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domingo, 25 de janeiro de 2015

Sampa: muitos parabéns e pouca água!


"Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva"


Globo.com


            25 de janeiro de 2015; aniversário da cidade de São Paulo.
            A sétima cidade mais populosa do planeta completa, hoje, 461 anos de idade. Mas, infelizmente, não há motivo para que seus quase doze milhões de habitantes (segundo estimativas do IBGE em 2014) comemorem a data. Um ano atrás, o nosso Sistema de Abastecimento de Água Cantareira contava com 23,1% de sua capacidade; hoje, com a cota do volume morto, o Sistema está com 23,7% abaixo de zero. Apenas com essas informações já percebemos que não há o que comemorar (ou, ao menos, não se deveria comemorar).
            Mas hoje, enquanto visualizava a minha rede social, vi uma série de postagens alegres pelo aniversário da cidade, pelas coisas boas oferecidas pela cidade, por sua “velha-idade”; é algo quase que encantador o modo como as pessoas estão se referindo à cidade – a mesma cidade que vem passando por uma série de problemas que estão fora do controle das autoridades públicas.
            O descaso com a população vem de todos os lados: saúde (filas de espera que demoram anos, falta de equipamentos necessários, “sumiço” das verbas), transporte (“ciclovias”, trânsito, Metrô com mau funcionamento), saneamento básico, direitos básicos (água, energia), meio ambiente (frequentes quedas de árvores durante a época de chuvas), e por aí vai. Ainda assim, São Paulo ganha de seus habitantes um belo “parabéns” e inúmeros agradecimentos. Tudo bem... Você pode até dizer que a cidade não tem culpa; mas nós temos! Fomos nós quem escolhemos a autoridade que a governa, fomos nós quem escolhemos a autoridade que governa o estado, fomos nós quem escolhemos a autoridade que governa o país. Então, sim, a cidade tem culpa, porque nós somos a cidade.
            Por conta da chuva na noite da última quarta-feira, uma árvore caiu sobre a fiação da Estação Elevatória de Água João 23, responsável pelo abastecimento de Taboão da Serra, Embu, Itapecerica da Serra, Cotia e Jardim Arpoador; isso causou uma “pane” nos equipamentos, o que fez com que a distribuição da água para esses locais fosse interrompida. Porém, os moradores da região (cerca de 1,2 milhão de pessoas) ficaram prejudicados até sexta-feira, quando a distribuição de água voltou ao normal. Tudo por conta de uma árvore que caiu e demorou cerca de doze horas para ser removida.
            Estamos sem saída; não há o que fazer: quando não estamos sem água, estamos sem luz e, geralmente, estamos sem os dois serviços. A gente sabe (ou deveria saber!) que, de fato, a água vai acabar; e isso vai afetar a vida de todos os habitantes da cidade; indústrias mudarão suas localidades; shoppings, escolas e universidades, muito provavelmente, terão de fechar as portas, pois são locais que exigem muito o uso da água. Mas a gente atribui os erros ao governador (quando se atribui) e espera os milagres de Deus (ou de São Pedro); quando deveríamos ter cobrado do governador e não esperar por Deus ou milagres.
            Acredito que boa parte da população esteja comemorando o aniversário da cidade por não ter ideia da crise em que nos encontramos; a população ainda está confortável. Precisamos mudar nossos hábitos urgentemente! Com o calor que estamos enfrentando nos últimos dias, não nos preocupamos se vamos gastar mais água ou não ao correr para comprar piscinas ou tomar diversos banhos demorados no dia; o Carnaval está chegando e vai abafar, mais uma vez (vide a Copa do Mundo, ou as eleições), toda a crise pela qual estamos passando. Há países na Europa em que o uso da água não passa de sessenta litros por pessoa por dia; enquanto, aqui, no Brasil, há locais onde se registra mais de quatrocentos litros por pessoa por dia. Se continuarmos atribuindo a culpa aos governantes e não mudarmos, será tarde demais.
            Assim, povo paulistano, certifique-se de que não há o que comemorar – ao menos, não, por um bom tempo. Talvez, a nossa cidade vire uma cidade fantasma daqui a alguns anos (nada é impossível; afinal, achávamos que nunca passaríamos pela crise a qual estamos enfrentando). A festa oferecida, hoje, à população, nada mais é do que um agrado, um “cale-se porque estou-te dando um dia inteiro de lazer, cultura, água, ener...”; opa! Exceto água, água não!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Opinião: Santa Casa, cadê tua Misericórdia?

