Mostrando postagens com marcador Fantasia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Fantasia. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 10 de março de 2016

Série - O Mundo dos Sonhos: Cap.1


1. Enquanto ele ronronava


           Olhe, talvez, quando for ler esta história, você ache que seja uma tremenda bobagem ou que eu esteja muito louco. Mas eu garanto: é sério, aconteceu, e eu não usei drogas para ver essas coisas. O mundo em que eu vivo rompe várias regras e leis universais, então, acredite se quiser!
            O que eu vou contar agora foi algo meio assustador; aconteceu na semana passada, no sábado. Todo sábado eu vou ao shopping comprar alguma coisa e, no último sábado, não foi diferente.
            Quando cheguei ao shopping, peguei o carrinho de compras no estacionamento e corri para a melhor parte: uma rampa bem inclinada que levava ao andar inferior, onde ficava o acesso às lojas. Enquanto eu descia empurrando o carrinho e dando risada, as pessoas me olhavam – ou muito sérias ou fazendo caretas –, mas não liguei muito pra isso.
            Nos corredores iniciais do shopping, há algumas agências bancárias, todas com paredes de vidro medindo cinco metros de altura – a segurança por aqui é muito boa (para quem tem dinheiro!). Cruzei o corredor e o mezanino enquanto diversas pessoas também seguiam na mesma direção ou voltavam de suas compras.
            Quando saí do mezanino, que tinha o piso de vidro também, entrei no corredor das lojas. A primeira loja era a loja de chocolates, uma loja bem famosa, que leva o nome da fruta que é a matéria-prima do chocolate. Para a minha sorte, havia algumas coisas em promoção – os cartazes amarelos quase saltavam nos olhos dos clientes.
            Um homem alto, de cabelo claro, roupas em tons escuros e um pouco sisudo. A mulher, pelo contrário, mostrava-se supergentil e sorridente, com o seu cabelo afro e a sua roupa multicolorida:
            — Bom dia! Em que posso ajuda-lo? — perguntou-me o homem, fingindo um sorriso.
            — Oi — eu respondi, sem graça. — Vou querer aqueles chocolates ali.
            Quando apontei para as barras de chocolate no alto da prateleira, vi duas coisas que me chamaram a atenção, sendo uma delas algo que me arrependo de ter comprado (eu devia ter pegado a outra coisa!): um boneco de pano que tinha a cara de um gato, com uma mancha no olho; e um ovo de páscoa de dois quilos.
            — E aquilo ali — apontei para o boneco felino, curioso. — Quanto fica?
            — Ótima escolha! — a atendente, que havia acabado de dispensar um cliente, veio falar comigo e intrometer-se na venda do parceiro. — É peça única.
            — Ah! — sorri, fingindo gratidão. — Quanto fica?
            — Tudo por R$ 48 — respondeu o homem, ao mesmo tempo em que eu vi o valor digitado no computador.
            Nesse instante, ouvi uma bagunça vinda do corredor do shopping; havia uma gritaria intensa e repleta de xingamentos. Os atendentes da loja em que eu estava ficaram visivelmente perturbados com a situação – eles se olhavam como se quisessem dizer algo um ao outro.
            — Vá! — o homem gritou para mim. Ele apontou a direção, mostrando o fundo da loja, e ordenou que a mulher me seguisse. — Vá com ele. Rápido!
            Não tive tempo de perguntar o que estava acontecendo: a mulher me empurrou para o fundo da loja e saímos por uma portinha que dava acesso a uma rua deserta. Logo atrás, o homem sisudo saiu pela porta e passou a chave no trinco:
            — O que foi isso? — questionei, preocupado.
            — Caramba — reclamou a mulher, chocada com o que via.
            O lugar onde estávamos parecia outro de onde eu havia saído. Quando cheguei ao shopping, o céu estava limpo e ensolarado; mas, agora, o céu estava carregado de nuvens cinzentas e uma névoa gelada pairava sobre tudo. Aliás, não havia um shopping atrás da gente, muito menos a porta pela qual havíamos saído.
            — O que está acontecendo? — insisti, inutilmente.
            — Vamos! — o homem pegou na mão da mulher e desceu a rua, mostrando-me o caminho.
            Enquanto descíamos o quarteirão pela calçada, passamos por uma grande catedral ao nosso lado direito; estava abandonada, pois as portas caíam aos pedaços e os vidros das janelas haviam sido todos quebrados. As paredes do templo religioso estavam pretas, chamuscadas de cinzas – provavelmente, por um incêndio.
            — Filho da puta! — um homem gritava no meio da rua, um pouco mais abaixo. — Eu ando onde eu quiser...
            Ele estava bêbado.
