sábado, 16 de agosto de 2014

"Os bebês sabem nascer e as mulheres sabem parir!"



Há quarenta e uma semanas e três dias eu acompanho a gravidez dela, minha irmã. Junto, um desejo e uma vontade imensa de quebrar um tabu existente na sociedade - que outrora foi tão comum: o parto normal. Durante todo esse tempo, ela estudou sobre o assunto, sobre seus benefícios e, até mesmo, sobre tudo o que já falaram contra. Ainda assim, ela continuou firme em sua escolha.

Optando pelo parto normal e humanizado, ela enfrentou no início o próprio esposo, meu cunhado, que com o tempo percebeu o quão benéfico seria para a criança que viria e para ela - no fim, ele percebeu o quão benéfico foi para ele também. Ganhou o apoio e o incentivo dos irmãos, que compreenderam que aquele desejo dela não era uma simples "modinha", mas uma vontade profunda de dar a sua criança o que ela merecia, de proporcionar uma chegada tranquila. Ela também precisou esconder a sua escolha. Não por egoísmo, mas por proteção ao próprio desejo - o parto normal é visto como algo anormal, e o parto humanizado é visto como algo insano. Ela enfrentou tudo isso, do início ao fim.

Firme em sua escolha, ela pesquisou muito. Contratou uma doula - aquela que proporcionou suporte físico e emocional durante todo o processo da gravidez e do parto. Contratou parteiras - conhecidas atualmente como obstetras, que foram absolutamente importantes no trabalho de parto, proporcionando uma estrutura incrível dentro do ambiente familiar. Minha irmã, a Thais, percebeu que não estaria desamparada e que poderia prosseguir com sua escolha até o final - ou início.

Logo - nem tão logo assim -, ela descobriu que o bebê que carregava em seu ventre era um menino. É o Isaac. E mais alegrias vieram a partir de então. Os estudos sobre o parto humanizado eram inacabáveis, e não só por parte dela, mas também por parte do esposo e de nós, irmãos. Sempre conversávamos sobre o assunto. E ansiávamos pela chegada do Isaac.

Próxima do fim da gravidez, aproximadamente na trigésima nona semana, foi solicitado uma ultra-sonografia. Quando chegou ao laboratório, foi questionada de quantas semanas estava. Respondendo o que lhe foi questionado, logo a repreenderam por estar ali, e não em uma maternidade. No exame, foi diagnosticado que ela estava com baixo nível de líquido amniótico, placenta de grau III - grau máximo de maturidade - e uma notável circular de cordão - quando o cordão umbilical está enrolado no pescoço do bebê. Isso a deixou transtornada. Como meu cunhado estava no trabalho, e longe, nós - eu, meu companheiro e minha outra irmã - demos um jeito de pegar o carro e levá-la em outro laboratório, para ela fazer outra ultra-sonografia. Lá, ao contrário do primeiro lugar, ela nem citou nada sobre o tempo de gestação, e nem sobre o resultado do exame anterior. O médico que a atendeu, fez o exame. Resultado: nenhuma circular de cordão e nível de líquido amniótico adequado.

Ficamos muito emocionados com o resultado, mas estarrecidos com o sistema. Sistema, este, das intervenções cesarianas. Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2013, os partos normais ocorridos no SUS (Sistema Único de Saúde) correspondem a 63,2%, enquanto que a porcentagem dos partos normais em hospitais particulares chega a menos de 20%. Com isso, o Brasil chega ao topo do ranking mundial de intervenções cesarianas. O problema, é que muitas dessas intervenções são desnecessárias - agendadas para o nascimento em dia específico, para conforto dos médicos e dos pais, para não sofrer dores, ou mesmo por manipulação dos médicos, que induzem a mãe à escolha pela intervenção, colocando dezenas de empecilhos que, se estudados, não impedem em nada o nascimento por parto normal. No Brasil, a intervenção cesariana é a prioridade e a indicação dos médicos, enquanto que o parto normal é considerado o anormal da história. E o que aconteceu com minha irmã, provou que esse sistema existe.

Passada a preocupação, começaram os preparos para o tão esperado momento - o momento do bebê, pois ele chegaria quando quisesse. E assim foi. Os pródromos - o "pré trabalho de parto", quando as contrações são muito irregulares e espaçadas, mas preparam a gestante para o trabalho de parto - se iniciaram por volta da trigésima sétima semana e duraram até a quadragésima primeira semana, ou seja, quatro semanas de contrações irregulares. Mas a Thais permaneceu firme. Embora alertada sobre os problemas de outras pessoas assistirem o parto - como a demora para engrenar no trabalho de parto -, ela ainda quis que eu e minha irmã víssemos.