Opinião | Júnior Gonçalves
04/12/2014 – 21h33

Comunicado divulgado pela Santa Casa de Misericódia aos funcionários (Foto: G1)

            Após ficar com o seu pronto-socorro fechado por mais de vinte e quatro horas no mês de julho, a Santa Casa de São Paulo chamou a atenção de toda a sociedade e da mídia.
            A instituição filantrópica fechou as portas da emergência em seu hospital central, na Santa Cecília, por falta de dinheiro – não podiam comprar materiais com os fornecedores. Com a explosão da notícia e a crescente indignação da população, o governo do estado liberou uma verba emergencial de R$ 3 milhões – que, segundo ele, seria suficiente para a aquisição de medicamentos e materiais necessários para a instituição se manter por um mês. Em época de eleição, a crise causou grande alvoroço entre os governos federal e estadual, que se acusaram pelo repasse de verba.
            Um relatório divulgado em setembro mostrou que a dívida estava em R$ 433,5 milhões até o mês de dezembro de 2013. Atualmente, o governo do estado repassa, mensalmente, R$ 14 milhões, e o Ministério da Saúde repassa, em acréscimo, R$ 20 milhões.
            Em outubro, houve recusa da instituição em receber pacientes que chegaram de ambulância. Restringiram o atendimento apenas aos pacientes que chegaram à emergência pela porta da frente, o restante (trazidos por ambulâncias), era encaminhado para outros hospitais. E para deixar, também, os funcionários insatisfeitos, houve atraso no pagamento do salário. Ainda, houve relatos da falta de sedativos, de sonda para aspiração de pacientes entubados, falta de leitos etc. Uma equipe de reportagem do iG chegou a ir até o hospital e se passar por paciente para ter acesso ao local, e constatou que os corredores da internação estavam congestionados, cheios de idosos deitados em macas.
            O problema financeiro acabou atrapalhando, também, a realização dos exames. Em novembro, constatou-se a falta de material para fazer exames de sangue. Com isso, a Santa Casa, em sua reestruturação, diariamente avalia quais procedimentos serão suspensos e quais deverão ter prioridade – como se a saúde, em geral, não fosse uma prioridade. Segundo funcionários, faltam kits para análises de urina, e o hospital tem priorizado os exames de emergência e dos pacientes que já estão internados.
            Para completar sua saga e fechar o ano com “chave de ouro”, na última sexta-feira (28/11), a data limite para que os funcionários recebessem a primeira parcela do 13º salário, foi emitido um comunicado pela Santa Casa a todo o corpo de trabalhadores.

Como é de conhecimento de todos, estamos passando por inúmeras dificuldades, as quais serão superadas em breve. Porém, para superarmos as barreiras precisamos do apoio de cada um dos colaboradores [...] a primeira parcela do 13º salário não será creditada [...] realizaremos o pagamento parcial aos colaboradores com remuneração até R$ 3.000,00 [...]

            Os funcionários receberam R$ 300. Trabalharam o ano inteiro, tiveram de trabalhar doentes, sob condições precárias, sem os materiais básicos, tudo isso para, ao fim do ano, receber como a primeira parcela do 13ª salário apenas R$ 300.
            Além da unidade central, a Santa Casa mantém contratos de gestão em unidades de atendimento de saúde com o estado e o município de São Paulo, então há empregados de todo o estado vivenciando esta crise. Segundo Péricles Cristiano Batista, um dos diretores do Sindicato dos Enfermeiros, a Prefeitura honrou com os repasses, enquanto o governo do estado não. Ou seja, apenas os trabalhadores que atuam em unidades que possuem contratos com o governo estadual é que foram afetados pelo não pagamento.
            Há médicos que, em entrevistas nas quais pediram para não serem identificados, disseram que não é a primeira vez que o pagamento atrasa, e que o Sindicato dos Enfermeiros está prejudicando a população com a possibilidade de uma greve. Mas, convenhamos, quando o funcionário se atrasa ou falta, não há atrasos no desconto em sua folha de pagamento.
            O que acontece na Santa Casa de São Paulo é uma falta de respeito com os trabalhadores – as pessoas contam com os seus pagamentos, e não porque é uma “bonificação”, mas porque é seu direito. Ninguém trabalha parceladamente, e ninguém está pedindo algo que não seja seu por direito.