            Como eu percebi isso? Ele cambaleava enquanto andava no meio dos carros; e segurava uma garrafa de cachaça na mão direita. Devia ser algum morador de rua, pois suas roupas estavam sujas e rasgadas.
            Então, deixando-me mais surpreso e assustado, o gato de pano que eu carregava no colo ronronou. Isso mesmo, o gato de pano ronronou.
            Em seguida, o bêbado atacou um dos carros com a sua garrafa e, depois, começou a se jogar em cima dos carros.
            O casal de atendentes me puxou e viramos à direita, cruzando a rua e passando ao lado do bêbado troglodita:
            — Seus putos! — gritou o bêbado enquanto passávamos por ele.
            Apertarmos o passo e continuamos a subir a rua. Neste ponto, a voz do bêbado parecia um murmúrio.
            O homem e a mulher pararam em frente a uma casa de arquitetura antiga, com arcos na varanda. Entramos no pequeno quintal e a porta de madeira se abriu sozinha num ranger amedrontador.
            — O que vão fazer? — perguntei aos dois enquanto observávamos o interior da casa. Logo em frente à porta, uma escadaria levava ao piso superior, onde tudo era muito escuro e impossível de enxergar.
            — Precisamos entrar — disse a mulher. — Não estamos seguros aqui fora.
            Subimos as escadas e a porta se fechou logo atrás. Quando chegamos no piso superior, encontramos um longo corredor – era possível enxergar a sua extensão por conta de uma luz azulada que vinha do fundo.
            Então, uma silhueta surgiu três metros à nossa frente. Forçando a visão, percebi que era uma senhora vestindo uma camisola.
            — Há! — a mulher idosa soltou um grito agoniante e infantil, de tão agudo.
            Quando percebi que eu tinha que correr, o chão desapareceu e caí, junto aos atendentes, num cômodo muito escuro. O cômodo era quadrado, mas não tinha nenhuma saída. Lá em cima, a senhora nos encarava:
            — Que o Terceiro Dilúvio comece! — berrou a velha.
            Por algumas frestas entre os tijolos de pedra nas paredes, começou a cair água e inundar o cômodo.
            — Nós vamos morrer! — eu gritei, muito assustado.
            — Lá! — a mulher apontou para o teto, onde havia um pequeno buraco.
            A água, rapidamente, inundou o quarto e fomos expulsos para o corredor forrado de pedras. Enquanto éramos levados pela correnteza no estreito corredor, enxergamos, sob a água, alguns bichos estranhos refletidos contra a luz azulada e turva.
            Graças àquela luz, pude enxergar uma alavanca que estava no chão do corredor e puxei-a no sentido contrário – eu nem imaginava qual seria o resultado daquilo. Em seguida, a água começou a perder a vazão e foi sugada pelas paredes e pelo chão.
            — Vamos correr antes que ela volte! — eu sugeri. Só aí é que eu percebi que ainda tinha o gato de pano comigo.
            Corremos pelo corredor o mais rápido que pudemos assim que percebemos a mulher atrás de nós.
            Mais um grito ecoou pelas paredes de pedra, tornando o som muito mais estridente.
            Continuamos a correr quando vimos uma porta aberta, exibindo a rua.
            — Jogue isso fora! — o homem apontava para o gato de pano que eu segurava. — Se não, não conseguiremos fugir!
            Olhei mais uma vez para o boneco de pano felino, que ainda ronronava nas minhas mãos como se estivesse vivo. Joguei o bichano no chão e aumentei a minha velocidade enquanto corria.
            O homem e a mulher já haviam conseguido passar pela porta. Olhei mais uma vez para trás e vi que a velha louca corria na minha direção (ou na direção do boneco) e isso me motivou a correr ainda mais. Quando passei pela porta, caí no chão e eu respirava ofegante enquanto os dois tentavam me ajudar.
            Enquanto eu recuperava o meu fôlego, vi a mulher idosa ainda correndo dentro do túnel de pedras rumo à porta que, por sorte, fechou-se de súbito. Logo depois, uma substância branca e leitosa começou a ser jorrada da parede e cobrir toda a porta até formar uma grossa e rígida camada intransponível.
            — Vamos embora — disse o homem, olhando para a mulher e abraçando-a. — Boa sorte, garoto.
            Eles subiram a rua até sumir no horizonte.
            Quando me virei para o sentido contrário, notei que o homem bêbado ainda estava ali no cruzamento das ruas. Porém, ele não estava mais gritando, xingando e batendo nos carros; ele estava caído no asfalto, morto, enquanto os carros passavam sobre ele sem se importarem.
            Eu só consegui respirar aliviado.
            Assim, desci a rua para tentar encontrar o caminho de volta para casa.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Pela toca do Coelho


