Mostrando postagens com marcador Terror. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Terror. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 10 de março de 2016

Série - O Mundo dos Sonhos: Cap.1


1. Enquanto ele ronronava


           Olhe, talvez, quando for ler esta história, você ache que seja uma tremenda bobagem ou que eu esteja muito louco. Mas eu garanto: é sério, aconteceu, e eu não usei drogas para ver essas coisas. O mundo em que eu vivo rompe várias regras e leis universais, então, acredite se quiser!
            O que eu vou contar agora foi algo meio assustador; aconteceu na semana passada, no sábado. Todo sábado eu vou ao shopping comprar alguma coisa e, no último sábado, não foi diferente.
            Quando cheguei ao shopping, peguei o carrinho de compras no estacionamento e corri para a melhor parte: uma rampa bem inclinada que levava ao andar inferior, onde ficava o acesso às lojas. Enquanto eu descia empurrando o carrinho e dando risada, as pessoas me olhavam – ou muito sérias ou fazendo caretas –, mas não liguei muito pra isso.
            Nos corredores iniciais do shopping, há algumas agências bancárias, todas com paredes de vidro medindo cinco metros de altura – a segurança por aqui é muito boa (para quem tem dinheiro!). Cruzei o corredor e o mezanino enquanto diversas pessoas também seguiam na mesma direção ou voltavam de suas compras.
            Quando saí do mezanino, que tinha o piso de vidro também, entrei no corredor das lojas. A primeira loja era a loja de chocolates, uma loja bem famosa, que leva o nome da fruta que é a matéria-prima do chocolate. Para a minha sorte, havia algumas coisas em promoção – os cartazes amarelos quase saltavam nos olhos dos clientes.
            Um homem alto, de cabelo claro, roupas em tons escuros e um pouco sisudo. A mulher, pelo contrário, mostrava-se supergentil e sorridente, com o seu cabelo afro e a sua roupa multicolorida:
            — Bom dia! Em que posso ajuda-lo? — perguntou-me o homem, fingindo um sorriso.
            — Oi — eu respondi, sem graça. — Vou querer aqueles chocolates ali.
            Quando apontei para as barras de chocolate no alto da prateleira, vi duas coisas que me chamaram a atenção, sendo uma delas algo que me arrependo de ter comprado (eu devia ter pegado a outra coisa!): um boneco de pano que tinha a cara de um gato, com uma mancha no olho; e um ovo de páscoa de dois quilos.
            — E aquilo ali — apontei para o boneco felino, curioso. — Quanto fica?
            — Ótima escolha! — a atendente, que havia acabado de dispensar um cliente, veio falar comigo e intrometer-se na venda do parceiro. — É peça única.
            — Ah! — sorri, fingindo gratidão. — Quanto fica?
            — Tudo por R$ 48 — respondeu o homem, ao mesmo tempo em que eu vi o valor digitado no computador.
            Nesse instante, ouvi uma bagunça vinda do corredor do shopping; havia uma gritaria intensa e repleta de xingamentos. Os atendentes da loja em que eu estava ficaram visivelmente perturbados com a situação – eles se olhavam como se quisessem dizer algo um ao outro.
            — Vá! — o homem gritou para mim. Ele apontou a direção, mostrando o fundo da loja, e ordenou que a mulher me seguisse. — Vá com ele. Rápido!
            Não tive tempo de perguntar o que estava acontecendo: a mulher me empurrou para o fundo da loja e saímos por uma portinha que dava acesso a uma rua deserta. Logo atrás, o homem sisudo saiu pela porta e passou a chave no trinco:
            — O que foi isso? — questionei, preocupado.
            — Caramba — reclamou a mulher, chocada com o que via.
            O lugar onde estávamos parecia outro de onde eu havia saído. Quando cheguei ao shopping, o céu estava limpo e ensolarado; mas, agora, o céu estava carregado de nuvens cinzentas e uma névoa gelada pairava sobre tudo. Aliás, não havia um shopping atrás da gente, muito menos a porta pela qual havíamos saído.
            — O que está acontecendo? — insisti, inutilmente.
            — Vamos! — o homem pegou na mão da mulher e desceu a rua, mostrando-me o caminho.
            Enquanto descíamos o quarteirão pela calçada, passamos por uma grande catedral ao nosso lado direito; estava abandonada, pois as portas caíam aos pedaços e os vidros das janelas haviam sido todos quebrados. As paredes do templo religioso estavam pretas, chamuscadas de cinzas – provavelmente, por um incêndio.
            — Filho da puta! — um homem gritava no meio da rua, um pouco mais abaixo. — Eu ando onde eu quiser...
            Ele estava bêbado.
            Como eu percebi isso? Ele cambaleava enquanto andava no meio dos carros; e segurava uma garrafa de cachaça na mão direita. Devia ser algum morador de rua, pois suas roupas estavam sujas e rasgadas.
            Então, deixando-me mais surpreso e assustado, o gato de pano que eu carregava no colo ronronou. Isso mesmo, o gato de pano ronronou.