            Santa Casa, que a sua misericórdia, o respeito e o 13º salário compareçam e deem o que é de direito aos seus funcionários.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Opinião: O governo de São Paulo à espera das águas de março

 Opinião | Júnior Gonçalves
30/09/2014 – 12h04

             Acerca de cinquenta dias de cessar o abastecimento de água da Grande São Paulo, segundo as estimativas de Mauro Arce, secretário estadual de Recursos Hídricos de São Paulo, o Sistema Cantareira atinge o menor nível de sua história, com 7% de sua capacidade total. Um dos maiores sistemas de captação e distribuição de água, o Sistema Cantareira é administrado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp – e, desde o início de 2014, conta com uma baixa considerável dos níveis dos reservatórios.
            Uma série de fatores contribuiu para o problema. A culpa recaiu, inicialmente, sobre a falta de chuva, embora esteja explícito que as chuvas recentes mal fizeram cócegas no estado atual dos reservatórios e que seria necessário, no mínimo, um mês de chuvas intensas para causar alguma modificação nessa situação.
            Depois, estudos mostraram que o desmatamento causado nas áreas florestais próximas aos sistemas e na Amazônia contribuiu para a primeira questão – as florestas possuem a importante função de reter a água da atmosfera e contribuem para a manutenção da umidade do ar. Se o ar está seco na região dos reservatórios, há o consequente aumento da evaporação na represa. Esses estudos revelam que até 70% da precipitação em São Paulo depende da água vinda da Floresta Amazônica.
            Há, também, o desperdício da água que sai dos reservatórios e segue rumo às residências e aos comércios. Cerca de 25% da água é “perdida” entre tubulações antigas e conexões clandestinas – os famosos “gatos”. Sem contar os usuários que gastam água sem pensar nas consequências, lavando as calçadas, os carros, lavando as roupas muitas vezes, tomando banhos demorados várias vezes ao dia etc.
            Não se pode deixar de citar a questão da má gestão da Sabesp. A crise atual se deve a um problema de demanda de água.  A Organização das Nações Unidas – ONU – estabelece que uma pessoa consegue se manter suficientemente com 110 litros diários para o seu consumo, alimentação e higiene. Na cidade de São Paulo, o número chega aos 140 litros diários por pessoa. Em algumas outras cidades, esse número alcança os 200 litros diários. A companhia recebeu vários alertas, durante anos, sobre relatórios que apontavam a necessidade de ampliação dos sistemas, principalmente do Sistema Cantareira.
            Em meio à crise, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, decretou racionamento no município de Guarulhos. Algo absurdo, já que o Sistema Cantareira ficou anos sem receber investimentos governamentais, mesmo com os vários relatórios apontando a necessidade. Mesmo avisado por técnicos e especialistas da área, Alckmin não quis impor o racionamento na cidade de São Paulo, optando pela realização de obras no Sistema Cantareira. Foi dessa forma que inaugurou as obras para captação do tão falado Volume Morto. Apesar disso, moradores e comerciantes da periferia de São Paulo já sofrem, desde meados de julho, um racionamento mascarado. O governador prefere chamar isso de “rodízio”, no qual se procura a diminuição do consumo por meio da redução da pressão da água durante a noite.
            Contudo, essa redução não é apenas uma redução, de fato. Muitos moradores das periferias não conseguem utilizar água após oito horas da noite. Não houve nem mesmo o cuidado de alertar aos moradores e comerciantes dessas regiões.
            Em ano eleitoral, é de se imaginar que Alckmin não queira deixar seu eleitorado insatisfeito. Ironicamente, pesquisas mostram que os bairros nobres da capital gastam o dobro de água que os bairros periféricos. A política de bônus na conta de água foi a ação mais “efetiva” que o governador tomou, e isso fez com que toda a população da periferia aderisse à causa. Ainda assim, os números do Sistema Cantareira continuam a cair, e o governador permanece resistente às sugestões de especialistas em aderir, de fato, ao racionamento.
            No início desta semana, o governador chegou a afirmar que o período de seca enfrentado pelo Sistema Cantareira “já passou”, e que, talvez, nem precisemos utilizar o Volume Morto.