            No dia 4 de julho de 1865, após três anos sendo enriquecida e aprimorada, foi publicada a história duma menina que encantou o público da Literatura Fantástica: As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol – pseudônimo de Charles Lutwidge Dogson.
            O livro conta a história de Alice, que acaba caindo, literalmente, num mundo fantástico repleto de criaturas antropomórficas, cheio de coisas ilógicas e de características dum sonho. O livro não é só dedicado às crianças, pois foi uma forma que Lewis encontrou para satirizar seus amigos e inimigos, além de ter criado paródias para poemas populares ingleses do século XIX.
            No próximo mês, Alice comemora os seus 150 anos. Para lembrar desse clássico, produzi uma tradução dum trecho do livro, a qual verão a seguir.


CAPÍTULO 1 – Pela toca do coelho

            Alice já dava indícios do seu cansaço por estar sentada naquele banco ao lado da sua irmã sem ter nada para fazer: vez ou outra, ela bisbilhotava o livro que a irmã lia, mas, não havia ilustrações ou diálogos nele.
            — Pra quê serve um livro — pensou Alice — se não tem desenhos e nem conversas?
            Na sua mente, então, ela pensou (o máximo que pôde, já que o dia abafado a deixou muito sonolenta e entorpecida) se a alegria em confeccionar uma pulseira de flores compensaria o problema em ter de levantar-se para colher as tais flores. Daí, de repente, um Coelho Branco com olhos rosados correu muito próximo a ela.
            Não havia nada de tão extraordinário naquilo; e Alice não achou muito incomum ouvir o Coelho falar consigo mesmo:
            — Ó, céus! Poxa! Estou atrasado!
            Depois, quando ela parou para pensar, achou que deveria ter percebido o quão estranho era, mas tudo fora muito natural na hora. Mas, quando o Coelho pegou um relógio no bolso do seu colete, e consultou as horas e, depois, ficou preocupado com a hora, Alice se levantou e, num clarão de ideias, lembrou-se de que nunca havia visto um coelho vestindo um colete com bolsos, e muito menos um relógio para tirar desse bolso. Sem se aguentar de curiosidade, ela correu pela grama atrás do coelho e, com sorte, conseguiu vê-lo saltar dentro duma grande toca de coelho sob a cerca.
            No segundo seguinte, Alice saltou na toca, sem pensar em como conseguiria sair dali depois.
            A toca do coelho era profunda, como um túnel que levava a algum lugar desconhecido, e, de repente, virou um buraco, de modo que Alice nem teve como pensar em parar antes de começar a cair em algo que parecia não ter um fundo.
            Ou aquilo não tinha fundo, ou ela caía muito lentamente, pois ela já havia passado muito tempo olhando ao seu redor para desejar saber o que aconteceria depois daquilo. Primeiro, ela tentou olhar para baixo e descobrir para onde estava caindo, mas estava tudo muito escuro para conseguir enxergar. Depois, ela olhou para os lados do túnel e percebeu que as paredes eram cheias de cristaleiras e estantes de livro. Aqui e ali, havia mapas e quadros pendurados em estacas. Ela pegou uma tigela de uma das estantes enquanto caía – havia uma etiqueta dizendo “Geleia de Laranja” –, mas, para a sua tristeza, estava vazia. Ela não quis largar a tigela por medo de matar alguém, assim, conseguiu guardá-la numa das cristaleiras enquanto caía.
            — Bom... — pensou Alice. — Após cair tanto assim, eu não vou achar ruim se cair das escadas! Em casa, vão me achar muito corajosa! Até porque não falarei nada se eu cair, mesmo se for do telhado de casa! — O que, provavelmente, era verdade.
            Cair, cair e cair. A queda parecia nunca ter um fim!
            — Quantos metros eu já devo ter caído neste tempo? — questionou-se em voz alta. — Já devo estar bem perto do centro da Terra. Vamos ver... Acho que isso seria mais de seis mil metros abaixo da terra. — Como podem ver, Alice não aprendeu muitas coisas desse tipo em suas lições da escola e, pensando bem, aquele não era um momento muito adequado para mostrar os seus conhecimentos, além de não ter ninguém para ouvi-la, mesmo que dizer fosse uma boa prática.
            — Sim! É a distância correta. Mas, aí, fico pensando em qual Latitude ou Longitude estou? — Alice não fazia ideia do que era a Latitude nem a Longitude, mas achava que eram ótimas palavras a serem ditas.
            Logo, ela recomeçou:
            — Será que eu posso cair direto através da Terra? Seria muito engraçado aparecer no meio das pessoas que andam com suas cabeças para baixo. Os Antipáticos, acho que é isso — ela não estava tão triste, agora, por ninguém ouvi-la, pois aquela parecer ser a palavra certa. — Mas tenho que perguntar o nome do país a eles. Com licença, Senhora, aqui é a Nova Zelândia ou a Austrália? — Ela tentava imitar um cumprimento enquanto falava (cumprimentar em queda livre – já pensou nisso?). — Ela vai achar que sou uma garota ignorante por perguntar isso. Não, eu não perguntarei. Talvez eu possa ver o nome escrito em algum lugar.
            Cair, cair e cair. Não havia mais nada a fazer, então Alice voltou a falar:
            — Acho que a Diná vai ficar com muita saudade de mim! — Diná era a gata de estimação. — Tomara que eles se lembrem de dar o leite dela na hora do café. Diná, minha querida, queria que estivesse aqui embaixo comigo! Acredito que não há ratos no ar, mas você poderia capturar um morcego, e isso se parece muito com um ratinho, né? Mas será que gatos comem morcegos?
            E, então, Alice começou a ficar mais sonolenta e continuou falando sozinha de uma maneira sonhadora:
            — Gatos comem morcegos? Morcegos comem gatos? — ela alternava.
            Como podem ver, ela não conseguia responder nenhuma das perguntas e, por isso, não importava a ordem. A menina sentiu que estava cochilando e começou a sonhar que caminhava de mãos dadas com Diná, falando com a gata seriamente:
            — Então, Diná, fale a verdade... Você já comeu um morcego? — de repente, houve um baque e Alice caiu sobre um monte de galhos e folhas secas. A queda havia chegado ao fim.
            Alice não havia se machucado nem um pouco; então, em segundos, ela pôs-se de pé. Ela olhou para cima, mas estava tudo muito escuro; atrás dela havia outro grande túnel e o Coelho Branco passava por ali, todo apressado.
            Não havia tempo a perder, e Alice, parecendo uma ventania, correu atrás do animal a tempo de ouvi-lo falar, assim que ele havia feito uma curva:
            — Ah! Pelas minhas orelhas e pelos meus bigodes! Está ficando tarde!