            Em seguida, o bêbado atacou um dos carros com a sua garrafa e, depois, começou a se jogar em cima dos carros.
            O casal de atendentes me puxou e viramos à direita, cruzando a rua e passando ao lado do bêbado troglodita:
            — Seus putos! — gritou o bêbado enquanto passávamos por ele.
            Apertarmos o passo e continuamos a subir a rua. Neste ponto, a voz do bêbado parecia um murmúrio.
            O homem e a mulher pararam em frente a uma casa de arquitetura antiga, com arcos na varanda. Entramos no pequeno quintal e a porta de madeira se abriu sozinha num ranger amedrontador.
            — O que vão fazer? — perguntei aos dois enquanto observávamos o interior da casa. Logo em frente à porta, uma escadaria levava ao piso superior, onde tudo era muito escuro e impossível de enxergar.
            — Precisamos entrar — disse a mulher. — Não estamos seguros aqui fora.
            Subimos as escadas e a porta se fechou logo atrás. Quando chegamos no piso superior, encontramos um longo corredor – era possível enxergar a sua extensão por conta de uma luz azulada que vinha do fundo.
            Então, uma silhueta surgiu três metros à nossa frente. Forçando a visão, percebi que era uma senhora vestindo uma camisola.
            — Há! — a mulher idosa soltou um grito agoniante e infantil, de tão agudo.
            Quando percebi que eu tinha que correr, o chão desapareceu e caí, junto aos atendentes, num cômodo muito escuro. O cômodo era quadrado, mas não tinha nenhuma saída. Lá em cima, a senhora nos encarava:
            — Que o Terceiro Dilúvio comece! — berrou a velha.
            Por algumas frestas entre os tijolos de pedra nas paredes, começou a cair água e inundar o cômodo.
            — Nós vamos morrer! — eu gritei, muito assustado.
            — Lá! — a mulher apontou para o teto, onde havia um pequeno buraco.
            A água, rapidamente, inundou o quarto e fomos expulsos para o corredor forrado de pedras. Enquanto éramos levados pela correnteza no estreito corredor, enxergamos, sob a água, alguns bichos estranhos refletidos contra a luz azulada e turva.
            Graças àquela luz, pude enxergar uma alavanca que estava no chão do corredor e puxei-a no sentido contrário – eu nem imaginava qual seria o resultado daquilo. Em seguida, a água começou a perder a vazão e foi sugada pelas paredes e pelo chão.
            — Vamos correr antes que ela volte! — eu sugeri. Só aí é que eu percebi que ainda tinha o gato de pano comigo.
            Corremos pelo corredor o mais rápido que pudemos assim que percebemos a mulher atrás de nós.
            Mais um grito ecoou pelas paredes de pedra, tornando o som muito mais estridente.
            Continuamos a correr quando vimos uma porta aberta, exibindo a rua.
            — Jogue isso fora! — o homem apontava para o gato de pano que eu segurava. — Se não, não conseguiremos fugir!
            Olhei mais uma vez para o boneco de pano felino, que ainda ronronava nas minhas mãos como se estivesse vivo. Joguei o bichano no chão e aumentei a minha velocidade enquanto corria.
            O homem e a mulher já haviam conseguido passar pela porta. Olhei mais uma vez para trás e vi que a velha louca corria na minha direção (ou na direção do boneco) e isso me motivou a correr ainda mais. Quando passei pela porta, caí no chão e eu respirava ofegante enquanto os dois tentavam me ajudar.
            Enquanto eu recuperava o meu fôlego, vi a mulher idosa ainda correndo dentro do túnel de pedras rumo à porta que, por sorte, fechou-se de súbito. Logo depois, uma substância branca e leitosa começou a ser jorrada da parede e cobrir toda a porta até formar uma grossa e rígida camada intransponível.
            — Vamos embora — disse o homem, olhando para a mulher e abraçando-a. — Boa sorte, garoto.
            Eles subiram a rua até sumir no horizonte.
            Quando me virei para o sentido contrário, notei que o homem bêbado ainda estava ali no cruzamento das ruas. Porém, ele não estava mais gritando, xingando e batendo nos carros; ele estava caído no asfalto, morto, enquanto os carros passavam sobre ele sem se importarem.
            Eu só consegui respirar aliviado.
            Assim, desci a rua para tentar encontrar o caminho de volta para casa.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Conto: O Grande Espírito do Rio

Rio Amazonas, Isla de los Monos, Peru.

            Era quase dez horas da noite quando Marco, Teresa e Joaquim navegavam próximos da Isla de los Monos – a Ilha dos Macacos. Eles haviam alugado o barco pesqueiro Neruda em Tefé, no Amazonas e, desde então, foram seis dias até chegar naquele ponto do Rio Amazonas.
            Alfredo, o peruano dono do pesqueiro, era contra os propósitos daquela viagem, mas só os descobrira há poucos minutos, ao ouvir uma conversa entre os três expedicionários e a guia turística, Moema:
            — Vocês têm certeza disso? — questionava Moema, insegura. — Não tenho certeza do que vamos achar na Ilha. Pode ser tudo balela.
