sexta-feira, 30 de maio de 2014

Conto: O Mistério da Fênix - Parte 4


GUIADOS PELO LUAR

Parque Estadual da Cantareira, São Paulo, Brasil. Maio de 2014.

Depois de um bom tempo correndo pela escuridão daquela mata, Breno e Régia fizeram uma pausa. O garoto respirava ofegante, enquanto a menina mal demonstrava cansaço.
            — Caramba, eu cansei — disse o menino, com as mãos apoiadas sobre os joelhos. — A gente correu demais... Aquele bicho voltou, é isso?
            — Não é só um — contou Régia. — Tem um grupo de capangas do Mão de Luva atrás de você, cari. Precisamos encontrar o meu povo.
            — Mais de um? — estranhou Breno. — Não existe uma mula de cabeça, apenas? E quem é seu povo? Não tem índio aqui em São Paulo!
            — Chega de nhenhenhém — ordenou Régia. — Precisamos fugir!
            — Régia, estamos no meio de um parque, não tem pra onde fugir... — lembrou Breno. — Por que não chamamos a polícia?
            — Isso não é coisa pra polícia resolver, cari — respondeu a índia. — Venha!
            Os dois continuaram o caminho. A índia corria pelas matas escuras com muita habilidade. Já o garoto, parecia um objeto sendo arrastado, estava todo arranhado pelos galhos e pedras que entravam em seu caminho.
            Quando se deu conta, Breno estava sozinho no meio da mata. Provavelmente, Régia estava a alguns minutos à frente. Um vento bateu na pele do garoto, trazendo um cheiro estranho. Era um aroma conhecido, de alguma flor, meio adocicado e exuberante. O garoto olhou para os lados, tentando enxergar alguma coisa, sem sucesso.
            Então, surgiu uma figura feminina por trás das árvores. Ela usava uma espécie de vestido feito com folhas e uma flor branca por cima da orelha. Seus cabelos eram lisos e escorriam até os seios, refletindo o luar. Não usava maquiagem nenhuma, e nem precisava, o seu rosto era perfeito. O seu olhar penetrava no olhar de Breno, como se o puxasse até ela.
            — Oi? — Breno tentou se aproximar.
            — Garotão... — disse a mulher, passando a mão pelas curvas de seu corpo. — Quer conhecer a floresta?
            — Estou meio perdido — respondeu Breno. — Preciso encontrar uma amiga.
            — Se quiser, posso ser essa amiga — a oferta da mulher foi tentadora para o rapaz. — É só vir comigo...
            — Abaeté, deixa o abaetê em paz — era Régia, surgindo da escuridão. — Jaci me mandou até aqui.
            No instante em que ouviu o nome proferido por Régia, a mulher desapareceu na escuridão. Em seguida, Régia lançou um olhar repreensivo ao garoto.
            — O que foi? — perguntou o menino.
            — Você não consegue ficar em segurança? — indagou a índia. — Se eu não tivesse voltado, você teria sido morto!
            — Morto? — duvidou Breno. — Era só uma pobre coitada!
            — Pobre coitado é você — disse Régia, com rispidez. — Aquela era uma Dama da Noite. Você sabe do que elas são capazes?
            — Dama da Noite? — perguntou Breno. — Isso não é uma flor?
            — Não. As flores receberam esse nome por causa delas — explicou Régia. — Existem cinco espíritos da mata conhecidos como Damas da Noite. Aquela era Ipomoea, a líder delas.
            — Régia, que história é essa de espíritos da mata? — questionou Breno. — Quem é você? Se aquilo era um espírito da mata, por que me queria?
            — Tudo ao seu tempo, cari — respondeu Régia. — Precisamos ficar em segurança, primeiramente. Vem comigo. Estamos próximos.
            — Próximos de onde? — interrogou Breno.
            Régia puxou o garoto pela mão.
            Cerca de meia hora depois, os dois chegaram à beira de uma estrada de asfalto. Era uma escuridão assustadora. Breno enxergou uma placa no acostamento.
            — Mairiporã? — ele leu. — Estamos na Estrada de Santa Inês! Andamos pra caramba, Régia.
            — Fique quieto, cari — exigiu a índia. — Não estamos sozinhos aqui. Olhe ali!
            Régia apontou um pouco adiante da placa. Luzes saíam de um conjunto de construções antigas. Havia lojas e restaurantes ali.
            — O Velhão! — lembrou Breno. — Tem gente que trabalha ali, que visita ali... Vamos pedir ajuda!
            — Não! — respondeu Régia, prontamente. — Não podemos, cari... Você não entende. Precisa vir comigo.