            Ela estava bem atrás deles quando fez a curva, mas o Coelho já havia desaparecido. Alice se viu num cômodo com o teto baixo e que se estendia vastamente, todo iluminado por uma fileira de lâmpadas que pendiam do teto.
            Havia portas por todo o cômodo, mas elas estavam todas trancadas. Depois de ter percorrido todo o cômodo por um lado e ter voltado pelo outro lado, tentando abrir porta por porta, Alice caminhou com desânimo para o centro da sala, pensando em como ela sairia dali.
            De repente, ela encontrou uma mesinha de três pés, toda feita em vidro; não havia nada sobre o móvel, exceto por uma minúscula chave dourada, e o primeiro pensamento de Alice foi que a chave poderia abrir uma daquelas portas. Mas (para a sua infelicidade!), ou as fechaduras eram grandes demais, ou a chave era pequena demais; mas, de qualquer forma, não seria possível abrir nenhuma das portas.
            Entretanto, na segunda tentativa, Alice encontrou uma cortina que, antes, não havia percebido; e, atrás dela, havia uma portinha que media cerca de 40 centímetros. Ela tentou colocar a pequena chave na fechadura e, para a sua sorte, coube perfeitamente!
            Alice abriu a porta e descobriu que ela levava a um pequeno túnel – não muito maior do que uma toca de ratos. Ela se ajoelhou e olhou através do túnel, enxergando o mais lindo jardim que já havia visto. Ela estava “doida” para sair daquela sala sombria e passear por entre aqueles canteiros de flores luminosas e aquelas fontes de água fresca; mas ela mal podia passar a sua cabeça pela porta.
            — E, mesmo se a minha cabeça coubesse — pensou Alice —, não teria muita serventia sem os meus ombros. Ah! Como eu queria poder ser dobrável como um telescópio! Eu acho, até, que eu poderia se, ao menos, soubesse por onde começar.
            Vejam, como tantas esquisitices aconteceram ultimamente, Alice começava a achar que algumas coisas, aliás, era verdadeiramente impossíveis.
            Não havia porque esperar ao lado da portinha; então, Alice voltou em direção à mesa, esperando, talvez, encontrar outra chave sobre o móvel, ou, também, um manual para dobrar pessoas como telescópios. Foi, aí, que ela encontrou uma garrafinha sobre a mesa:
            — Isso, sem dúvida, não estava aqui — comentou Alice.
            Em volta do gargalo, havia uma etiqueta de papel com as palavras “BEBA-ME” gravadas, de forma graciosa, em letras grandes.
            Tudo bem em dizer “BEBA-ME”, mas a pequenina e sabida Alice não faria aquilo tão depressa.
            — Não... Vou dar uma olhada antes — ela disse — e ver se está ou não marcado “veneno”.
            A menina já havia lido muitas lindas historinhas sobre crianças queimadas e comidas por criaturas selvagens, além de outras coisas desagradáveis, tudo porque não se lembraram das regras simples que os seus amigos haviam-lhes ensinado. Por exemplo: um ferro em brasa pode queimar você caso não o afaste o suficiente; ou, se você fizer um corte bem profundo no dedo com uma faca, vai sangrar. E Alice jamais se esquecera daquilo: se você beber de uma garrafa em que está escrito “veneno”, é quase certeza de que você sofrerá as consequências, mais cedo ou mais tarde.
            Contudo, a garrafa não continha nenhuma marcação de “veneno”; assim, Alice não hesitou em beber, e achou o conteúdo muito bom – na verdade, era um gosto misturado de torta de cereja, musse, abacaxi, peru assado, caramelo e torrada com manteiga derretida; era tão bom, que ela acabou com o líquido rapidinho.
* * * *
* * *
* * * *
            — Que coisa esquisita! — disse Alice. — Devo estar-me dobrando igual a um telescópio.
            E aquilo não era imaginação; de fato, ela ficara com cerca de 25 centímetros de altura. A feição de Alice se alegrou assim que ela se lembrou de que tinha o tamanho exato para passar pela porta e entrar naquele adorável jardim.
            Antes, contudo, ela esperou por alguns minutos para ver se ainda encolheria mais; ela ficou um pouco assustada com isso.
            — Isso bem pode acabar — comentou Alice, sozinha. — comigo desaparecendo como uma vela. Como eu ficaria? — Ela tentou imaginar como se parece a chama duma vela após apagar-se, mas ela não conseguiu lembrar-se de algo do tipo.
            Após aguardar um tempo e descobrindo que nada mais aconteceria, ela decidiu ir para o jardim de uma vez por todas; mas, para o seu azar, ela percebeu que havia esquecido a chave dourada assim que cruzou a porta e, então, voltou para buscá-la; foi só aí que ela se deu conta de que não alcançava o topo da mesa – ela podia ver o objeto através do vidro e tentou dar o melhor de si para escalar uma das pernas da mesa, mas a superfície era muito escorregadia. Depois de muitas tentativas inúteis e de ser vencida pelo cansaço, a pequenina Alice se sentou e começou a chorar.
            — Ei! Não tem porque chorar assim! — a menina fez um alerta a si própria de uma maneira ríspida. — É melhor parar agora mesmo! — Geralmente, ela sempre se alertava muito bem – embora ela, raramente, seguisse os próprios conselhos. Às vezes, ela se repreendia dum modo tão severo que provocava choro em si própria; uma vez, ela tentara boxear as próprias orelhas por ter trapaceado num jogo de críquete em que jogava sozinha (essa curiosa menina adorava fingir ser duas pessoas).
            — Agora não adianta — pensou a pobre Alice — querer ser duas pessoas! Isso, porque já está difícil o bastante ser uma pessoa digna de respeito!
            Alguns segundos depois, o seu olhar chegou a uma pequena caixa de vidro que estava sob a mesa; Alice abriu a caixa e encontrou um bolo em miniatura, no qual estava escrito “COMA-ME” em lindas letras feitas com groselha.
            — Bom, vou comer — decidiu Alice — e, se isso me fizer crescer, poderei pegar a chave; agora, se isso me fizer diminuir, poderei rastejar sob a porta e chegarei, de qualquer forma, no jardim, não importa o que aconteça.
            A menina mordiscou um pedaço.
            — E aí? E aí? — perguntava a menina, freneticamente, segurando sua mão em cima da cabeça para sentir se estava crescendo; mas ela ficou bem surpresa ao ver que continuava do mesmo tamanho (para ser exato, isso costuma acontecer quando se come bolo, mas Alice já estava acostumada a não esperar nada além de esquisitices acontecendo – porque, parecer normal, parecia-lhe chato!).
            Então, Alice decidiu agir e acabou com o bolo duma vez por todas.


