" Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva"
Globo.com |
25 de janeiro de
2015; aniversário da cidade de São Paulo.
A sétima cidade mais
populosa do planeta completa, hoje, 461 anos de idade. Mas, infelizmente, não
há motivo para que seus quase doze milhões de habitantes (segundo estimativas
do IBGE em 2014) comemorem a data. Um ano atrás, o nosso Sistema de
Abastecimento de Água Cantareira contava com 23,1% de sua capacidade; hoje, com
a cota do volume morto, o Sistema está com 23,7% abaixo de zero. Apenas com
essas informações já percebemos que não há o que comemorar (ou, ao menos, não
se deveria comemorar).
Mas hoje, enquanto
visualizava a minha rede social, vi uma série de postagens alegres pelo
aniversário da cidade, pelas coisas boas oferecidas pela cidade, por sua “velha-idade”;
é algo quase que encantador o modo como as pessoas estão se referindo à cidade –
a mesma cidade que vem passando por uma série de problemas que estão fora do
controle das autoridades públicas.
O descaso com a
população vem de todos os lados: saúde (filas de espera que demoram anos, falta
de equipamentos necessários, “sumiço” das verbas), transporte (“ciclovias”,
trânsito, Metrô com mau funcionamento), saneamento básico, direitos básicos
(água, energia), meio ambiente (frequentes quedas de árvores durante a época de
chuvas), e por aí vai. Ainda assim, São Paulo ganha de seus habitantes um belo “parabéns”
e inúmeros agradecimentos. Tudo bem... Você pode até dizer que a cidade não tem
culpa; mas nós temos! Fomos nós quem escolhemos a autoridade que a governa,
fomos nós quem escolhemos a autoridade que governa o estado, fomos nós quem
escolhemos a autoridade que governa o país. Então, sim, a cidade tem culpa,
porque nós somos a cidade.
Por conta da chuva na
noite da última quarta-feira, uma árvore caiu sobre a fiação da Estação
Elevatória de Água João 23, responsável pelo abastecimento de Taboão da Serra,
Embu, Itapecerica da Serra, Cotia e Jardim Arpoador; isso causou uma “pane” nos
equipamentos, o que fez com que a distribuição da água para esses locais fosse
interrompida. Porém, os moradores da região (cerca de 1,2 milhão de pessoas)
ficaram prejudicados até sexta-feira, quando a distribuição de água voltou ao
normal. Tudo por conta de uma árvore que caiu e demorou cerca de doze horas
para ser removida.
Estamos sem saída;
não há o que fazer: quando não estamos sem água, estamos sem luz e, geralmente,
estamos sem os dois serviços. A gente sabe (ou deveria saber!) que, de fato, a
água vai acabar; e isso vai afetar a vida de todos os habitantes da cidade;
indústrias mudarão suas localidades; shoppings, escolas e universidades, muito
provavelmente, terão de fechar as portas, pois são locais que exigem muito o
uso da água. Mas a gente atribui os erros ao governador (quando se atribui) e
espera os milagres de Deus (ou de São Pedro); quando deveríamos ter cobrado do
governador e não esperar por Deus ou milagres.
Acredito que boa
parte da população esteja comemorando o aniversário da cidade por não ter ideia
da crise em que nos encontramos; a população ainda está confortável. Precisamos
mudar nossos hábitos urgentemente! Com o calor que estamos enfrentando nos
últimos dias, não nos preocupamos se vamos gastar mais água ou não ao correr
para comprar piscinas ou tomar diversos banhos demorados no dia; o Carnaval
está chegando e vai abafar, mais uma vez (vide a Copa do Mundo, ou as
eleições), toda a crise pela qual estamos passando. Há países na Europa em que
o uso da água não passa de sessenta litros por pessoa por dia; enquanto, aqui,
no Brasil, há locais onde se registra mais de quatrocentos litros por pessoa
por dia. Se continuarmos atribuindo a culpa aos governantes e não mudarmos,
será tarde demais.
Assim, povo
paulistano, certifique-se de que não há o que comemorar – ao menos, não, por
um bom tempo. Talvez, a nossa cidade vire uma cidade fantasma daqui a alguns
anos (nada é impossível; afinal, achávamos que nunca passaríamos pela crise a
qual estamos enfrentando). A festa oferecida, hoje, à população, nada mais é do
que um agrado, um “cale-se porque estou-te dando um dia inteiro de lazer,
cultura, água, ener...”; opa! Exceto água, água não!
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