Capítulo 4 – Refúgio
— Então você está namorando... —
questionou Felipe ao saber que a prima estava “enrolada” com um amigo da
escola. — O Otávio é o menino mais idiota da escola, Lu!
— Ai, Fê, não fala assim! — Luciana
sorria enquanto conversava. A menina tinha 17 anos e já estava no último ano do
ensino médio. — O Otávio é um dos meninos mais bonitos da escola.
— Sério? — Felipe virou os olhos em
desaprovação. — Mas a vida é sua, né?
— E por que a visita inesperada? —
questionou Luciana, desconfiando da visita do primo — Está cabulando aula hoje?
— É. E você também — riu Felipe. —
Eu não estava afim de aguentar aqueles professores hoje. O Zé me deu nota baixa
na prova de Literatura.
— Sério? Nossa... Nunca fiquei com
nota vermelha na matéria dele — comentou a garota. — Acho que ele “passava um
pano” pra mim.
— Ele é um filho da puta! — reclamou
o menino, franzindo o cenho.
— O meu pai comprou um ultrabook pra mim — disse Luciana. — Mas
não faço ideia de como usar isso... ‘Tá cheio de programas estranhos que nunca
vi na vida.
— Sério? Ganhei um dos meus pais no
meu aniversário — contou Felipe.
— Ai, Fê... Desculpe por não ter ido
à sua festa — pediu Luciana. — Eu saí com o Otávio; fomos ao shopping ver
aquele filme novo.
— Tudo bem — disse Felipe. Mas não
estava tudo bem; Luciana, além de prima, era a sua melhor amiga. Não vê-la em
sua festa causou-lhe uma grande tristeza momentânea. — Mas, como eu dizia, eu
tenho um ultrabook também; se quiser,
posso ajudar você.
— Vou pegar, então — Luciana saiu do
quarto para buscar o aparelho na sala. Quando voltou, ligou o ultrabook numa tomada e entregou-o no
colo do primo. — Pode ligar...
Felipe ligou o aparelho e deu uma
breve olhada na área de trabalho: programas de edição de imagens, vídeos e
textos, navegadores para a internet, comunicadores instantâneos e, para a
surpresa do menino, o Messorem.
— Que porra é essa? — Felipe sentiu
um arrepio na espinha.
— O quê? — perguntou Luciana, sem
entender o que o primo quis dizer com aquela indagação.
— Como conseguiu esse programa? — o
menino apontou na tela o ícone em forma duma gadanha.
— Não sei... Acho que veio instalado
— comentou a garota. — Por quê?
— Nada — Felipe preferiu não
comentar nem abrir o programa enquanto estava ao lado da prima. — É que é um
programa pago que serve para piratear outros programas.
— Ah... — Luciana fingiu que
entendeu enquanto pegava algumas roupas no guarda-roupa. — Vou tomar banho.
Você me espera? Daí você me explica algumas coisas... Preciso configurar esse
computador.
— Tudo bem — concordou Felipe.
Logo que Luciana saiu para o banho,
Felipe clicou no ícone do Messorem
para abrir o programa.
Quando o programa abriu, a interface
exibiu a mesma coisa que o computador de Felipe exibia – uma guia denominada Nomina. O menino clicou pensando que,
talvez, haveria outros nomes ali.
Será que Luciana também era aprendiz?
Mas a raiva de Felipe veio à tona
quando a listagem de nomes surgiu na tela:
Luciana
Pêra do Vale
Gabriele Fontana
Otávio Macedo
Edivânia Costa da Silva
José Fernandes de Abreu
Marta Vicentini Ferraz
Julio Vicentini Ferraz
Porém, desta vez, o nome de Luciana
estava em negrito. Foi só aí que Felipe se deu conta de que a Luciana da
listagem era a sua prima. Mas ele ainda não entendia como a mesma listagem do
seu ultrabook aparecia ali, no
computador de sua prima.
Quando ouviu alguém se aproximar no
corredor, Felipe fechou o programa e abriu uma página da internet para
disfarçar.
— Voltei — disse Luciana, com uma
toalha enrolada no cabelo. — Conseguiu alguma coisa?
— Ah... Está faltando alguma
atualização no seu sistema — mentiu Felipe. — Posso levar o seu ultrabook e atualizar?
Por um breve segundo, Felipe
percebeu como mentira sem ter planejado e aquilo saiu muito bem.
— Tudo bem — concordou Luciana. —
Vou ter que sair mesmo; o Otávio me ligou agora. Ele quer me encontrar.
— O Otávio? — o menino ficou
enciumado; não sentia amor pela prima, mas não gostava quando ela o trocava por
alguém (ainda mais quando esse alguém era o Otávio!). — Eu estou avisando...