Fonte: https://www.gutenberg.org/files/11/11-h/11-h.htm

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Conto: Mais bela do que eu? - FINAL

O conto a seguir é uma adaptação que fiz para o conto "Branca de Neve e os Sete Anões".

Beatriz é uma jovem de dezoito anos que perdeu o pai recentemente. Com isso, a Kingdom - grande empresa do ramo de segurança - foi deixada para ela e sua madrasta, Milena di Aba. Milena é uma modelo conhecida internacionalmente por sua beleza exuberante, mas está prestes a travar um embate com sua enteada, que está ganhando o título de mulher mais bela do mundo.

Leia a Parte 1, a Parte 2, a Parte 3 e a Parte 4 da história.


            Os sete irmãos estavam alegres na volta para casa: cantarolavam em coro na rua. Ao chegar na porta de casa, notaram a porta entreaberta e logo correram para dentro, onde se depararam com o pior.
            — Não! — gritou Carlos, com certo ar dramático.
            — Beatriz! — Geraldo logo correu e segurou o pulso da menina.
            Em seguida, o mais velho dos irmãos começou a pressionar o peito da menina com as duas mãos, como uma massagem cardíaca. Ele estava desesperado.
            — Vou chamar um médico! — disse Danilo, em meio a espirros.
            — Emerson, André e Carlos, ajudem-me a colocá-la no sofá — pediu Geraldo.
            Com muita dificuldade, os quatro anões conseguiram levar o corpo de Beatriz até o sofá. Enquanto isso, Breno trazia um copo de água, inesperadamente.
            — Breno, o que é isso? — perguntou Felipe, encostado no outro sofá, caindo de sono.
            Breno fez um gesto, indicando Beatriz.
            — Ela está morta, sua besta! — resmungou Emerson, muito bravo.
            Breno fez uma cara triste e afundou o rosto em suas mãos, chorando.
            — Acalme-se, moço — implorou André, tentando manter o ânimo dos irmãos. — Não podemos fazer mais nada!
            — Droga! — gritou Emerson. — Quem fez isso a ela?
            — Será que foi um ladrão? — Carlos fechou as cortinas. — É melhor chamar a polícia, também!
            — Não! Não foi um ladrão — disse Geraldo. O homem vinha da cozinha com uma forma na mão; era a torta de maçã feita por Faustina. — A menina foi encontrada no chão da cozinha. Esta torta estava em cima da mesa, e têm dois pratos lá; um vazio e um com um pedaço de torta mastigada.
            — Ela foi envene... — disse Danilo, antes de espirrar. — Nada!
            — A madrasta dela! — concluiu Emerson. — Ora... Se eu pegar aquela mulher!
            — Não... — interveio Geraldo. — Não podemos mais fazer nada! Infelizmente, ela está morta... Se formos atrás da madrasta da Beatriz, poderemos sofrer as consequências.
            — Não ligo pra isso, Geraldo! — contestou Emerson. — Vamos logo!
            Então, o som de sirene surgiu e ficou ensurdecedor no momento. Geraldo correu para fora e recebeu a equipe médica: um jovem médico e o motorista.
            — O que houve aqui, senhores? — questionou o médico.
            — Doutor, ela foi envenenada! — contou Emerson.
            Geraldo o fulminou com o olhar. Agora teriam que contar sobre a madrasta da menina.
            — Envenenada? Isso é coisa séria! — disse o médico, enquanto examinava a jovem. — Fábio, ajude-me a colocá-la na maca.
            O motorista e o médico remanejaram a jovem e correram com ela para a ambulância.
            — Ei, doutor! — chamou Geraldo. — Para onde vão levar a moça?
            — Para o hospital, oras! — respondeu o médico. — Quem de vocês irá acompanhá-la?
            — Todos nós, doutor — respondeu Emerson.
            Antes que o médico e o motorista pudessem reclamar ou contestar, os sete irmãos entraram e se arrumaram na ambulância. O carro deu partida e correu para o hospital mais próximo.
            Já no hospital, as pessoas se assustaram quando sete anões saíram de uma ambulância ao lado do motorista, do médico e de uma menina desfalecida na maca.
            — UTI! — gritou o médico para a equipe do hospital.
            As portas, então, fecharam-se diante dos sete homens. Apenas o médico e o restante da equipe puderam entrar na área restrita junto ao corpo de Beatriz.
            — E agora? — perguntou Emerson, impaciente.
            — Esperaremos — respondeu Geraldo, sentando-se num banco.
            Cerca de três horas depois, e mais de cem voltas dentro da sala de espera, os anões avistaram o médico passar pela porta:
            — Doutor! — gritou Geraldo.
            — E a Beatriz? — perguntou Danilo, segurando o espirro.
            — Quem são vocês? — perguntou o médico. — Aquela moça é Beatriz Nevada, não é?
            — É ela mesma, doutor — confirmou Geraldo. — Ela apareceu na nossa casa ontem, pedindo ajuda. Deixamos ela ficar... A menina parece ser muito boazinha!
            — E é... — comentou o médico.
            — Hein? — estranhou Emerson.
            — Eu a reconheci — disse o médico. — Estudamos juntos no ensino médio. Quer dizer... Eu estava à frente dela. Mas ficamos amigos. O pai dela faleceu recentemente... Tentei voltar a falar com ela, mas não consegui. Quem a envenenou? Precisamos chamar a polícia.
            — Doutor, não foi a gente — comentou Carlos. — Não queremos problemas.
