Horto Florestal, São Paulo, Brasil. Maio de 2014.
Aquele era mais um dia chato e comum.
Ou
era o que Breno pensava. Um garoto de dezessete anos, recém-formado do ensino
médio e morador de uma das cidades mais populosas do planeta, São Paulo. O
menino morava com os tios, pois era órfão desde os dez anos de idade, quando os
pais morreram em um incêndio no prédio em que viviam.
Desde
então, sempre fora tido como um garoto problemático. Não que fosse. Os médicos
sempre tentavam justificar a sua introversão como algo positivo, que talvez ele
prestasse mais atenção para dentro de si do que para o mundo exterior. Mas não
era isso. Breno se sentia diferente, e o era, de fato. Durante o incêndio que
matara os seus pais, que se iniciou de maneira misteriosa e até hoje não
revelada, o menino não se queimou, nem teve a pele lesionada. Foi algo
totalmente enigmático, que a família e até mesmo os médicos atribuíram à um
milagre divino.
Com
a chegada da adolescência, as coisas complicaram muito mais. Breno se viu em um
mundo totalmente perverso, onde os colegas de escola zombavam dele por ser órfão,
por ser tímido. Mas o maior motivo de zombaria era sua mancha de nascença no
braço esquerdo. Uma perfeita pena desenhada. Nem mesmo ele entendia como algo
tão perfeito pudesse ser um “defeito” da genética. O menino era conhecido como
“Peninha”. Por vezes, a ira do garoto acabava causando certos acontecimentos
inexplicáveis – por sorte, até então ninguém jamais presenciara tais fatos.
Certa vez, enquanto usava o banheiro, um grupo de adolescentes começou a chutar
a cabine onde estava até quebrar a porta, deixando-o completamente
constrangido. Assim que os meninos saíram, rindo pelos corredores da escola,
Breno pegou uma bituca de cigarro do chão, ainda acesa, e pressionou contra o
próprio pulso, tentando fazer uma besteira. Mas, para a sua surpresa, nada
aconteceu. Exatamente. A pele do menino continuou intacta. Aquilo fez Breno
jogar a bituca no chão e sair correndo para a sala de aula, e ele nunca tocou
no assunto com ninguém.
Morando
na casa dos tios, no bairro do Mandaqui, Breno adorava ir ao Horto Florestal. O
contato com a natureza o deixava mais calmo e afastava todo e qualquer pensamento
ruim. Naquele dia, havia saído bem cedo para caminhar no parque.
Após
algumas horas de caminhada dentro do parque, Breno se deitou sob algumas
árvores, admirando a sua copa. De repente, ouviu um grito vindo de uma das
trilha do parque. Era um grito feminino. Sem hesitar, o menino correu até a
direção do grito, mas quando chegou no local, viu apenas uma jovem olhando para
galhos vazios.
—
Moça? — o menino se aproximou. — Está tudo bem?
—
Oh! — a menina olhou de um modo desconfortável. — Eu... Eu pensei ter visto
alguém me seguindo.
—
Ah... É que você gritou tão alto — comentei. — Acho que algum guarda vai chegar
daqui a pouco.
—
Você me ouviu gritar? — a jovem o olhou com um ar de desconfiança.
—
O parque inteiro deve ter ouvido, moça... — Breno respondeu. — Mas se está tudo
bem aí, sem problemas.
—
Não! — ela se aproximou.
O
rosto da moça tinha traços levemente indígenas. Seu cabelo liso e preto
escorria até a metade de suas costas. Ela usava uma tiara com uma linda flor
rosa, cheia de pétalas, e um vestido que a deixava confortável.
—
Não? — estranhou Breno, dando um passo para trás, com receio.
—
Não pode ir embora sem eu ao menos agradecê-lo — completou a jovem. — Obrigado
pela preocupação.
—
Mas você disse que não havia ninguém aqui — lembrou o menino. —, que era só
imaginação...
—
Eu sei — respondeu a jovem. — Mesmo assim, você se preocupou. Prazer! O meu
nome é Régia.
Breno
estendeu a mão, copiando o gesto da moça e a cumprimentando. Ficou com vontade
de coçar os seus cabelos ruivos, de tão confuso que estava.
—
Você gosta da natureza, não é? — perguntou a jovem. — Do jeito que você
admira... Dá para perceber.
—
É... — gaguejou Breno. — Eu gosto. Aliás... O prazer é meu! Meu nome é Breno.
—
Breno? — Régia demonstrou certa surpresa. — Nome bonito.
—
Bem, preciso ir, Régia... — disse Breno. — Já estou fora de casa há algumas
horas e meus tios devem estar preocupados.
—
Seus tios? — estranhou a moça. — Não vive com os seus pais?
Breno
se sentiu esquisito demais para começar a falar de sua vida pessoal para um
estranho – por mais que o estranho fosse uma mulher linda como aquela.
—
Bem... Não — respondeu o menino. —Preciso ir.
—
Tudo bem — disse Régia, olhando Breno nos olhos. — Até a próxima!
—
Até! — disse Breno, voltando pela trilha, em direção à saída do parque.
Régia continuou ali, na trilha, observando os
galhos das árvores. Eles continuavam vazios. Então, um serelepe – um esquilo
com cerca de vinte centímetros de comprimento – saltou do tronco de uma árvore
em direção à jovem.
—
Oi! — a moça o pegou em sua mão sem medo e sem qualquer dificuldade. — Pode
avisar o Povo da Mata que encontramos o nosso líder... E diga que estou bem.
O
serelepe escutou atento às instruções da jovem, devolvendo um olhar emotivo.
—
Vá! — Régia solta o bichinho no chão. — Diga a eles que ainda temos uma chance!
Assim,
o pequeno esquilo saltou de volta na árvore e subiu com destreza, saltitando
para a árvore da frente, e para outra, e outra...
Durante
o caminho de volta, no ônibus, Breno ficou pensando na jovem que conhecera no
parque. Ela era linda, sem dúvidas, mas muito misteriosa. Agiu de modo tão estranho
quando ele a questionou o motivo de sua gritaria, como se ninguém devesse ter
ouvido.
Já
em casa, em seu quarto, Breno brincava com um isqueiro. Ele não fumava, mas
sempre mantinha um dentro de sua mochila – apenas para fazer a sua brincadeira
preferida nos momentos de tensão. Ele acendia o isqueiro e passava a mão pela
chama. E ele nunca se queimava, e não entendia a razão disso. Qualquer pessoa
se queimaria, faria sérios estragos. Mas ele, não. Ele era invulnerável ao
fogo, e tinha que guardar este segredo.
Mais uma vez, o rosto de Régia
surgiu na mente de Breno. Aquela menina realmente havia-o deixado intrigado. E
ele mal conversara com ela. Se já não passasse das cinco da tarde, voltaria ao
parque para tentar encontrar a menina e conversar mais com ela. Mas decidiu que
não daria certo. Então arrumou as suas coisas e desceu para jantar com a família,
como se aquele fosse mais um dia chato e comum.
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