            — Não! — contestou Joaquim, convicto. — É verdade, eu sei. Todo o mundo aqui da região fala disso... Os aldeões têm essas superstições.
            — Só não me metam nessa encrenca — pediu Moema, preocupada. — Não quero estar envolvida com isso e sujar o meu nome. O que vocês vão fazer é exploração ilegal. Retirar espécimes destas regiões é crime ambiental.
            — ¡Maldito sea! — exclamou Alfredo, saindo detrás da cabine do piloto. O homem entendia a língua portuguesa muito bem, só não conseguia falar o idioma; por isso a necessidade de uma guia e tradutora.
            Um clima tenso se espalhou por todo o convés do Neruda.
            — ¿Estabas escuchando a escondidas? — Moema brigou com o pescador. — Usted há sido contratado sólo para hacerse cargo de la embarcación.
            — ¡Qué vas a hacer no es correcto! — insistiu Alfredo. O peruano suava de tanta tensão ao descobrir os reais motivos daquela viagem. — ¡Hijos de puta! ¡La Boiuna nos va a matar!
            — La Boiuna? — Moema se deu conta do que se tratava aquilo tudo. — ¡Eso es una leyenda, hombre! ¡Sólo eso!
            Com o medo estampado na cara, Alfredo voltou para a cabine do piloto e ficou encarando os quatro brasileiros.
            Marco, Teresa e Joaquim não entenderam nada; ficaram calados aguardando por uma explicação de Moema, que também ficou calada.
            Quase à meia-noite, Alfredo parou o barco alegando que estava muito cansado e que precisaria dormir um pouco para repor as energias. O Neruda estava num meandro, entre as árvores com copas em forma de guarda-chuva. Então, Moema decidiu explicar aos três expedicionários o que estava acontecendo:
            — Bom, vocês presenciaram o show do peruano — comentou Moema, lamentando o ocorrido.
            — Aquilo foi um barato! — disse Marco, entusiasmado. — O cara é uma figura!
            — Mas ele parecia muito bravo com alguma coisa — sugeriu Teresa, uma mulher de sensibilidade extrema.
            — Exatamente — confirmou Moema, com uma feição não muito feliz. — Vejam bem, o povo que vive às margens do Amazonas tem uma crença muito forte em algo muito antigo.
            — Era aquele tal de Boiúna? — questionou Joaquim. — Ouvi o Alfredo comentando algo sobre isso.
            — Isso! Isso mesmo — respondeu Moema, assentindo com a cabeça. — A Boiúna é tida como O Grande Espírito do Rio Amazonas, capaz de encarnar numa gigantesca serpente para engolir as embarcações com os seus navegantes que fazem mal à natureza.
            — Não tenho medo de sucuri — brincou Marco. — Já matei várias!
            — ¡Eres un idiota! — era Alfredo. O homem havia acordado ao ouvir falarem sobre a Boiúna. — ¿No se dan cuenta que nos encontramos en el território de la Boiuna? Ella es la dueña de este río.
            — Amigo, venha cá... — Joaquim, o mais jovem de todos, envolveu o peruano com o braço direito e o levou para a popa do Neruda. — Que história é essa de Boiúna? Fale com calma para que eu entenda.
            — La Boiuna es el ser vivo más cruel y poderoso — alertou Alfredo, espreitando o Rio Amazonas. — Ella puede cambiarse a la gente si quiere engañarnos. Ella podría incluso convertirse en un recipiente para nosostros para atraer y ahogamos.
            — Espera um pouco... Não entendi nada! — Joaquim lamentou com uma expressão preocupada.
            — Ele disse que a Boiúna é tão poderosa que poderia se transformar numa embarcação para nos atrair e nos afogar — traduziu Moema, soltando um leve sorriso. — Mas é claro que isso é uma lenda!
            — ¡Esto no es una leyenda! — berrou Alfredo; o seu grito ecoou pela mata e pelo rio, fazendo-os perceber que estavam realmente sós.
            — Por que não vamos dormir? — propôs Teresa, desejando acalmar os ânimos dos navegantes.
            Assim, todos se encaminharam aos seus colchonetes para tentar descansar.
            No meio da noite, após ouvir um estalido, Marco se levantou e caminhou com uma lanterna até o púlpito de proa para tentar ver se algo havia batido no barco. O homem procurou no foco de luz e forçou a visão, mas não conseguiu enxergar nada. O rio corria calmo; não havia pássaros, não havia peixes; nem mesmo as árvores balançavam.
            Quando desligou a lanterna e virou-se para voltar ao seu colchonete, Marco foi surpreendido por alguém. Era uma figura feminina oculta pela sombra noturna; ela estava com os ombros tensos e os cabelos bagunçados.
            — Oi! Moema? Terê? — perguntou Marco, acendendo a lanterna na direção da moça.
            Então, Marco se assustou com o que viu – aqueles olhos completamente negros o encararam e puderam enxergar a sua alma. Num súbito ataque, a mulher avançou sobre o homem e o jogou contra o Rio Amazonas.