            Planejar, quando em gestão pública, é prevenir. E foi o que Alckmin menos fez. O governador atribui a causa única e exclusivamente à falta de chuvas. Esqueceu-se de todos os avisos e alertas sobre necessidade de investimentos para que a Sabesp pudesse construir um sistema de distribuição seguro, adequado. Enxergamos, aqui, a mesma inação que a gestão de Alckmin apresenta na área da saúde, da educação, da segurança e do transporte. Falta transparência, falta sinceridade para com a população e seus próprios eleitores. Permanecer em uma posição, mesmo com tantos alertando o perigo que essa pode trazer, não é cuidar da população. Fazê-lo, é acomodar-se e garantir votos. É causar uma tempestade – apenas figurada, diante de nossa situação – em um copo d’água.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Conto: O Mistério da Fênix - Parte 3


A FUGA

Mandaqui, São Paulo, Brasil. Maio de 2014.

Aquela noite seria longa para Breno. O jovem quase dera de cara com um homem montado em uma mula sem cabeça. Desde que chegara do parque, após o encontro com Régia, havia ficado pensativo, inquieto. Ele olhava pela janela do quarto esperando algum sinal da índia misteriosa, enquanto o seu primo dormia.
            Já era meia-noite, o brilho da lua iluminava o quarto em que estava, e apenas algumas pessoas andavam pela rua. O fundo da casa de seus tios dava para um bosque anexo do Horto Florestal – e Breno não parava de pensar que, mais cedo ou mais tarde, alguém surgiria das árvores. Ele esperava, do fundo do coração, que fosse Régia.
            — O que tá fazendo aí? — era João, o primo de Breno. — Que horas são?
            — Vai dormir! — Breno se virou para o primo e continuou a observar o bosque pela janela.
            — Eu trabalho. Acordo cedo — resmungou João. — Ao contrário de você, que vive às custas dos meus pais.
            — O que quer dizer com isso? — a atenção de Breno voltou-se para o primo.
            — É isso mesmo — confirmou João, abrindo um sorriso amarelo. — Você vive às custas dos meus pais e ainda me impede de descansar em meu quarto.
            — Por que você tá falando isso, cara? — questionou Breno, aproximando-se lentamente do primo.
            — Porque é a verdade — um sorriso antipático surgiu no rosto de João. — Peninha.
            Uma antiga ferida de Breno foi cutucada ali. E foi cutucada com o graveto mais pontudo.
            Breno sentiu uma dor profunda ao relembrar tudo o que passara na infância. E a resposta instantânea de defesa do seu inconsciente foi dar um soco no rosto do primo. Um esguicho de sangue saltou da boca de João, que se levantou da cama e pulou sobre Breno. Os dois começaram uma briga ali, derrubando tudo ao redor. Pouco tempo depois, os tios de Breno entraram pela porta, afoitos.
            — Mas que merda é essa? — Alex, o tio de Breno, empurrou o sobrinho com um chute no ombro.
            Breno caiu, enquanto sua tia Neide tentava ajudá-lo. Alex, por sua vez, ajudava João a se erguer.
            — O que vocês estão fazendo? — perguntou Dona Neide, chorando. — Vocês dois são primos! Acham isso bonito?
            — Ele me provocou! — acusou Breno. — Me chamou de Peninha.
            Alex soltou um riso.
            — Esse moleque não me deixa dormir! — gritou João. — É meia-noite e ele fica andando de um lado pro outro com a janela aberta. Eu trabalho, merda!
            — Você devia respeitar seu primo — comentou Alex.
            — Eles deveriam se respeitar! — corrigiu Dona Neide.
            — Eu vou embora, pode ficar tranquilo, João — avisou Breno.
            — O quê? — Dona Neide olhou espantada para o sobrinho. — Não vai, mesmo! Você não tem que sair daqui.
            — E o João não tem que aguentar essas coisas — interviu Alex.
            — Mãe? Pai? — era a filha mais nova do casal, Drica, de dez anos. — O que tá acontecendo?
            — Alex! — Dona Neide lançou um olhar sério para o marido. — Eles precisam aprender a conviver. Ele é seu sobrinho! Drica, meu anjo... Vai pra cama que eu já vou.
            — Meu irmão morreu por culpa dele! — berrou Alex.
            — Mãe! — a menina começou a soluçar.
            — Hein? — Breno parou para observar o tio. — Que história é essa? Ele morreu no incêndio...
            — Alex, chega! — exigiu Dona Neide. — Vem, Drica.
            — Ele morreu queimado para salvar você! — revelou Alex, irado.
