sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O Diabo: a criação de um implica na inexistência de outros.

            Muitas culturas acreditam em demônios, mas o Demônio (com letra maiúscula) é muito bem conhecido como o inimigo de Deus: ele é, a princípio, uma criação do Cristianismo.
            Geralmente, o Diabo é descrito como um anjo que perdeu sua luz, ou está associado com a serpente do Gênesis. Mas em Revelações, João viu o Diabo não como uma serpente, mas como um grande dragão de várias cabeças. Desde então, nestes quinze séculos, o Diabo se transformou na figura conhecida de hoje.
Estátua de Pã
            Algumas representações do deus grego da fertilidade, Pã, auxiliaram na construção do personagem conhecido atualmente: o Diabo adquiriu chifres, cascos, orelhas pontudas e um rabo – foi descrito como metade bode e metade homem. Essa descrição, contudo, bate com a descrição dos sátiros – criaturas da mitologia grega que são metade homens e metade bodes.
            O tridente de três pontas atribuído ao Diabo é o mesmo tridente de Poseidon, o
Estátua de Poseidon
deus grego dos mares. O tridente era utilizado como uma poderosa arma capaz de agitar as águas furiosamente – no épico A Odisseia, Poseidon era inimigo do herói Odisseu, e quebrava os seus navios frequentemente, fazendo com que o herói tivesse de voltar para casa.
            A cor de pele avermelhada que costumamos ver veio de Set, a entidade “maligna” egípcia. Set era o deus das tempestades, da escuridão e do caos – os gregos associavam Set com Tifão, a serpente monstro e deus da destruição.

Pintura de Set

            Até mesmo o nome do Diabo mudou no decorrer das eras: Mamon, Belzebu, Baal, Amon, Leviatã; todos, nomes que foram associados a Satã em algum momento da história. Embora esteja associado a várias entidades Pagãs e conhecido por diversos nomes, o nome mais conhecido do Diabo ficou conhecido no século cinco, após uma tradução equivocada de Isaias 14, feita por Jerônimo: Lúcifer.
            No fim do século treze, Lúcifer foi associado ao pecado do orgulho, sendo parte dos Sete Pecados Capitais. Acreditava-se que ele era um dos poderosos sete príncipes demônios que controlavam suas próprias legiões na guerra entre Céu e Inferno. A maior parte das obras literárias ajudou a estabelecer Lúcifer como o nome mais famoso do Diabo.
            A Divina Comédia, de Dante Alighieri, escrita no início do século catorze, esboçou a visão particular do autor sobre o Inferno, dividido por níveis – baseados nos Sete Pecados Capitais; cada nível era propriedade de um demônio, embora Lúcifer não fosse apenas um príncipe demoníaco, mas o imperador do Inferno. Dante imaginou o Diabo tremendamente feio e alto (passando, até mesmo, dos gigantes), com grandes asas batendo, três rostos com cores diferentes (vermelho, amarelo e preto), com cada uma de suas três bocas mastigando as almas das pessoas más.
Yama
            O épico de Dante se tornou uma das obras mais influentes entre os Cristãos, influenciando e moldando amplamente a forma como eles enxergavam o Inferno e o Purgatório. E as descrições de Lúcifer continuaram mudando; ele já não era retratado como um monstro preto ou vermelho, mas um monstro azul; a vítima da vez era Yama, o deus hindu da morte. A cor azul representava a perda da luz divina de Deus.
            Em 1677, Paraíso Perdido e Paraíso Reconquistado, publicações de John Milton, fortaleceram a ideia de Lúcifer como o líder dos anjos caídos e atribui-lhe o nome oficial de Satanás, o arqui-inimigo de Deus. Milton transformou Lúcifer em um guerreiro poderosíssimo e carismático, preocupado em destruir o homem (como vingança por seu exílio); Milton fez de Lúcifer um tipo de herói romântico – sua queda é extremamente humana e compreensível por qualquer um; ele é rebelde e orgulhoso, e, em troca, perde tudo o que ele valoriza.
Diabo, retratado
como um judeu
            À medida que o tempo passava, a imagem do Diabo foi invocada repetidamente, como forma de menosprezar ou demonizar os inimigos – ainda mais se tratando de religiões concorrentes. Durante o século dezenove, o Diabo foi retratado como um judeu com um grande nariz curvo; tanto as sinagogas judaicas como as muçulmanas eram tidas como templos de Satanás.
            Hoje, para alguns, Lúcifer não representa a rebeldia e a maldade, mas a sabedoria, o conhecimento e a iluminação, livre das algemas das superstições e dos dogmas religiosos. Lúcifer se tornou um tipo de Prometeu, que trouxe conhecimento à humanidade, permitindo que os homens se tornassem semelhantes aos deuses. Ele é uma figura de liberdade e de avanço pessoal. Ele é o Portador da Luz, que traz a luz do conhecimento científico para o mundo mergulhado nas trevas das superstições que asfixiam dia-a-dia.

            Mas, para a maioria das pessoas, o Diabo ainda é a fonte de todo o mal existente, e elas esperam, temerosas e ansiosas, pelo dia em que Deus retornará à Terra para acabar de uma vez por todas com o seu inimigo mortal.
Estátua de Lúcifer

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