            No rio, Marco teve de lutar contra a correnteza e contra a mulher, que parecia ter uma força anormal. Mas não demorou muito para o expedicionário desistir e acabar-se afogando nas águas do Rio Amazonas.
            Ao amanhecer, Teresa e Joaquim procuraram por Marco no barco todo:
            — É melhor descermos até as margens e procurarmos por ele. Será que ele não quis, de repente, fazer xixi? — sugeriu Teresa, tentando não demonstrar a sua real preocupação.
            — Ele é louco, então, pois temos recipientes adequados para isso aqui no barco — argumentou Moema, aparentando estar incrédula com o sumiço do homem. — Não é seguro sair sozinho do barco e andar pela floresta; há animais à solta!
            — ¡Yo he dicho! Fue la Boiuna! — gritou Alfredo, apontando para o rio.
            No rio, algo despertou o temor dos tripulantes do Neruda – um corpo boiava nas margens do outro lado do Rio Amazonas; era o corpo de Marco.
            — Meu Deus! — gritou Teresa, chorando em desespero. — Quem fez isso?
            — Alfredo, pare de assustar as pessoas! — exigiu Moema, encarando o pescador e dono do barco. — Já não basta o que houve com o Marco? Leve a gente até a outra margem.
            — Si señora — Alfredo obedeceu ao pedido de Moema assim que a olhou nos olhos. — Como quieras.
            Então, o Neruda navegou até a outra margem do rio e, com algum esforço, os tripulantes conseguiram trazer o corpo de Marco de volta para o barco. O corpo estava inchado e cheio de marcas rochas; os olhos estavam revirados, exibindo apenas a esclera branca.
            — Vamos embora! — gritou Teresa, desesperada.
            — Teresa? — Joaquim ficou confuso... — Não terminamos...
            — Não vamos pegar mais nada! — decidiu a mulher, transtornada. — Vamos embora deste lugar... O Marco não tinha que ter morrido!
            — Mas foi um acidente! — insistiu Joaquim. — Você acreditou mesmo nessa historinha pra assustar criança?
            Moema lançou um olhar assustador a Joaquim, mas o jovem nem se deu conta; mas Alfredo capturou aquela ameaça e quase se jogou do Neruda naquele instante, mas preferiu manter a calma.
            — Será mejor que nos vayamos — Alfredo disse, tentando não encarar Moema. — Estamos todos muy nerviosos. Si seguimos com el viaje, no vamos a enfocar.
            — Tudo bem — Joaquim teve de concordar; todos estavam muito abalados.
            Então, o Neruda voltou a descer o Rio Amazonas rumo a Tefé.
            No cair da noite, o céu foi encoberto por densas nuvens cor-de-chumbo; não demorou muito e começou a cair uma tempestade que impedia a visão nítida do rio à frente:
            — ¡Maldita sea! — vociferou Alfredo ao concluir que precisaria esperar a chuva forte passar. — Tendremos que esperar.
            Dentro da cabine, Teresa, Joaquim, Moema e Alfredo assistiam a tempestade cair; o corpo de Marco perecia sobre o convés próximo à popa do Neruda. As árvores se curvavam sobre o rio com o vento forte, que assobiava assustadoramente. Raios e trovões clareavam o céu e estremeciam a terra.
            — Meu Deus! Estamos ferrados — praguejou Teresa. — A gente precisa ir embora daqui.
            — Você enlouqueceu? — Moema encarou, com indignação, a expedicionária. — Não está vendo a tempestade? Se o Alfredo tentar ligar este barco, seremos levados pela correnteza como uma folha de papel!
            — No podremos irnos de aqui hoy — lamentou Alfredo, ainda evitando olhar para Moema. — Tal vez tengamos que dormir aqui esta noche. ¡No quiero perder mi barco durante la tormenta!
            — O Alfredo está certo — concordou Moema, apoiando a sua mão esquerda sobre o ombro direito de Alfredo. — Não vamos fazê-lo perder o seu barco.
            Assim, os quatro permaneceram ali, na cabine, por cerca de três horas até caírem no sono.
            Joaquim acordou assustado ao ouvir um barulho vindo do rio. Levantou-se e caminhou até o púlpito de proa; foi quando viu outra embarcação se aproximando do Neruda – era um posto flutuante de combustível da Petrobrás, colorido em verde.
            O posto flutuante se aproximou o bastante para que fosse possível saltar sem dificuldades do barco pesqueiro Neruda para a embarcação da Petrobrás. E foi exatamente isso o que Joaquim fez:
            — Oi? — dizia Joaquim, enquanto batia nas portas da embarcação. — Tem alguém aí?
            Uma das portas, então, abriu-se e exibiu ao moço um compartimento cheio de computadores e rádios. Sem pensar duas vezes, Joaquim correu para dentro do local a fim de tentar comunicar-se com alguém em busca de ajuda. Contudo, a porta se fechou com toda a força logo que ele pisou no compartimento.
            — Ei! Me deixe sair daqui! — gritou Joaquim, enquanto esmurrava a porta de aço. — Socorro!
