Trabalhar num C.C.A. (Centro para
Crianças e Adolescentes), definitivamente, não é fácil; mas é absurdamente bom
para o crescimento pessoal. Uma das melhores coisas, nesse trabalho, é que eu
consigo tirar um aprendizado de tudo – tudo mesmo!
Como orientador socioeducativo, o
maior presente que ganho é a confiança de cada uma daquelas crianças e daqueles
adolescentes. Saber que eles acreditam no meu trabalho é o que direciona as
minhas atitudes lá dentro.
Na última quarta-feira, fui pego de
surpresa por um dos meninos, que me disse que sairia do C.C.A.; como estamos
sempre brincando e caçoando um do outro, achei que era uma brincadeira e soltei
um riso. Imediatamente, ele me disse que era verdade, que ele se mudaria no fim
de semana (amanhã) e, por conta disso, não poderia mais ir ao C.C.A.
No momento, não fiquei com aquilo na
cabeça; mas, ao chegar em casa, não parei de pensar naquilo. Há cerca de um
mês, uma das meninas da minha turma fez o desligamento pelo mesmo motivo:
mudança de casa. Com isso, comecei a pensar e perceber que o nosso tempo (o meu
tempo) ali é pouco. Quando menos percebemos, o tempo já passou e algo
aconteceu.
Na quinta-feira (ontem), peguei um
pincel e comecei a desenhar no quadro branco. No alto do quadro, escrevi “O que o C.C.A. significa para mim?”;
depois, comecei a utilizar todo o espaço do quadro para ilustrar o significado
do C.C.A. na minha vida.
Minha ilustração. |
Quando eu saí do meu antigo emprego
e fui convidado para ingressar na equipe de trabalho do C.C.A. Parque Mandy,
fiquei muito empolgado – eu queria muito fazer parte das vidas daquelas
crianças e aprender com elas. Então, expliquei o significado do C.C.A. para
mim: um espaço que, embora fechado, é aberto simbolicamente, pois permite a
cada um que está lá o conhecimento do novo, o aprendizado, as oportunidades, a
recuperação do passado, a vivência do presente, o vislumbre do futuro.
Expliquei que há vidas no C.C.A. (centenas de vidas) e há vivências.
Feito isso, pedi que cada criança
também fizesse o mesmo e desenhasse o que o C.C.A. significa para cada uma; e o
trabalho rendeu.Ilustrações das crianças. |
Contudo, quando chegou na vez do D. (o
menino que avisara que sairia do C.C.A.), fiquei muito surpreso. Enquanto todas
as crianças utilizavam apenas o canto do quadro para desenhar, o D. começou
desenhando no centro do quadro branco e expandiu o seu desenho para todo o
quadro; fez um menino (!) segurando um pincel e pintando uma linda paisagem
numa tela de pintura. O desenho tomava conta do quadro todo. Não comentei nada,
apenas fotografei todas as ilustrações.
Hoje, contudo, percebi certa
inquietação do D.; provavelmente, por ser o último dia dele no C.C.A.. Ao fim
das atividades, levei toda a turma para uma sala e comecei a falar:
— Para quem não sabe, hoje é o último dia do D. aqui no C.C.A. — lembrei
ao restante da turma. — Mas eu queria comentar algo sobre ontem... Quando pedi
que vocês desenhassem o que o C.C.A. significa para cada um, vocês ficaram
muito contidos; mesmo eu tendo dito que poderiam utilizar o quadro inteiro.
Porém, o D. começou a desenhar e me surpreendeu ao preencher todo o quadro com
o desenho dele, além de ter me emocionado ao ver que ele estava no próprio desenho.
As
crianças me olhavam sem compreender direito o que eu queria dizer com aquilo.
—
Eu quero dizer que vocês devem fazer o mesmo que o D. fez, porém, com as vidas
de vocês — comentei. — Não deixem alguns momentos da vida passarem direto por
vocês; aproveitem a vida por completo; aproveitem tudo o que puderem
aproveitar; agarrem todas as oportunidades que surgirem. O tempo é muito
incerto e, quando nos damos conta, ele já passou e não pode mais ser
recuperado. Eu queria muito que as 33 crianças desta turma ficassem comigo até,
um dia, eu sair daqui; mas isso é impossível! Inevitavelmente, vocês também vão
sair daqui; se não for por mudança, será porque atingiram a idade máxima
permitida aqui dentro, aos 14 anos e 11 meses. E, daí, eu vou ter de recomeçar
todo o trabalho com novas crianças... Será difícil, mas vai ser muito legal.
Algumas
das crianças começaram a chorar nesse momento. Mas eu prossegui:
—
Olhem só: em sete meses de trabalho com vocês, nós evoluímos muito! Nós
crescemos e só conseguimos isso porque trabalhamos juntos — lembrei-os. — Vocês,
hoje, olham mais uns para os outros no sentido de atentar-se e preocupar-se com
o outro; vocês, hoje, reconhecem os sentimentos que há em vocês e assumem esses
sentimentos. Imaginem o quão amedrontador e angustiante deve ser mudar-se de
casa? O medo do desconhecido é normal e ajuda muito no nosso crescimento; e
isso fica melhor quando vocês passam a admitir esse medo. D., eu vejo, em você,
um futuro brilhante e uma vida repleta de oportunidades; e vejo isso em cada um
de vocês aqui porque eu amo muito vocês. Mas a gente não vai ter todo o tempo
do mundo pra ficar junto e, por isso, repito o que eu disse: aproveitem todos
os momentos, aproveitem a vida por completo!
A
minha vontade era de chorar; deixei as lágrimas caírem, pois tenho essa relação
de verdade com as crianças – não escondemos os nossos sentimentos entre nós.
Pouco
tempo depois da conversa acabar, comecei a dispensar algumas das crianças, pois
já havia chegado a hora de saída. Nisso, o D. comentou:
—
Eu não quero ir embora, Júnior.
Eu
só pude olhar pra ele e sorrir. Falei o quanto ele é especial e o quanto essa
mudança pode ajudar na vida dele se ele souber aproveitá-la. Ele, então, pediu
para ser o último a ir embora (ele é sempre o primeiro).
Quando
todas as crianças já haviam ido embora, ele chegou perto:
—
Bom, estou indo — então, ele pulou para me abraçar (como costuma fazer quando
quer me atentar). — Tchau, obrigado!
Daí,
eu vejo o quanto o meu trabalho é recompensador e importante: a minha função me
permite ajudar essas crianças e ajuda-las a enxergar o mundo duma maneira
inédita para elas. E é assim que deveria ser com todo o mundo.
Trabalhar
num C.C.A., definitivamente, não é fácil; mas é absurdamente bom para o
crescimento pessoal.
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