            — Ela está fugindo de alguém... — revelou Emerson. — E acho que esse alguém descobriu onde ela estava se escondendo e invadiu a nossa casa enquanto estávamos trabalhando. Foi a madrasta dela!
            — Milena di Aba — concluiu o médico. — Como? Ela não colocaria sua carreira em risco...
            — Acredite no que quiser — ameaçou Emerson. — Podemos ver a menina logo?
            — Claro que não! — respondeu. — Olhem... Ela está na UTI. Está em estado grave.
            — Então está viva? — questionou André, sorrindo.
            — Por enquanto — disse o médico. — A substância do envenenamento simulou a morte dela; fez com que a frequência cardíaca e respiratória se reduzisse a ponto de não ser percebida. Com isso, o corpo dela esfriou. Tivemos de colocá-la numa câmara.
            — Ela está encaixotada? — questionou Carlos.
            — Não é bem isso... — explicou o médico. — É uma espécie de “caixa” de acrílico que impede organismos nocivos à saúde de entrarem em contato com ela, e também faz a manutenção da temperatura corporal.
            — Doutor Reis, o paciente 101 entrou em choque — anunciou uma voz mecânica. — Favor, dirija-se à UTI.
            — Preciso ir, gente! — disse o médico. — É a Beatriz!
            — O quê? — Geraldo ficou em choque.
            Derrubando a segurança, os sete homens correram atrás do médico. Enquanto o médico vestia uma roupa esquisita para entrar na UTI, os homens ficaram vendo de fora – a sala tinha paredes de vidro, então era possível ver o seu interior sem problema algum.
            O doutor Reis – como havia sido chamado no anúncio – foi até o leito de Beatriz, que era o único daquela UTI, e começou a fazer manobras de ressuscitação.
            Breno, inquieto, começou a bater no vidro. Os outros começaram a chorar. Até mesmo Emerson, o zangado da turma, deixou as lágrimas caírem.
            Reis suava enquanto tentava trazer Beatriz de volta à vida. Ele não desistiria, não podia desistir. Beatriz era o seu primeiro amor; foi quem mais amou durante a adolescência, mas não puderam namorar porque a madrasta da menina dizia que namoros não “davam em nada”. Agora, por obra do destino, ou do acaso, a jovem estava ali, morrendo em suas mãos.
            O médico viu que não tinha saída; era inútil persistir. Percebendo que não havia seguranças ali, ele permitiu que os sete homens entrassem no leito para se despedirem da moça. Geraldo foi o primeiro, deu um beijo na caixa transparente que envolvia Beatriz; Felipe, sonolento, passou a mão no acrílico e suspirou; Danilo segurou o espirro naquele momento, e inspirou profundamente, tentando segurar o choro; Carlos não tinha o que encenar, não ali, então pegou uma flor na entrada da UTI e deixou-a sobre a câmara de acrílico; Breno quase pronunciou um som ao se aproximar da caixa, mas deixou-se levar pelo choro e saiu dali; André deu seu último sorriso à Beatriz, desejando-lhe paz e tranquilidade; Emerson ficou de longe vendo tudo, ele não queria se despedir porque não aceitava aquilo.
            — Rapazes, preciso que esperem lá fora — pediu Reis. — Vou terminar o procedimento para liberar o corpo. Fiquem lá, que eu já vou até vocês.
            Os sete anões saíram da UTI e seguiram rumo à saída do hospital, quando foram pegos pelos seguranças e levados à delegacia.
            Enquanto isso, o médico admirava Beatriz. Aquela pele negra, macia; o cabelo ondulado; ela era linda. Enquanto abria a câmara de acrílico, Reis fitava a jovem. Foi, então, que ele fez o que não devia fazer: beijou a moça. Foi um selinho, mas o médico beijou a paciente – morta.
            Ele chorou em seguida, mas não queria passar a vida sem ter ao menos tocado os lábios da menina que mais tinha amado. Foi aí que as coisas mudaram. De repente, o monitor cardíaco de Beatriz reagiu. Pequenas ondas começaram a cintilar no LED, até formarem uma bela sinfonia cardíaca. O coração da jovem voltou a bater, e ela voltou a respirar.
            — Enfermeira! — gritou o médico. — Enfermeira!
            Uma equipe entrou no local e auxiliaram o médico com o que ele pediu.
            Seis horas depois, já com os sete anões de volta ao hospital – graças ao doutor Reis, que havia ido até a delegacia e esclarecido a situação ao delegado –, o médico seguiu para o quarto em que estava a jovem Beatriz. Por algum milagre, a menina havia voltado da morte e estava melhor do que antes de ter entrado, como se nunca lhe tivesse  acontecido nada.
            — Bom dia! — Reis entrou no quarto.
            — Bom dia, doutor! — respondeu Beatriz. — Onde estou? O que houve?
            — Você está no hospital — contou o médico. — Você foi envenenada, e seus amigos trouxeram você até aqui. Você quase morreu, ou talvez tenha morrido, mas surpreendeu a todos.
            — Eita... — a menina ficou surpresa. — Sério mesmo?
            — Sério — afirmou o médico. — Posso permitir as visitas?
            — Claro! — disse a jovem, sorrindo.
            Assim, o médico abre novamente a porta e, então, os sete irmãos entram no quarto, todos sorridentes.
            — Beatriz! — disseram em coro, correndo e se amontoando em volta da menina.
            — Obrigada, rapazes! — agradeceu a menina. — Ainda não sei exatamente o que houve, mas obrigada!