            Uma silhueta feminina surgiu atrás de Joaquim e soltou um sussurro:
            — ¡Tú eres mio, no creyente! — a voz feminina lhe pareceu familiar, mas era gélida e assombrosa. — Cierra tus ojos y comience a orar.
            Joaquim começou a tremer dos pés à cabeça e, sem controle algum dos seus impulsos, urinou nas calças. O jovem cerrou os olhos com toda a força e começou a fazer preces:
            — Pelo amor de Deus... — implorava o homem, enquanto tentava, sutilmente, pôr-se de joelhos sobre o chão do compartimento sombrio. — Eu prometo que nunca mais volto aqui!
            — ¡Cállate la boca! — a mulher soltou um berro que parecia o granido duma coruja, o que fez Joaquim silenciar-se.
            Quando se deu conta, Joaquim viu que havia uma infiltração no compartimento onde estava; a água já estava ao nível das suas coxas. O jovem ergue-se de supetão, assustado, e tentou abrir a porta mais uma vez – inutilmente. Foi só aí que ele, então, concluiu que a embarcação estava afundando no Rio Amazonas.
            — Não! — ele gritava e chorava desesperado, sem esperanças. — Me deixe ir embora! Por favor!
            — Olha só... — a voz feminina mudou o seu tom para algo mais melódico enquanto a silhueta se aproximava de Joaquim. — Não são só criancinhas que ficam assustadas!
            O olhar de Joaquim era perturbador – ele estava transtornado com o que viu. O medo e o pavor foram tão intensos que isso lhe causou uma série de sensações incômodas: primeiro, uma forte dor atingiu-lhe o peito e as costas, causando-lhe uma falta de ar; a sua língua começou a enrolar e ele começou a sentir enjoo o braço esquerdo formigava como se milhares de insetos caminhassem por ali; uma vertigem lhe acometeu; e, por fim, Joaquim caiu morto.
            Aos poucos, o porto flutuante da Petrobrás afundou nas frias águas do Rio Amazonas até ancorar na talvegue do rio. A mulher lançou um último olhar ao corpo do jovem e saiu pela porta de aço, que se abriu assim que a silhueta feminina encostou.
            Enquanto isso, Teresa e Alfredo procuravam por Joaquim, mas, como não o encontravam, decidiram acordar Moema, que dormia pesadamente no convés do Neruda:
            — Moema! Acorde — Teresa cutucou o ombro da guia. — O Joaquim... Ele está desaparecido!
            — O quê? — Moema levou as mãos aos olhos, tentando limpar o seu campo de visão. — Como desapareceu?
            — Não sei... — respondeu Teresa, com a voz chorosa. — E se tiver acontecido o mesmo que aconteceu ao Marco?
            Nesse instante, Teresa olhou para a popa da embarcação, esperando achar o corpo de Marco, que não estava mais lá.
            — Marco! — gritou Teresa. — O corpo dele sumiu!
            — Lárguemonos de aqui — decidiu Alfredo, segurando a roda do leme e começando a navegar com o Neruda. — Tengo una familia que cuidar.
            — Largue o timão — Moema proferiu aquelas palavras com um ar de seriedade. — Agora.
            Sem hesitar, Alfredo soltou a roda do leme e sentou-se num banquinho, tremendo-se todo.
            — Mas o que está fazendo, Moema? — questionou Teresa, sem entender a atitude da guia. — Vamos embora logo deste Inferno!
            — Aqui não é o Inferno, mulher — a voz de Moema ficou mais grave e um pouco sibilante. — Aqui é o Paraíso. São vocês, humanos, que fazem disto o Inferno. São vocês, humanos, é quem destroem tudo o que veem pela frente. São vocês, humanos, quem acreditam que são a forma de vida mais inteligente.
            — Por que está falando assim? — Teresa caminhava, de costas e em passos curtos, rumo à proa do barco. — Está querendo assustar a gente?
            — Alfredo já mijou nas calças — zombou Moema. — Mas você... Ah! O seu presente te aguarda!
            — ...Santificado sea tu Nombre; vena a nosotros tu Reino — orava Alfredo, ajoelhado na cabine, de olhos fechados. — Hágase tu voluntad en la tierra como en el cielo.
            — ¡Cállate! — sibilou Moema; os seus olhos estavam inteiramente negros e, da sua pele, começavam a "brotar" escamas. — Yo soy la diosa aquí.
            — Moema, pare com isso! — exigiu Teresa, tentando uma postura mais firme.
            Simples e direta, Moema saltou sobre a mulher e mordeu o seu braço, arrancando um bom pedaço da pele de Teresa:
            — Filha duma puta! — gritou Teresa. — Por que fez isso? Socorro, Alfredo, me ajude!
            — Chega! Cale-se de uma vez por todas! — ordenou Moema, que agarrou a mulher e saltou com ela para dentro das águas do rio.
