiga da sua prima — respondeu a moça. — Ela pediu para eu vir junto já que você não queria o Otávio aqui. Meu nome é Gabriele!
            — Gabriele? — Felipe achou ter visto aquele nome em algum lugar. — Acho que já ouvi a Lu falando de você... Gabriele Fontana, certo?
            — Isso! — confirmou a jovem, sorrindo. — Vamos, eu te ajudo chegar até o carro.
            — Ok — mas Felipe não iria até o carro. Ele sabia quem era aquela menina e sabia, também, que a hora dela havia chegado. — Só preciso buscar a minha mochila lá dentro.
            — Eu vou buscar — Gabriele ofereceu ajuda. — Espere aí.
            Assim, Gabriele segue rumo à porta pela qual Felipe havia saído segundos antes. Quando abriu a porta, a menina ficou espantada e arremessou um olhar desamparado para Felipe.
            Instintivamente, Felipe correu até o quarto e empurrou Gabriele para dentro. A porta se fechou atrás dos dois, deixando vazar, apenas, o som abafado dos gritos da moça.

domingo, 2 de agosto de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 4)


Capítulo 4 – Refúgio
            — Então você está namorando... — questionou Felipe ao saber que a prima estava “enrolada” com um amigo da escola. — O Otávio é o menino mais idiota da escola, Lu!
            — Ai, Fê, não fala assim! — Luciana sorria enquanto conversava. A menina tinha 17 anos e já estava no último ano do ensino médio. — O Otávio é um dos meninos mais bonitos da escola.
            — Sério? — Felipe virou os olhos em desaprovação. — Mas a vida é sua, né?
            — E por que a visita inesperada? — questionou Luciana, desconfiando da visita do primo — Está cabulando aula hoje?
            — É. E você também — riu Felipe. — Eu não estava afim de aguentar aqueles professores hoje. O Zé me deu nota baixa na prova de Literatura.
            — Sério? Nossa... Nunca fiquei com nota vermelha na matéria dele — comentou a garota. — Acho que ele “passava um pano” pra mim.
            — Ele é um filho da puta! — reclamou o menino, franzindo o cenho.
            — O meu pai comprou um ultrabook pra mim — disse Luciana. — Mas não faço ideia de como usar isso... ‘Tá cheio de programas estranhos que nunca vi na vida.
            — Sério? Ganhei um dos meus pais no meu aniversário — contou Felipe.
            — Ai, Fê... Desculpe por não ter ido à sua festa — pediu Luciana. — Eu saí com o Otávio; fomos ao shopping ver aquele filme novo.
            — Tudo bem — disse Felipe. Mas não estava tudo bem; Luciana, além de prima, era a sua melhor amiga. Não vê-la em sua festa causou-lhe uma grande tristeza momentânea. — Mas, como eu dizia, eu tenho um ultrabook também; se quiser, posso ajudar você.
            — Vou pegar, então — Luciana saiu do quarto para buscar o aparelho na sala. Quando voltou, ligou o ultrabook numa tomada e entregou-o no colo do primo. — Pode ligar...
            Felipe ligou o aparelho e deu uma breve olhada na área de trabalho: programas de edição de imagens, vídeos e textos, navegadores para a internet, comunicadores instantâneos e, para a surpresa do menino, o Messorem.
            — Que porra é essa? — Felipe sentiu um arrepio na espinha.
            — O quê? — perguntou Luciana, sem entender o que o primo quis dizer com aquela indagação.
            — Como conseguiu esse programa? — o menino apontou na tela o ícone em forma duma gadanha.
            — Não sei... Acho que veio instalado — comentou a garota. — Por quê?
            — Nada — Felipe preferiu não comentar nem abrir o programa enquanto estava ao lado da prima. — É que é um programa pago que serve para piratear outros programas.
            — Ah... — Luciana fingiu que entendeu enquanto pegava algumas roupas no guarda-roupa. — Vou tomar banho. Você me espera? Daí você me explica algumas coisas... Preciso configurar esse computador.
            — Tudo bem — concordou Felipe.
            Logo que Luciana saiu para o banho, Felipe clicou no ícone do Messorem para abrir o programa.
            Quando o programa abriu, a interface exibiu a mesma coisa que o computador de Felipe exibia – uma guia denominada Nomina. O menino clicou pensando que, talvez, haveria outros nomes ali.
            Será que Luciana também era aprendiz?
            Mas a raiva de Felipe veio à tona quando a listagem de nomes surgiu na tela:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz

            Porém, desta vez, o nome de Luciana estava em negrito. Foi só aí que Felipe se deu conta de que a Luciana da listagem era a sua prima. Mas ele ainda não entendia como a mesma listagem do seu ultrabook aparecia ali, no computador de sua prima.
            Quando ouviu alguém se aproximar no corredor, Felipe fechou o programa e abriu uma página da internet para disfarçar.
            — Voltei — disse Luciana, com uma toalha enrolada no cabelo. — Conseguiu alguma coisa?
            — Ah... Está faltando alguma atualização no seu sistema — mentiu Felipe. — Posso levar o seu ultrabook e atualizar?
            Por um breve segundo, Felipe percebeu como mentira sem ter planejado e aquilo saiu muito bem.
            — Tudo bem — concordou Luciana. — Vou ter que sair mesmo; o Otávio me ligou agora. Ele quer me encontrar.
            — O Otávio? — o menino ficou enciumado; não sentia amor pela prima, mas não gostava quando ela o trocava por alguém (ainda mais quando esse alguém era o Otávio!). — Eu estou avisando... Você vai-se arrepender de “dar bola” para esse moleque.
            — Ele não é um moleque — corrigiu Luciana. — Você é; tem só 15 anos!
            A garota riu e abraçou o menino.
            — Não fique com ciúmes... — pediu Luciana. — Um dia, você vai gostar do Otávio e vai perceber o quanto ele é legal!
            — Acho melhor não — garantiu Felipe, com uma cara séria. — Então, vou nessa. Trago o seu computador até o fim da semana; prometo.
            — Sem problemas; não estou usando ele — respondeu Luciana, mal prestando atenção no primo.
            Sem querer insistir ou demonstrar raiva pela atitude da prima, Felipe pegou a sua mochila e foi embora.
            Quando virou a esquina, Felipe notou que estava sendo seguido. Entortou o pescoço e olhou para trás; era o sedan preto outra vez.
            — Mas que droga! — o menino correu até o carro e deu um soco na janela do motorista.
            — Você está louco, moleque? — questionou um homem quando a janela do carro se abriu. Não era o homem desconhecido; aliás, era um desconhecido, mas não aquele pelo qual Felipe esperava.
            No banco de trás do carro, havia uma menininha choramingando assustada.
            — Ah, vai se ferrar! — Felipe virou as costas e saiu andando.