            — Ir com você? — o menino se soltou. — Caramba, Régia... Você me fez andar tudo isso. Você me fez ver uma mula sem cabeça. E não quer me deixar pedir ajuda?
            — Breno, por favor... — insistiu Régia. — É para o seu bem. Venha comigo!
            — Aonde você vai me levar? — perguntou Breno. — Por que tudo isso?
            — Eu explico quando estivermos seguros — prometeu a índia.
            — Não — decretou o garoto. — Então, eu não vou com você. Vou lá para O Velhão e pedir ajuda. Alguém vai poder me ajudar.
            — Não! — insistiu Régia. — Ninguém mais pode te ajudar! Eu conto, se for preciso para você vir comigo...
            Breno olhou nos olhos na índia. Um carro passou rapidamente por trás dos dois, na estrada, em direção à Mairiporã.
            — Certo — respondeu Breno.
            — Você, essa sua mancha, os seus pais... — começou Régia. — Tudo tem relação com o Mão de Luva, com essas criaturas que você tem visto.
            De repente, ouviu-se um relinchar muito forte. E outro, em seguida. Não era apenas um animal, ou mula sem cabeça, que estava por ali, mas vários.
            — Eles nos alcançaram! — constatou Régia. — Precisamos ir, Breno!
            — Tudo bem, vamos logo... — o garoto sentiu um arrepio na espinha ao ouvir aqueles equinos mitológicos relinchando.
            Imediatamente, Régia puxou Breno e atravessou a estrada, embrenhando-se novamente na mata. Correndo muito rápido, Breno sentia o ar queimar seus pulmões. Estava quase caindo quando Régia parou.
            O garoto estranhou. Não havia nada ali. Era uma grande área descampada, sem árvores. Breno olhou para Régia, confuso.
            — Jaci, minha mãe, mostre-nos o caminho — as palavras que saíram repentinamente da boca de Régia assustaram o rapaz. — Guie-nos até o seu templo, minha mãe.
            — Régia... — Breno estava começando a falar quando ficou boquiaberto.
            A luz da lua se intensificou. No chão, o luar traçava um caminho perfeito que se estendia pelo horizonte. Régia prontamente segurou a mão de Breno e o arrastou pelo caminho iluminado. O garoto percebeu que o caminho se apagava à medida em que pisavam. Cerca de cinco minutos depois, chegaram a uma mata muito densa, com uma grande rocha posicionada no meio de algumas árvores.
            Instintivamente, Régia continuou a se aproximar da rocha, tocando-lhe a superfície. O luar alcançou a rocha, como um milagre – era impossível a luz da lua penetrar pelas densas copas das árvores – e possibilitou que os dois enxergasse uma passagem.
            — O que? — Breno ficou pasmo. — Não havia um buraco aí! Eu vi!
            — É Jaci — respondeu Régia, sorrindo. — Ela quer conhecer você.
            Ambos entraram na abertura que havia sido iluminada. Ao entrar, o buraco escureceu novamente, parecendo ter se fechado. Breno olhou apreensivo para Régia, com medo de morrer sufocado dentro daquela rocha, mas a índia o confortou com um breve sorriso. Enquanto caminhavam ali dentro – o que parecia ser apenas uma rocha por fora, era uma gigantesca caverna por dentro –, uma luz serena voltou a brilhar, guiando os dois na escuridão.
            Finalmente, os dois chegaram onde Régia queria.
            Naquela parte, a caverna se alargava e o seu teto parecia ser inalcançável, de tão alto. Havia algumas pedras posicionadas umas sobre as outras, centralizadas, com uma espécie de canhão de luz da lua sobre a cabeça de uma mulher que ali estava sentada.
            — Jaci, minha mãe — Régia ajoelhou-se perante a mulher, em uma reverência.
            Breno ficou olhando aquilo sem entender. Mas a mulher era linda, para variar.
            — A Régia é sua filha? — com tantas coisas para perguntar, aquela foi a primeira coisa que veio à mente do rapaz.
            — Sim — sorriu a mulher. — Estava ansiosa para conhecê-lo. Você não faz ideia do quão importante é para mim, para meus irmãos e, principalmente, para meu pai – o nosso pai.
         A única coisa que Breno conseguiu fazer foi se sentar em uma pequena pedra que havia ao seu lado. Estava disposto a ouvir tudo o que aquela mulher estranha tinha para dizer. Estava disposto, embora com medo, a ouvir toda a verdade.

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