            No fundo do rio, Teresa lutava com todas as suas forças, o que era inútil já que a adversária era algo sobrenatural. O abraço de Moema foi tão forte que Teresa rapidamente desmaiou e afogou-se, engolindo a água do Rio Amazonas até o seu corpo inflar como um balão.
            Depois disso, Moema escalou de volta o Neruda e posicionou-se diante de Alfredo, que tremia – ele parecia ter Parkinson, de tanto que tremia:
            — Pois bem... — Moema encarou o pescador. — Es tu turno.
            — ¡Por amor de Dios! — Alfredo chorava desesperado. — Nunca hice ningún daño a la naturaliza. Pesco sólo para mi familia a sobrevivir.
            — E quanto a esse bando de exploradores que você trás para o rio? — lembrou Moema, furiosa. — Ya sabes lo que quierem es explorar la naturaleza.
            — ¡Lo juro! — o homem se ajoelhou perante a mulher e suplicou. — Jamás voy a hacer... ¡Sólo te ruego que me dejes ir a mi familia!
            — Tudo bem — concordou Moema, com um sorriso perverso. — Você poderá voltar à sua família. No entanto... A partir de hoje, sempre que algum explorador te procurar, você deixará muito claro que conheceu a Boiúna de perto.
            — ¡Lo haré, lo prometo! — prometeu Alfredo, atrevendo-se a beijar os pés de Moema, que não interferiu.
            — Além disso, na sua volta para o seu vilarejo, você passará em todas as aldeias e vilarejos às margens do Rio Amazonas e dirá o seguinte: — estabeleceu a criatura misteriosa — diga a todos que O Grande Espírito do Rio, a Boiúna, ainda existe e sempre existirá. ¡Ay de quien haga tropezar uno de mi! ¡Ahora, continúe su viaje!
            Assim, Moema, a Boiúna, saltou e mergulhou no rio. Segundos depois, enquanto Alfredo retomava o curso do rio, o homem avistou uma enorme criatura serpenteando na superfície do Rio Amazonas, uma gigantesca cobra de escamas escuras, que refletiam o brilho das estrelas.


sábado, 21 de fevereiro de 2015

Conto - Terror na Rodovia

            A noite estava abafada. Não havia uma nuvem no céu; em contrapartida, as estrelas revestiam toda aquela imensidão de cor azul escuro. A rodovia, por sorte, estava livre – quase não se via carros passando pela pista contrária, nem atrás, nem à frente. Eram apenas Rodolfo e Luís, dentro daquele carro.
            — Caramba! — reclamou Luís. — Que calor horrível! Já é quase meia noite e o tempo ainda está assim...
            — Esta região aqui de Araçatuba é assim mesmo — comentou Rodolfo. — Mas estamos quase lá; só mais umas duas horas e chegaremos em Ilha Solteira.
            O casal estava dirigindo rumo à cidade de Ilha Solteira, última cidade do estado de São Paulo antes da divisa com Mato Grosso do Sul. A família de Rodolfo era do interior, e o jovem estava levando o namorado para apresentá-lo aos seus pais.
            — Se à noite é assim, imagine durante o dia! — pensou Luís, incomodado com o clima. — Mais duas horas e estaremos carbonizados...
            — Pare de ser exagerado, Luís! — pediu Rodolfo. — Lá tem um rio enorme pra você se refrescar durante o dia. Relaxa!
            — “Nhandeara” — comentou Luís. — Que nome esquisito, o dessa cidade!
            — É um nome de origem tupi — explicou Rodolfo.
            O carro estava com as janelas da frente abertas, para refrescar um pouco a viagem do casal. Alguns insetos acabavam entrando no carro e perturbando Luís, mas aquilo não era nada comparado àquele calor insuportável que o rapaz sentia.
            De repente, o carro começou a perder a velocidade. As luzes do painel frontal piscaram três vezes e se apagaram; depois, foi a vez dos faróis do carro. Estava um breu.
            — O que aconteceu? — questionou Luís, olhando ao redor. Estava tudo muito escuro, não havia sinal algum de uma cidade próxima. Nenhum carro passava na rodovia.
            — Caramba... Não sei! — respondeu Rodolfo. — A bateria deve ter arriado, ou algo do tipo. Não sei!
            — Como assim? — Luís ficou espantado. — Você não checou o carro antes da gente sair? Não podemos ficar parados aqui no meio do nada!
            — Espera um pouco... — Rodolfo tentou ligar o carro, mas não conseguiu. — Não sei o que houve. Vou precisar sair e procurar ajuda.
            — O quê? — Luís não acreditou no que ouvira. — Ficou louco, Rodolfo? Olha a escuridão que está lá fora! Por que não usa o celular?
            — Celular, neste meio do nada? — interrogou o jovem. — Não tem sinal aqui, Luís. Se eu não sair e procurar ajuda, ficaremos aqui, sabe-se lá até quando!
            — Rodolfo, não tem onde buscar ajuda! — insistiu Luís.
            Rodolfo saiu do carro e caminhou em volta do veículo. O rapaz esticava o pescoço para o lado direito da pista, tentando ver se encontrava alguma moradia no meio daquele campo sem fim.