            Mais tarde, enquanto jogava um jogo no seu computador, Felipe parou para olhar a rua pela janela do seu quarto. E ele já imaginava quem estaria ali, à sua espera: o homem misterioso com o seu sedan preto.
            Felipe desceu o mais depressa que pôde (praticamente, saltou pelas escadas do primeiro andar para o térreo); abriu a porta da sala com grosseria e correu em passos pesados até o carro estacionado do outro lado da rua:
            — Por que você não me deixa em paz? — questionou Felipe. Por mais angustiado que se sentisse, não havia tensão no seu olhar.
            — Calma, rapaz — pediu o homem, enquanto saía do carro. — Você ainda não aceitou o seu destino. Aceite-o e você se verá livre de qualquer sofrimento.
            — Sofrimento? — indagou Felipe. — Acha que estou sofrendo pelo que fiz com o Eduardo? Fiquei sabendo que encontraram o corpo dele e que desconfiam de assalto à mão-armada. Não tenho nada a ver com isso.
            — Muito pelo contrário — comentou o homem. — Você tem tudo a ver com isso; e é disso que você precisa ter orgulho. Você exerceu uma tarefa com muito sucesso, Felipe.
            — Você vendeu aquele computador para a minha prima? — perguntou o menino, curioso.
            — Não... Ainda sou apenas um Ceifador; não um vendedor — brincou o homem. — Aquilo é o seu destino chamando por você. Atenda ao chamado, menino.
            — Atender ao chamado? — questionou Felipe. — Se eu atender a essa merda, você sabe quais serão as minhas últimas tarefas?
            — Todo trabalho tem os seus maiores desafios, garoto — disse o homem, sorridente. — É com os maiores desafios que nos tornamos mestres no nosso trabalho. É sempre assim!
            — A Luciana também está na listagem... Ela é a próxima! — contestou Felipe.
            — Ela será um preparo para os seus desafios finais, Felipe — avisou o homem. — Ultrapasse esse limiar e não haverá mais limites para você!
            — Não é tão fácil como acha — respondeu Felipe.
            — Você esqueceu que eu também sou um Ceifador e que eu já fui um aprendiz? — lembrou o homem, apoiando a sua mão sobre o ombro esquerdo do menino. — Felipe, eu não me tornei um mestre do dia para a noite assim como você não se tornará. Mas, a partir do momento que você parar de pensar e agir, tudo vai ficar mais simples.
            — É... Eu sei — revelou o menino. — Foi assim com o Eduardo. Mas, agora, isso se trata da Luciana; a gente tem um relacionamento.
            — Vocês tinham — corrigiu o homem. — Você, agora, é outra pessoa, Felipe. Você é o Aprendiz da Morte.
            — De qualquer forma, eu deixei passar uma oportunidade — por um instante, aquele pensamento assustou Felipe. — Eu estava até agora com a Luciana e não fiz nada.
            — Garoto, vamos lá... — o homem sacudiu Felipe. — Você quer ou não quer ser um Mestre da Morte?
            — É claro que eu quero! — os olhos do menino brilharam num vermelho-sangue.
            — Mãos à obra, então! — disse o homem. — Entre no carro. Vamos buscar as suas coisas.

            Felipe, então, entrou no carro; o homem o levou embora para o seu refúgio a fim de preparar o garoto para mais uma tarefa; para a ultrapassagem doutro limiar.

sábado, 25 de julho de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 3)