Na terça-feira à noite, fomos avisados que ela estava com contrações menos espaçadas. Nesta noite, não dormimos. Às 5:30 da quarta-feira fomos para a casa dela - eu, para fotografar, e minha irmã para assistir. Ficamos o dia todo lá, auxiliando junto ao meu cunhado, o Fábio, e à doula - que teve uma participação sem fim nesse processo. Trocávamos cochilos, para ajudá-la e marcar as contrações. Mas não foi. Às 2:00 da quinta-feira, a parteira - que havia sido chamada para verificar o andamento da coisa - pediu que fossemos para casa, pois isso estava dificultando que ela engrenasse, de fato, no trabalho de parto. Assim, fomos embora, compreendendo a situação.

A quinta-feira foi de ansiedade. O tempo todo com o telefone na mão, esperando alguma mensagem ou ligação. Mas nada. Esquecemos que era o tempo do Isaac, e não o nosso.

Na sexta-feira, pela manhã, minha irmã - que esperava ansiosa, como eu - me mandou uma mensagem, dizendo que a Thais já estava com nove centímetros de dilatação. Pouco tempo depois, às 15:00, ela me ligou e disse que o Isaac havia nascido. Não vi nada na minha frente, o que fiz foi calçar os tênis e sair pra rua. Fomos para a casa dela. Chegando lá, encontramos as duas parteiras e a doula, e as agradecemos muito por tudo. Vimos manchas de sangue no chão da cozinha, sacolas com panos sujos e muito papel ensanguentado, e todo o equipamento das parteiras - devidamente paramentadas, para não deixar a mãe e o bebê na mão em casos de emergência. Fomos ao quarto. À meia luz, na cama, estava a Thais. Em seu colo, o Isaac dormia, envolto em uma coberta. O Fábio, meu cunhado, observava os dois, e era possível ver em seus olhos a satisfação daquele momento.

Abracei o Fábio e o parabenizei. Parabenizei-o por ter sido forte desde o início da gravidez e ter apoiado a minha irmã em sua decisão. Ele chorou, disse que queria muito que eu e minha irmã estivéssemos ali, no momento do nascimento, mas falamos que não tinha problema, que estávamos ali em pensamento, pois entendíamos a grandiosidade da situação e de quanto o momento era para eles dois. Beijei a Thais e a parabenizei pela força, também. Por último, vi o Isaac.

Quando olhei para aquele principezinho, meus olhos enxeram de lágrima. Lembrei da força inesgotável da minha irmã durante todas as contrações sofridas. Fiquei imaginando, se a minha emoção e satisfação era grande, quão grande seria a satisfação deles? Dar a luz em casa, no conforto do seu lar, se alimentando na hora em que quiser, tomar banho na hora em que quiser, vestir-se com a roupa que quiser - e se quiser se vestir -, ter a companhia um do outro durante todo o tempo, ficar na posição em que melhor se encontrar, ficar no ambiente com a luz que achar mais confortável. É tudo muito incrível. É, de fato, renascer. O Isaac pôde ficar ali, ao lado da mamãe, por todo o tempo. O Fábio pôde ficar ali, sem ter que ficar na angústia de esperar ela voltar para o quarto, nem ficar horas sem comer. Nós, a família, pudemos visitá-la e vê-los, todos juntos, sem esperar a outra visita sair do quarto.

Não digo que a intervenção cesariana deva ser abolida, porque ela é totalmente útil, mas quando necessária. Ela é útil em casos de emergência, onde a não opção por ela pode causar até a morte do bebê ou da mãe. Mas eu digo que tudo deve ser repensado. Que o parto normal e, quem sabe, o humanizado, devam ser conhecidos por todos aqueles que querem ter filhos. Tudo está bem, e acho que se fosse em um hospital não poderia ter ficado assim, não de forma desnecessária.

A mulher precisa redescobrir a força e a capacidade que possui. E a sociedade precisa apoiá-la, e não jugá-la. Chega de medos, de incertezas... Vamos olhar para o futuro e redescobrir o passado!

É como a gente vem ouvindo durante toda a gestação, e pudemos concluir ao final: "Os bebês sabem nascer e as mulheres sabem parir!". 

3 comentários:

  1. Parabéns a família..... muito bom o exemplo a todos....

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  2. lindo texto!!!
    só uma pequena correção, obstetriz é o nome das "parteiras" as quais se referiu.
    parabéns, bjks.

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    1. Oi, Cuca, obrigado!

      Obrigado pelo toque... Na verdade, eu já conheço o termo "obstetriz".
      Utilizei o termo "parteira" por dois motivos:
      - o primeiro, é que a própria profissional, Ana Cristina Duarte, coordenadora do GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), utiliza o termo em sua página da internet;
      - depois, porque acredito que a palavra "parteira" carregue uma carga negativa, por todo o histórico e contexto (geralmente, quando se fala em parteira, as pessoas pensam naquela mulher que chega na casa da grávida, com uma assistente, solicita as toalhas quentes, tesoura etc. Acho que até por isso exista o preconceito contra o parto humanizado, o parto em casa.

      Enfim, foi por conta disso. Mas agradeço o comentário!
      Beijos

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