            — Foi a sua madrasta... — disse Emerson, cansado de guardar as coisas. — Aquela mulher é o diabo! Como consegue envenenar alguém? Mas eu não desisti de você, mesmo quando o seu amiguinho aí já tinha desistido.
            — Amiguinho? — estranhou Beatriz. — Quem?
            — Não me reconheceu, mesmo? — questionou Reis.
            — Ai, meu Deus! — Beatriz teve uma rápida lembrança. — James! Você virou médico?
            — Sim! — o médico não resistiu e abraçou a jovem. — É bom tê-la viva!
            Ele deu um beijo tão forte na bochecha dela, que ela percebeu algo diferente.
            Depois de muita risada e comemoração, os sete anões foram para casa, onde esperariam pela volta de Beatriz, que receberia alta naquela tarde.
            — James... — chamou Beatriz.
            — Sim? — o médico deixou seu caderno de lado e olhou para a jovem.
            — Não lembro muito bem o que houve depois de acordar... — comentou a menina. — Quero dizer, da primeira vez, quando voltei. Eu apenas não consegui abrir os olhos, mas senti e ouvi tudo.
            — Do que está falando? — ele não quis parecer invasivo.
            — Vem aqui... — pediu Beatriz.
            — O que foi? — perguntou o médico, sentado ao lado da menina.
            Então, Beatriz o agarrou e o beijou; não um selinho, mas um longo beijo.
            — Ei! — disse ele, após se recompor. — Calma aí, donzela! O que foi isso?
            — Algo que eu tinha vontade de fazer desde o ensino médio — revelou. — James, eu senti você me beijando quando eu voltei. Foi você!
            — Beatriz, desculpe se não devia... — suplicou ele. — É que eu sempre fui louco por você, mas...
            — Case comigo! — disse a jovem, direta.
            — Como? — estranhou o médico.
            — James, nós convivemos por quatro anos naquela escola... Éramos namorados sem nunca ter-nos beijado — concluiu ela. — A gente sabe que o sentimento um pelo outro é bem maior do que a gente acha. Por que deixar passar mais uma vez?
            — Mas e sua madrasta? — perguntou, preocupado.
            — Vou dar queixa dela na polícia — respondeu Beatriz. — Da mãe dela, também. Provas e testemunhas não faltam!
            — Eu amo você, Beatriz Nevada! — confessou James.
            — Eu amo você, James Reis! — disse a jovem. — Agora, leve-me embora daqui!
            Assim, os dois saíram do hospital.
            Beatriz e James chegaram à casa dos sete anões e contaram a novidade, que deixou todos atônitos pela festa que viria. Depois disso, todos foram à delegacia com as provas e os relatos da tentativa de assassinato de Beatriz pela madrasta. Pouco menos de três meses depois, os dois se casaram e foram morar na mansão que era do pai de Beatriz.
            Milena di Aba e sua mãe, Faustina, foram condenadas à prisão perpétua e foram enviadas ao mesmo presídio, em uma cidade muito quente. A modelo tentava subornar os agentes carcerários, inutilmente, pois esses não ligavam para o que ela tinha a oferecer: a mãe. Victor Vitral é quem visitava a condenada e levava alimento; o homem acabara ficando com a imagem suja por trabalhar para uma assassina. Arthur, o segurança particular da megera, ainda estava desaparecido; ninguém sabia sobre o seu paradeiro.
            — Senhora Milena di Aba, visita! — anunciou o carcereiro, abrindo a cela para que a mulher saísse. — Sem gracinha, certo?
            Milena mostrou um sorriso sem graça ao agente.
            — Vai, entre aí! — o agente empurrou a mulher para dentro de uma sala.
            — Mas que inferno! Não se faz mais homens como antigamente! — resmungou a mulher, enquanto se sentava. — A quem devo a honra de uma visita?
            — Oi, Milena — a voz masculina, do outro lado da mesa, exibiu o seu dono ao virar a cadeira de frente para a modelo. — Há quanto tempo, não é?
            — Você! — disse Milena, quase sem fôlego. — O que faz aqui?
            — Digamos que agora eu quem estou numa posição alta — disse o homem. — E você vai trabalhar para mim.
            — Jamais! — decretou a mulher.
            — Então vai ficar presa aqui até morrer? — questionou. — Vai deixar os seus ossos de lembrança aos futuros carcereiros? Veja, eu já negociei a sua saída. A sua, e a de sua mãe.
            — Ora, ora... — sorriu Milena. — Eu ficarei honrada em trabalhar para você!
            — Então volte para sua cela e arrume suas malas — disse o homem. — Avise sua mãe que ela será minha esposa. Gosto dela.
            — Que mau gosto! — opinou Milena.
            — Não pedi sua opinião — respondeu ele. — É bom você me respeitar, pois será minha afilhada! Serei como um pai para você.
            — Só uma dúvida... — desejou a megera.
            — Ok — concordou ele. — Diga.
            — Por quê? — perguntou ela, curiosa. — Por que isto?
            — Quero ter o prazer de esmagar você, Milena di Aba — contou o homem. — Quero saber como o gato se sente ao pegar o rato. E eu tenho tudo planejado para você, todo o seu futuro. Adotei Mirella, também; ela será sua irmãzinha.
            — Não acredito nisso! — esbravejou a mulher. — Ela é só uma criada!
            — E você também será — prometeu ele. — Mirella é muito mais bela do que você. Você ainda vai sofrer tudo o que fez as pessoas sofrerem, Milena. Até logo!
            — Não! Ninguém é mais bela do que eu! — gritou Milena, vendo o homem ir embora. — Volte aqui! Arthur, volte aqui!