Capítulo 3 – Atualização de dados

            — Onde estamos? — perguntou Felipe assim que desceu do carro em frente a um casarão, aparentemente, abandonado.
            — Eu vivo aqui — respondeu o homem. — Vamos, entre!
            O homem abriu a porta do imóvel e Felipe entrou. Era tudo muito grande lá dentro: um vasto corredor que se estendia até uma porta de aço vermelha e enferrujada; diversas portas posicionadas em ambos os lados do corredor.
            — O que tem naquela porta? — Felipe apontava para a porta vermelha. O seu coração palpitava rapidamente.
            — Você vai saber, pode ir até lá — disse o homem.
            Felipe correu pelo corredor e, quando chegou à porta, parou e ficou observando aquela estrutura de aço; parecia um cofre.
            — Posso abrir? — perguntou Felipe.
            — Primeiro, deve buscar a chave — comentou o homem. — Segunda porta à direita, o taco de madeira que fica no meio do batente é falso; tire-o e você encontrará a chave.
            Em menos de dois minutos, Felipe estava de volta com uma chave enferrujada na mão esquerda:
            — Tome — o menino esticou o braço em direção ao homem, que pegou a chave e a girou na fechadura.
            Enquanto a porta abria, um rangido agudo incomodava os dois, que entravam num cômodo escuro e circular. No centro do cômodo, havia uma escada em espiral que subia uns dez metros. Felipe e o homem subiram pela escada até chegar noutro cômodo escuro.
            — Aqui, tem luz — disse o homem, passando a mão na parede e acendendo uma lamparina. — Seja bem-vindo.
            — O que é isso? — a sala não era muito grande: ao lado direito, uma parede repleta de retratos antigos e sem cor; ao lado esquerdo, uma túnica preta pendurada na parede; e, ao centro, uma mesa de madeira e, sobre ela, uma espécie de livro ao lado duma lâmina que media cerca de trinta centímetros.
            — Aquele é o traje que você deve utilizar sempre que for exercer a sua função — explicou o homem. — Deixará você mais forte, mais seguro. Aquele é o diário sobre o qual falei. E aquela...
            O homem e o menino encararam a lâmina; era comprida, curva e afiada.
            — Aquela será a sua arma — disse o homem, exibindo, novamente, aquele sorriso misterioso cheio de satisfação.
            — Mas eu já matei alguém — comentou Felipe, lembrando-se de Eduardo. — E eu usei uma faca... Não uma foice!
            — Não é uma foice — corrigiu o homem. — É uma gadanha. Muitos acabam cometendo um erro ao dizer que a Morte se utiliza duma foice para levar as suas almas; mas é uma gadanha.
            — ‘Tá. Tudo bem — concordou o menino. — Mas e o Eduardo? Eu larguei o corpo dele lá na casa dele... E se descobrirem?
            — Não descobrirão — garantiu o homem, virando-se para o menino. — Prometo a você: não descobrirão. Agora, precisamos tomar cuidado para as próximas almas.
            — Próximas? — Felipe achou estranho. Eduardo merecia, embora fosse um acidente tudo o que aconteceu; mas ele não faria o mesmo com ninguém mais.
            — Sim — confirmou o homem. — Você, agora, é um Ceifador. Ceifadores existem para isso: levar uma alma dum lugar a outro.
            — Mas... O que eu fiz com o Eduardo? — o menino começou a raciocinar sobre o que fizera.
            — Não, não! Não fique pensando nisso — pediu o homem. — O que está feito, está feito. Você fez o que era preciso... A hora dele havia chegado, assim como chegará a hora de muitos outros. Você ajudou a alma do Eduardo a desligar-se do corpo físico e seguir rumo ao destino dela.
            — Você tem razão. Não fiz nada de mais — concordou Felipe. — A essa hora, o Eduardo deve estar no Inferno.
            — Certamente — concordou o homem, passando a mão sobre os cabelos de Felipe. — Agora, você precisa ir. Fique com a chave e, sempre que precisar, pode vir buscar o seu material de trabalho. Esta sala é sua agora.
            — O que direi aos meus pais? — Felipe se lembrou de que a mãe havia ligado para ele enquanto ele estava na casa de Eduardo.
            — Garoto, você já tem 15 anos — lembrou o homem. — Não precisa ficar dando explicações a ninguém; a vida é assim.
            — Você está certo — os olhos do menino cintilavam. — Obrigado.
            Felipe partiu rumo à sua casa.

            Assim que chegou em casa, por volta das quatro da manhã, Felipe encontrou os pais, na sala, acordados:
            — Onde você estava? — questionou Julio, muito bravo.
            — Meu filho! — Marta abraçou o menino e desabou em prantos.
            — Eu estava passando mal — mentiu Felipe, de imediato. — Não quis acordar vocês, por isso saí.
            — Passando mal? — perguntou Julio. — E porque não atendeu à ligação da sua mãe?
            — Eu atendi, mas a bateria do celular acabou — Felipe retirou o aparelho do bolso e mostrou que estava desligado. — Desculpem. Estou com sono... Posso ir dormir?
            — Claro, meu filho! — Marta deu um beijo na bochecha do filho e o mandou para o quarto.
            — Marta! — Julio encarou a mulher após o filho entrar no quarto. — O que está fazendo? Ele some por horas na madrugada e você deixa ele ir dormir?
            — Julio, ele explicou o que aconteceu — contestou a mulher. — Deixa ele.
            Julio, então, cheio de desconfiança, sobe para o seu quarto e vai deitar com a sua esposa.