            — Acho que tem uma casa ali — Rodolfo apontou no meio do nada.
            — Onde? — estranhou Luís. — Não vejo nada!
            — Olhe bem ali... — pediu Rodolfo. — Está vendo um pontinho iluminado? É uma janela! Tem uma casa ali!
            — Então vamos lá! — disse Luís.
            — Não! — respondeu o motorista, prontamente. — Se o carro ficar sozinho, pode ser roubado ou algo do tipo. Você fica; eu volto rápido!
            — Sozinho? — perguntou Luís, soltando um leve gemido de medo.
            — Eu volto logo! Prometo — Rodolfo deu um selinho no namorado, pegou duas lanternas no porta-luvas, uma para ele e outra para Luís. — Espere no carro.
            Assim, Rodolfo se embrenhou no meio do mato e desapareceu na escuridão.
            Enquanto isso, Luís ficou sentado no banco do passageiro, mexendo no celular. A lanterna iluminava o interior do carro, proporcionando um pouco mais de segurança ao rapaz.
            Pouco tempo depois, Luís ouviu um barulho; pelo retrovisor, o rapaz pôde ver os faróis de um carro se aproximando. Ele apagou a lanterna imediatamente e ficou em silêncio, tentando não chamar atenção.


            O carro passou ao lado, na pista, e estacionou no acostamento logo à frente.
            Luís começou a suar frio; achou que seria roubado, sequestrado ou, até mesmo, morto. O jovem começou a rezar em voz baixa e tremia.
            — Oi! — uma voz masculina ecoou dentro do carro. — ‘Tá tudo bem aí?
            — Oi — Luís abriu os olhos e encarou o homem na janela do carro. — Acho que a bateria do carro arriou. Meu nam... Meu amigo foi procurar ajuda.
            Ele preferiu não comentar que tinha um namorado. Se o homem desconhecido fosse homofóbico, mataria ele ali mesmo.
            — Ajuda? — estranhou o homem misterioso. Ele usava uma barba rala e seus olhos carregavam um ar sombrio. — A cidade mais próxima daqui está a uns trinta quilômetros. E se ele voltou, vai ter que andar, pelo menos, cinquenta quilômetros. Quer uma carona?
            — Não! — respondeu de imediato. — O Rodolfo não voltou... Ele acha que viu uma casa no meio do pasto, e foi até lá tentar pedir ajuda. Obrigado.
            — Tem certeza? Não há ninguém morando num raio de vinte quilômetros — comentou o homem. — Meu nome é Fernando. Moro em Pereira Barreto, é perto daqui. Se quiser, posso te dar uma carona até um posto policial.
            — Obrigado, mesmo... — agradeceu Luís, desconfiado. — Mas prefiro esperar pelo Rodolfo.
            — Esse Rodolfo é seu namorado, né? — questionou Fernando, intrometido.
            — Hein? — Luís começou a ficar mais apreensivo e demonstrou sua tensão.
            — Você tem uma aliança... — Fernando apontou para o dedo do rapaz. — Você não deixaria sua namorada para viajar com um amigo em plenas vésperas do Natal.
            — Cara, desculpe... — Luís estava incomodado. — Será que você pode ir?
            — Tudo bem! — disse Fernando, mostrando um belo sorriso. — Vou deixá-lo em paz. Espero que seu namorado não te deixe aqui plantado a noite inteira, pois você não merece. Boa sorte!
            Assim, Fernando volta para o seu carro e some na escuridão da rodovia.
            Luís reacende a lanterna e tenta ligar para o celular de Rodolfo, mas não consegue. O rapaz sai do carro e anda para o campo à sua direita – havia um pequeno morro, onde, talvez, o sinal do celular tivesse uma maior intensidade.
            Sobre o morro, Luís enxerga melhor a luz vista por Rodolfo; mas também se dá conta de que, com certeza, aquela não era a luz da janela de uma casa. O que Luís via era uma espécie de fogueira, bem longe dali, como uma festa. Havia algumas pessoas em volta do fogo, caminhando em círculo. Também havia quatro tochas, formando um quadrado em volta do círculo.
            Preocupado com o que pudesse ter acontecido ao seu namorado, Luís desceu do morro e caminhou rumo ao local. Já próximo da fogueira, o rapaz pôde distinguir nitidamente todo o evento: oito pessoas faziam uma espécie de ciranda em volta das chamas, cantando em um idioma desconhecido para Luís – pareciam estar num transe, numa hipnose.
            No meio do círculo, Luís conseguiu enxergar Rodolfo. Ele estava deitado sobre uma tábua de pedra, com um punhal ensanguentado ao lado de seu corpo. Então, Luís percebeu uma mancha vermelha na mão do namorado – sangue.
            — Rodolfo! — gritou Luís, saindo do meio do matagal em direção ao corpo do namorado.
            Nesse instante, as oito pessoas se calaram. Dois homens seguiram exatamente na direção de Luís e o agarraram pelos braços.
            — Me soltem! — gritou o jovem. — Socorro!