            Breno sentiu os ombros encolherem. Sentiu o mundo espremendo-lhe. Aquilo era loucura, só podia. O garoto abaixou a cabeça e começou a chorar.
            — Eu avisei meu irmão que não ia dar certo criar você — continuou Alex. — Você foi criado em laboratório, se alimenta da vida dos outros! Você é como o fogo que matou o seu pai, consome tudo o que está na sua frente.
            — Chega, Alex! — insistiu Dona Neide, após deixar a filha no seu quarto. — Ele não merece isso.
            — Ele merece saber porque meu irmão, o pai dele, morreu! — disse Alex, também chorando.
            — Pai, acho que o senhor está pegando pesado... — comentou João, tentando segurar o pai. — Eu e o Breno sempre brigamos, desde pequenos, mas acabamos nos entendendo. Hoje passou um pouco do limite.
            — Tio, por favor... — Breno soluçava, enquanto fitava Alex. — Chega, eu vou embora.
            — Você tem que ouvir o resto! — continuou Alex. — Foi você quem começou aquele maldito incêndio, sua aberração!
            — Chega! — Dona Neide deu um tapa no rosto do marido, fazendo-lhe calar a boca.
            Aproveitando o momento de distração de todos, Breno pegou sua mochila e saiu correndo. Do quarto, ouviu-se a porta da entrada batendo e, depois, podia-se ver o menino pela janela do quarto correndo rua abaixo.
            Breno não tinha rumo. Chorava como uma criança enquanto vagava pelas ruas do bairro. Alguns moradores de rua pediam-lhe esmola, mas ele nem os olhava no rosto. Sua dor era tanta que parecia estar destruindo o seu corpo de dentro para fora. Quase foi atropelado por um carro quando percebeu que estava correndo no meio da avenida. A sorte foi que o motorista buzinara, assustando-lhe.
            Depois de muito correr, o garoto percebeu que estava próximo ao Horto Florestal. Foi até um dos portões de entrada e viu que estava fechado. A guarita estava fechada, com uma fraca luz laranja saindo de uma pequena janela – provavelmente, o guarda estava dormindo. O menino teve a ideia absurda de subir a Rua do Horto até chegar à entrada do Núcleo Pedra Grande do Parque da Cantareira. Se havia alguém de guarda ali, não estava em seu posto. Sorrateiro, o menino arremessou a sua mochila para o outro lado do portão e, em seguida, debruçou-se e escalou até saltar para o interior do parque.
            Seu coração quase saía pela boca. Ficou com medo de chamarem a polícia e seus tios terem que ir buscá-lo na delegacia. Não queria mais voltar para aquela casa. Não queria mais ver o seu tio. Sentia apenas pela tia, que o acolhera como um filho, e pela pequena Drica, que sempre vinha contar histórias da escola. E, um pouco, pelo primo que, apesar das brigas, era um confidente.
            Breno não hesitou em seguir pela primeira trilha que veio em sua mente, a Trilha da Pedra Grande.  Levou cerca de uma hora até chegar em seu destino: o mirante. Claro, levou alguns escorregões e ganhou alguns arranhões por conta da escuridão – não carregava nenhuma lanterna, já que não planejava estar ali –, além de rezar o caminho inteiro para não encontrar nenhum bicho que pensasse que ele era uma presa.
            No mirante, sentou-se sobre o chão gelado da Pedra Grande e ficou observando a cidade. Uma névoa pairava sobre alguns pontos, impossibilitando a visão completa. Mas, mesmo assim, era lindo ver aquilo. Ele ouviu a grama farfalhar atrás dele e se virou, tenso. Quando viu o que era – na verdade, quem –, seus ombros relaxaram e ele soltou um suspiro de alívio, ainda que surpreso.
            — Você — disse Breno, sorrindo, correndo até o local.
            — Venha cá — era Régia. Ela abriu os braços e acolheu o garoto em um abraço.
            Breno não fazia ideia de como ela o encontrara ali, nem tampouco de como ela conseguira chegar ali também. Mas isso não importava. Ele só queria que aquele abraço não acabasse.
            — Você não está seguro aqui — advertiu Régia, segurando a mão direita do menino. — Preciso tirar você daqui o mais rápido que pudermos.
            — Por quê? — questionou Breno. — Como me encontrou?
            — Vamos! — ela puxou o garoto, quase o fazendo cair.
            Os dois correram por outra trilha e se embrenharam no meio da mata, desaparecendo naquela escuridão. Poucos segundo depois, ouviu-se um relinchar ecoar por aquele lugar.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Conto: O Mistério da Fênix - Parte 1