            Mas ele não voltou. Arthur, o antigo segurança particular de Milena, estava de volta, e estava cheio de planos para a sua querida ex-patroa. Milena mal sabia o que esperava por ela.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Conto: Mais bela do que eu? - PARTE 4

O conto a seguir é uma adaptação que fiz para o conto "Branca de Neve e os Sete Anões".

Beatriz é uma jovem de dezoito anos que perdeu o pai recentemente. Com isso, a Kingdom - grande empresa do ramo de segurança - foi deixada para ela e sua madrasta, Milena di Aba. Milena é uma modelo conhecida internacionalmente por sua beleza exuberante, mas está prestes a travar um embate com sua enteada, que está ganhando o título de mulher mais bela do mundo.

Leia a Parte 1, a Parte 2 e a Parte 3 da história.


            Milena estava decidida e não desistiria de seu plano. Ela mataria Beatriz, não importava o preço e a forma. Sua última tentativa acabou não dando certo por conta do grupo de anões que aparecera bem no momento em que ela entraria na casa. Mas a modelo já havia arquitetado outro plano e o colocaria em prática.
            — Mãe? — gritou Milena, assim que entrou na mansão.
            — Sim, o que foi? — Faustina desceu a escadaria em direção à sala. — O que você quer?
            — Você vai me fazer um favor — decretou Milena. — Preciso que você vá até a Beatriz. Eu a encontrei, ela está numa pocilga do subúrbio. Você tem que ir até ela toda suja, mal vestida, como se eu tivesse expulsado você daqui.
            — O que planeja? — perguntou a senhora, desconfiada.
            — A morte dela — respondeu Milena.
            — Minha filha! — Faustina ficou sem palavras. — Não posso fazer isso!
            — Então você vai para fora desta casa de verdade — ameaçou a modelo, impaciente. — Vai ser simples, não vai doer. Preciso que você entre na casa e se ofereça para cozinhar alguma coisa... E, então, você vai envenenar a comida.
            — Milena, por que isso? — questionou a mulher. — Você já não tem tudo o que quer?
            — Vai ou não me ajudar? — pressionou Milena. — Não temos muito tempo. Você precisa chegar lá amanhã, depois das nove, e ir embora antes das cinco da tarde. Mas acho que você consegue adiantar o serviço.
            — Tudo bem... — concordou Faustina.
            No dia seguinte, as duas acordaram bem cedo. Milena arranjou algumas roupas rasgadas e fedidas para a mãe.
            — Onde achou estas roupas? — perguntou Faustina, sentindo-se nauseada.
            — Peguei de um morador de rua — disse Milena. — Vista logo.
            Faustina se vestiu com os trapos.
            — Falta uma coisa... — comentou Milena, pegando uma tigela do chão.
            A megera passou o conteúdo da tigela no rosto e na roupa da mãe. Era água suja, da sarjeta.
            — Por que faz isso comigo? — perguntou Faustina.
            — Porque você me deve — explicou Milena. — Vamos, vou deixar você na esquina da rua onde a Beatriz está.
            Do outro lado da cidade, Beatriz e os sete irmãos tomavam café. Tudo estava bem. Emerson já não estava tão zangado quanto no dia anterior, e já até se acostumara com a ideia de uma hóspede.
            — Minha querida, está na hora de irmos — disse Geraldo. — Precisamos trabalhar.
            — Está cheio de vidro para quebrar naquele lugar — comentou Carlos, encenando o ato de quebrar. — O trabalho na vidraçaria é árduo!
            — Tudo bem... — concordou Beatriz. — Bom trabalho a todos. Farei um belo jantar para esta noite!
            Assim, os anões foram saindo da casa rumo ao trabalho.
            No fim da rua, um carro estava parado. Geraldo reconheceu o carro, era o mesmo do dia anterior. Mas não era possível enxergar o interior do veículo, pois os vidros eram escurecidos. Ao lado de dentro, Milena e Faustina estavam caladas, com a respiração baixa.
            Após os anões irem embora, Milena suspirou.
            — Tome — a modelo entregou uma ampola com um líquido verde para a mãe. — Este é o veneno.
            — O que é isto? — questionou Faustina. — Que substância é esta?
            — Você não precisa saber — disse Milena. — Vá logo! Ficarei esperando aqui.
            — Mas vai demorar até fazer alguma comida... — avisou a mulher.
            — Vá! — insistiu Milena.
            Faustina, então, saiu do carro e caminhou até a casa. A mulher estava horrível: sem maquiagem, o seu rosto era cheio de rugas e sulcos; a roupa toda rasgada e suja; o semblante depressivo. Ela bateu palmas.
            — Oi? — Beatriz apareceu na porta, desconfiada. — Posso... Dona Faustina?
            Beatriz ficou perplexa com o que viu.
            — O que houve com a senhora? — perguntou Beatriz. — Entre, por favor!
            A surpresa da menina foi tanta, que ela nem se deu conta de como a mulher havia-lhe encontrado ali.
            — Minha filha... — murmurou a velha. — A Milena me colocou para fora de casa. Desde ontem! Sem direito a nada!
            — Meu Deus! — clamou a jovem. — Que coisa terrível! Descanse um pouco...
            — Estou com fome... — interveio a senhora. — Será que tem algo para comer?
            — Bem, não tem nada — disse Beatriz. — Posso tentar cozinhar alguma coisa.
            — Não se preocupe — pediu Faustina. — Deixe que eu cozinho... Apenas me mostre as coisas.
            — Tudo bem — concordou Beatriz, pegando algumas coisas nos armários.
            — Maçãs? — Faustina viu as frutas num cesto. — Que tal se eu fizer uma torta de maçã?
            — Nossa! — os olhos de Beatriz brilharam. — Eu amo sua torta de maçã!
            — Então será isso — disse Faustina.
            A velha tomou muito cuidado durante o preparo, para que Beatriz não a visse colocar o veneno no meio da massa da torta.
            Cerca de duas horas e meia depois, a torta estava pronta.
            — Não vejo a hora de matar a minha fome! — comentou Faustina.
            — Então pode comer o primeiro pedaço, dona Faustina — ofereceu a jovem.
            — Não, não! — contestou Faustina. — A torta é sua comida favorita... Então experimente!
            A contragosto, Beatriz cortou um pedaço e logo o comeu, saboreando seu prato predileto.
            — Ficou com um gosto diferente — comentou  a moça. — A senhora usou algo diferente?
            — Não tinha canela — mentiu a velha.
            — Ah! — compreendeu Beatriz.
            — Posso ir ao banheiro, querida? — pediu Faustina. — Quero lavar as mãos antes.
            — Sim, venha, é por aqui — Beatriz apontou a porta do banheiro.
            Dez minutos depois, Faustina saiu do banheiro e encontrou a jovem encostada em uma cadeira da cozinha, um pouco largada.
            — Tudo bem, querida? — perguntou Faustina.
            — Acho que a torta não me caiu bem — respondeu Beatriz. — Não estou me sentindo muito bem. Acho que...
            Então, repentinamente, a menina caiu no chão.
            Faustina correu até ela e pressionou os seus pulsos. Não havia pulsação. A velha encostou a orelha no peito da jovem, tentando sentir a respiração, mas não conseguiu. Sem pensar duas vezes, Faustina correu para fora da casa e seguiu até o carro de Milena, entrando disfarçadamente.
            — E então? — questionou Milena.
            — Está feito — respondeu Faustina. — Ela comeu. Está caída no chão da cozinha.
            — Ótimo! — sorriu a modelo. — Agora, quando aqueles anões voltarem, vão encontrá-la assim e achar que está morta. Ela vai ser enterrada viva!
            — Como? — Faustina arregalou os olhos para a filha.
            — Isso mesmo — Milena pisou no acelerador e deu partida. — A substância que você colocou na comida dela fez a frequência cardíaca e a respiração dela diminuir, de modo que pareça que ela está morta.
            — Não! — gritou Faustina.
            — Fique quieta, mãe! — Milena deu uma cotovelada na mulher, que desmaiou.
            A modelo, então, partiu rumo a sua empresa, Kingdom, o seu império.
            Beatriz ficou lá, no chão gelado daquele sobrado, onde permaneceria até que os sete irmãos retornassem e a encontrassem.

Leia aqui o final da história.