            Mas Luís desmaio enquanto era carregado para a tábua de pedra e via seu namorado se levantar como se nada tivesse acontecido.
            Cinco minutos depois, Luís foi acordado por Rodolfo, que mostrava um sorriso largo. Rodolfo passou a mão sobre o rosto de Luís e removeu o pano que impedia o jovem de gritar.
            — O que você está fazendo? — perguntou Luís, consternado. — Que droga é essa?
            — Fique calmo, não vai demorar — pediu Rodolfo, com calma total. — Colabore com a gente e tudo ficará bem.
            — Rodolfo, o que é isso? — insistiu Luís. — Me solta! Me deixa ir embora daqui... O que você ‘tá fazendo?
            — Silêncio! — o garoto deu um tapa para calar o namorado.
            Em seguida, os dois homens voltaram, junto com as outras seis pessoas. Todos fitavam Luís seriamente.
            — Quem são vocês? — questionou Luís, choramingando.
            — Minha família — respondeu Rodolfo. — Eu não disse que você os conheceria? Pois, então!
            — O Rodolfo é um garoto e tanto — comentou uma mulher, no círculo. Ela tinha feições semelhantes às de Rodolfo. — Como mãe, tenho orgulho de vivenciar a passagem de meu filho à vida adulta.
            — Do que ela está falando? — perguntou Luís, irritado e, ao mesmo tempo, desesperado, tentando se livrar das cordas que o amarravam.
            — Somos de uma linhagem secreta — revelou Rodolfo. — Sempre que um de nós completa os vinte e um anos, participamos do ritual de passagem à vida adulta. E você é meu convidado especial!
            — Não quero participar desta merda! — reclamou o menino, sem mais lágrimas para chorar. — Me tira daqui! Você me enganou o tempo todo... Como fui imbecil!
            — Não te enganei! — respondeu Rodolfo, ofendido. — Eu amo você, de verdade! Mas o ritual exige isso... Sacrificar o primeiro amor em troca das benções dos deuses por toda a sua vida.
            — Que deuses, seu louco? — vociferou Luís, sem paciência. — Eu quero ir embora!
            — Chega de conversa, Rodolfo — disse um senhor no círculo. — É chegada a hora do ritual!
            — Não! — contestou Luís.
            — Certo, pai — concordou Rodolfo.
            O garoto segurou o punhal que estava ao lado de seu corpo e ergueu o instrumento, alinhando-o com o peito de Luís.
            — Eu vos ofereço o sangue do meu primeiro e verdadeiro amor — proferiu Rodolfo, de olhos fechados. Lágrimas escorriam por seu rosto. — Recebam este sacrifício como prova de minha devoção e lealdade. Espero por suas benções em minha vida e, em troca, serei eternamente fiel a vocês.
            A chama da fogueira se intensificou e ficou mais alta. O ar ficava mais seco e caloroso. Luís fechou os olhos para não ver aquilo. Mas, para sua surpresa, Rodolfo baixou o punhal nos pulsos do garoto, libertando-o das cordas.
            — Fuja daqui — ordenou Rodolfo, com os olhos marejados. — Corra o mais rápido que puder!
            — E você? — mas, assim que concluiu a pergunta, a mãe e o pai de Rodolfo o esfaquearam pelas costas. E o jovem caiu morto numa poça de seu próprio sangue.
            — O ritual chegou ao fim — comentou o pai de Rodolfo. —, mas você não vai embora!
            Luís correu o máximo que conseguiu, mas foi encurralado por um dos homens que o aprisionara no início. O brutamonte fez um movimento rápido com um punhal e cortou o pescoço de Luís.
            Quase se afogando em seu sangue, que gorgolejava na garganta, Luís continuou correndo em direção à rodovia. Sua força se esvaía pouco a pouco. Suas esperanças reviveram quando enxergou, ao longe, um foco de luz vindo da rodovia; alguém mexia no carro do seu namorado. À medida que se aproximava, conseguia enxergar com mais nitidez – era Fernando, o homem que oferecera ajuda e que Luís, por medo e desconfiança, não havia aceitado; mas o garoto estava amargamente arrependido por não ter aceitado a ajuda do desconhecido, pois poderia estar bem melhor que naquele instante.
            Sem pestanejar, Luís continuou caminhando, dando passos falsos, rumo à rodovia. Mas sua visão começou a embaçar, seus lábios ficaram secos, um gosto de ferro se apropriou de sua boca, um zumbido agudo começou a irritar seus ouvidos. Aquele era o fim. Ele precisava correr para que Fernando pudesse vê-lo e correr com ele para um hospital.
            Luís estava a cinco metros de distância de Fernando, mas não podia gritar porque estava com a boca cheia de sangue. Inesperadamente, uma escuridão tomou conta de toda sua visão.

            O garoto, infelizmente, havia caído num buraco escondido no meio do mato. A última coisa que conseguiu ver, ainda de dentro do buraco, foram os dois brutamontes da família de Rodolfo, jogando terra dentro do buraco. Luís foi enterrado vivo, sem esperanças, e sem uma segunda chance.