Horto Florestal, São Paulo, Brasil. Maio de 2014.

Aquele era mais um dia chato e comum.
            Ou era o que Breno pensava. Um garoto de dezessete anos, recém-formado do ensino médio e morador de uma das cidades mais populosas do planeta, São Paulo. O menino morava com os tios, pois era órfão desde os dez anos de idade, quando os pais morreram em um incêndio no prédio em que viviam.
            Desde então, sempre fora tido como um garoto problemático. Não que fosse. Os médicos sempre tentavam justificar a sua introversão como algo positivo, que talvez ele prestasse mais atenção para dentro de si do que para o mundo exterior. Mas não era isso. Breno se sentia diferente, e o era, de fato. Durante o incêndio que matara os seus pais, que se iniciou de maneira misteriosa e até hoje não revelada, o menino não se queimou, nem teve a pele lesionada. Foi algo totalmente enigmático, que a família e até mesmo os médicos atribuíram à um milagre divino.
            Com a chegada da adolescência, as coisas complicaram muito mais. Breno se viu em um mundo totalmente perverso, onde os colegas de escola zombavam dele por ser órfão, por ser tímido. Mas o maior motivo de zombaria era sua mancha de nascença no braço esquerdo. Uma perfeita pena desenhada. Nem mesmo ele entendia como algo tão perfeito pudesse ser um “defeito” da genética. O menino era conhecido como “Peninha”. Por vezes, a ira do garoto acabava causando certos acontecimentos inexplicáveis – por sorte, até então ninguém jamais presenciara tais fatos. Certa vez, enquanto usava o banheiro, um grupo de adolescentes começou a chutar a cabine onde estava até quebrar a porta, deixando-o completamente constrangido. Assim que os meninos saíram, rindo pelos corredores da escola, Breno pegou uma bituca de cigarro do chão, ainda acesa, e pressionou contra o próprio pulso, tentando fazer uma besteira. Mas, para a sua surpresa, nada aconteceu. Exatamente. A pele do menino continuou intacta. Aquilo fez Breno jogar a bituca no chão e sair correndo para a sala de aula, e ele nunca tocou no assunto com ninguém.
            Morando na casa dos tios, no bairro do Mandaqui, Breno adorava ir ao Horto Florestal. O contato com a natureza o deixava mais calmo e afastava todo e qualquer pensamento ruim. Naquele dia, havia saído bem cedo para caminhar no parque.
            Após algumas horas de caminhada dentro do parque, Breno se deitou sob algumas árvores, admirando a sua copa. De repente, ouviu um grito vindo de uma das trilha do parque. Era um grito feminino. Sem hesitar, o menino correu até a direção do grito, mas quando chegou no local, viu apenas uma jovem olhando para galhos vazios.
            — Moça? — o menino se aproximou. — Está tudo bem?
            — Oh! — a menina olhou de um modo desconfortável. — Eu... Eu pensei ter visto alguém me seguindo.
            — Ah... É que você gritou tão alto — comentei. — Acho que algum guarda vai chegar daqui a pouco.
            — Você me ouviu gritar? — a jovem o olhou com um ar de desconfiança.
            — O parque inteiro deve ter ouvido, moça... — Breno respondeu. — Mas se está tudo bem aí, sem problemas.
            — Não! — ela se aproximou.
            O rosto da moça tinha traços levemente indígenas. Seu cabelo liso e preto escorria até a metade de suas costas. Ela usava uma tiara com uma linda flor rosa, cheia de pétalas, e um vestido que a deixava confortável.
            — Não? — estranhou Breno, dando um passo para trás, com receio.
            — Não pode ir embora sem eu ao menos agradecê-lo — completou a jovem. — Obrigado pela preocupação.
            — Mas você disse que não havia ninguém aqui — lembrou o menino. —, que era só imaginação...
            — Eu sei — respondeu a jovem. — Mesmo assim, você se preocupou. Prazer! O meu nome é Régia.
            Breno estendeu a mão, copiando o gesto da moça e a cumprimentando. Ficou com vontade de coçar os seus cabelos ruivos, de tão confuso que estava.
            — Você gosta da natureza, não é? — perguntou a jovem. — Do jeito que você admira... Dá para perceber.
            — É... — gaguejou Breno. — Eu gosto. Aliás... O prazer é meu! Meu nome é Breno.
            — Breno? — Régia demonstrou certa surpresa. — Nome bonito.
            — Bem, preciso ir, Régia... — disse Breno. — Já estou fora de casa há algumas horas e meus tios devem estar preocupados.
            — Seus tios? — estranhou a moça. — Não vive com os seus pais?
            Breno se sentiu esquisito demais para começar a falar de sua vida pessoal para um estranho – por mais que o estranho fosse uma mulher linda como aquela.
            — Bem... Não — respondeu o menino. —Preciso ir.
            — Tudo bem — disse Régia, olhando Breno nos olhos. — Até a próxima!
            — Até! — disse Breno, voltando pela trilha, em direção à saída do parque.