Você vai-se arrepender de “dar bola” para esse moleque.
— Ele não é um moleque — corrigiu
Luciana. — Você é; tem só 15 anos!
A garota riu e abraçou o menino.
— Não fique com ciúmes... — pediu
Luciana. — Um dia, você vai gostar do Otávio e vai perceber o quanto ele é
legal!
— Acho melhor não — garantiu Felipe,
com uma cara séria. — Então, vou nessa. Trago o seu computador até o fim da
semana; prometo.
— Sem problemas; não estou usando
ele — respondeu Luciana, mal prestando atenção no primo.
Sem querer insistir ou demonstrar
raiva pela atitude da prima, Felipe pegou a sua mochila e foi embora.
Quando virou a esquina, Felipe notou
que estava sendo seguido. Entortou o pescoço e olhou para trás; era o sedan
preto outra vez.
— Mas que droga! — o menino correu
até o carro e deu um soco na janela do motorista.
— Você está louco, moleque? —
questionou um homem quando a janela do carro se abriu. Não era o homem
desconhecido; aliás, era um desconhecido, mas não aquele pelo qual Felipe
esperava.
No banco de trás do carro, havia uma
menininha choramingando assustada.
— Ah, vai se ferrar! — Felipe virou
as costas e saiu andando.
Mais tarde, enquanto jogava um jogo
no seu computador, Felipe parou para olhar a rua pela janela do seu quarto. E
ele já imaginava quem estaria ali, à sua espera: o homem misterioso com o seu
sedan preto.
Felipe desceu o mais depressa que
pôde (praticamente, saltou pelas escadas do primeiro andar para o térreo);
abriu a porta da sala com grosseria e correu em passos pesados até o carro estacionado
do outro lado da rua:
— Por que você não me deixa em paz? —
questionou Felipe. Por mais angustiado que se sentisse, não havia tensão no seu
olhar.
— Calma, rapaz — pediu o homem,
enquanto saía do carro. — Você ainda não aceitou o seu destino. Aceite-o e você
se verá livre de qualquer sofrimento.
— Sofrimento? — indagou Felipe. —
Acha que estou sofrendo pelo que fiz com o Eduardo? Fiquei sabendo que
encontraram o corpo dele e que desconfiam de assalto à mão-armada. Não tenho
nada a ver com isso.
— Muito pelo contrário — comentou o
homem. — Você tem tudo a ver com isso; e é disso que você precisa ter orgulho.
Você exerceu uma tarefa com muito sucesso, Felipe.
— Você vendeu aquele computador para
a minha prima? — perguntou o menino, curioso.
— Não... Ainda sou apenas um
Ceifador; não um vendedor — brincou o homem. — Aquilo é o seu destino chamando
por você. Atenda ao chamado, menino.
— Atender ao chamado? — questionou
Felipe. — Se eu atender a essa merda, você sabe quais serão as minhas últimas
tarefas?
— Todo trabalho tem os seus maiores
desafios, garoto — disse o homem, sorridente. — É com os maiores desafios que
nos tornamos mestres no nosso trabalho. É sempre assim!
— A Luciana também está na
listagem... Ela é a próxima! — contestou Felipe.
— Ela será um preparo para os seus
desafios finais, Felipe — avisou o homem. — Ultrapasse esse limiar e não haverá
mais limites para você!
— Não é tão fácil como acha —
respondeu Felipe.
— Você esqueceu que eu também sou um
Ceifador e que eu já fui um aprendiz? — lembrou o homem, apoiando a sua mão
sobre o ombro esquerdo do menino. — Felipe, eu não me tornei um mestre do dia
para a noite assim como você não se tornará. Mas, a partir do momento que você
parar de pensar e agir, tudo vai ficar mais simples.
— É... Eu sei — revelou o menino. —
Foi assim com o Eduardo. Mas, agora, isso se trata da Luciana; a gente tem um
relacionamento.
— Vocês tinham — corrigiu o homem. —
Você, agora, é outra pessoa, Felipe. Você é o Aprendiz da Morte.
— De qualquer forma, eu deixei
passar uma oportunidade — por um instante, aquele pensamento assustou Felipe. —
Eu estava até agora com a Luciana e não fiz nada.
— Garoto, vamos lá... — o homem
sacudiu Felipe. — Você quer ou não quer ser um Mestre da Morte?
— É claro que eu quero! — os olhos
do menino brilharam num vermelho-sangue.
— Mãos à obra, então! — disse o
homem. — Entre no carro. Vamos buscar as suas coisas.
Felipe, então, entrou no carro; o
homem o levou embora para o seu refúgio a fim de preparar o garoto para mais
uma tarefa; para a ultrapassagem doutro limiar.
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