            No dia seguinte, após levantar e escovar os dentes, Felipe não desceu para tomar café; debruçou-se na janela do quarto e viu o sedan preto. Dentro do carro, o homem misterioso (o qual ainda não se havia identificado para o menino) lançava um olhar festivo para Felipe. Ele ainda causava-lhe arrepios.
            Felipe deu um breve aceno e fechou as cortinas; pegou o ultrabook sobre a escrivaninha e ligou o aparelho. Na tela e inicialização, uma janela piscava na área de trabalho: “Deseja verificar a atualização de dados do Messorem?”; “Sim”.
            Após clicar na opção, o programa foi aberto diretamente na aba Nomina:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
           
            O nome de Eduardo estava tachado. De alguma forma, o programa identificara a ação de Felipe; sabia que o menino havia acabado com a vida de Eduardo.
            — Mas que merda é essa? — Felipe ficou pasmo quando ligou uma coisa à outra.
            O menino pegou a sua mochila no armário, desceu as escadas correndo e saiu da casa direto para o outro lado da rua, onde estava estacionado o sedan preto.
            — O que você ‘tá fazendo? — o menino, com um olhar de preocupação, perguntou ao homem misterioso. — Que droga toda é essa?
            — Você se refere a quê? — questionou o homem, passivo.
            — Aquele programa... O Messorem! — comentou Felipe. — Os nomes... Eu achava que eram algo qualquer, mas não; eu matei o Dudu e o nome dele apareceu riscado no programa!
            — Você quer montar um palco e contar para todo o bairro que você matou alguém? — o homem fez um alerta ao volume de voz do garoto.
            Felipe não respondeu; apenas lançou um olhar cheio de dúvida.
            — Entre no carro — ordenou o homem. — Agora!
            Sem questionar, o menino entrou e sentou no banco do passageiro. O carro preto, então, começou a andar e dar voltas no bairro.
            — O programa no seu computador funciona para você como o meu diário funcionou para mim — explicou o homem. — É uma espécie de agenda; vai mostrar tudo o que deve fazer.
            — Mas que porra é aquela? — Felipe estava nervoso. — O nome do Eduardo era o primeiro da lista e agora está riscado!
            — Conforme você pratica... — o homem pensou um pouco e preferiu rebuscar as palavras. — Conforme você completa os seus objetivos e adquire as suas conquistas, o programa fará atualizações para você. É por isso que o nome do Eduardo foi tachado; ele foi a sua primeira tarefa concluída com sucesso.
            — Você ‘tá zoando comigo — disse o menino. — Só pode!
            — Não brinco com essas coisas, Felipe — o homem estava sério, mas sereno. — Você é um aprendiz... Vai aprender tudo ao seu tempo.
            — Não quero mais isso! — disse Felipe, quase chorando. — Some da minha vida!
            — Mas... — antes que pudesse concluir, o homem teve de brecar o carro, pois Felipe abriu a porta e saiu sem mesmo preocupar-se com o que aconteceria ao sair com o carro em movimento.
            — Faça um favor a você — Felipe parou e olhou nos olhos do homem enquanto falava. — Desaparece ou eu faço com você o mesmo que fiz com o Eduardo!
            Um olhar penoso foi lançado contra Felipe. O homem demonstrou, ali, o quanto sentia pela decisão precipitada do menino. Imediatamente, o sedan preto deu partida e desapareceu quando fez curva na primeira esquina daquela rua.
            Felipe estava muito assustado. Se tudo o que o homem dissera fosse verdade, e se tudo o que ele havia relacionado fizesse sentido, o fim de tudo aquilo não seria bom. Marta, a sua mãe, estava naquela lista (era a penúltima); e Julio, o seu pai, o seu herói, deveria ser a sua última missão. Ele não queria aquilo para si; matar os próprios pais não fazia sentido algum.
            A única coisa que o menino queria era esquecer tudo o que fizera nos últimos dias; nada melhor que alguém muito amigo para ajudar na tarefa. Naquele dia, Felipe não foi para a escola; mas, naquele dia, Felipe também não voltou para casa. O menino decidiu ir dormir na casa dos tios com a sua prima preferida – Luciana.