Régia continuou ali, na trilha, observando os galhos das árvores. Eles continuavam vazios. Então, um serelepe – um esquilo com cerca de vinte centímetros de comprimento – saltou do tronco de uma árvore em direção à jovem.
            — Oi! — a moça o pegou em sua mão sem medo e sem qualquer dificuldade. — Pode avisar o Povo da Mata que encontramos o nosso líder... E diga que estou bem.
            O serelepe escutou atento às instruções da jovem, devolvendo um olhar emotivo.
            — Vá! — Régia solta o bichinho no chão. — Diga a eles que ainda temos uma chance!
            Assim, o pequeno esquilo saltou de volta na árvore e subiu com destreza, saltitando para a árvore da frente, e para outra, e outra...

Durante o caminho de volta, no ônibus, Breno ficou pensando na jovem que conhecera no parque. Ela era linda, sem dúvidas, mas muito misteriosa. Agiu de modo tão estranho quando ele a questionou o motivo de sua gritaria, como se ninguém devesse ter ouvido.
            Já em casa, em seu quarto, Breno brincava com um isqueiro. Ele não fumava, mas sempre mantinha um dentro de sua mochila – apenas para fazer a sua brincadeira preferida nos momentos de tensão. Ele acendia o isqueiro e passava a mão pela chama. E ele nunca se queimava, e não entendia a razão disso. Qualquer pessoa se queimaria, faria sérios estragos. Mas ele, não. Ele era invulnerável ao fogo, e tinha que guardar este segredo.

            Mais uma vez, o rosto de Régia surgiu na mente de Breno. Aquela menina realmente havia-o deixado intrigado. E ele mal conversara com ela. Se já não passasse das cinco da tarde, voltaria ao parque para tentar encontrar a menina e conversar mais com ela. Mas decidiu que não daria certo. Então arrumou as suas coisas e desceu para jantar com a família, como se aquele fosse mais um dia chato e comum.