domingo, 6 de setembro de 2015

Unspoken: Minha pequena luz, eu vou deixar brilhar

     "Unspoken: A story from the underground railroad" (Sem falas: Uma história da rota clandestina) é uma história do escritor Henry Cole, o qual, sem utilizar a linguagem verbal, conta sobre uma menina que tem a sua coragem testada ao descobrir um intruso escondido na fazenda onde ela vive.

     Numa disciplina da faculdade (Semântica e Discurso da Língua Inglesa), o professor propôs, como atividade, que criássemos uma história escrita para estas imagens. Fiz, então, além da história em língua inglesa, uma versão em língua portuguesa para compartilhar com os leitores do blogue; leiam-na a seguir.




     Durante a Guerra Civil Americana, havia uma família vivendo numa fazenda no interior do estado do Kentucky. A família era constituída por quatro membros: o Velho Macdougal era o proprietário junto à sua esposa, a Sra. Mirth; mas, lá, também viviam a sua sobrinha Dorothy e a sua neta Abigail. A Fazenda do Velho Macdougal era conhecida por todos na região.


     Certo dia, enquanto levava a vaca Mimosa para pastar acompanhada pelo seu bichano Freddy, Abigail avistou alguns homens estranhos montados em seus cavalos entrando na propriedade da fazenda. Eles estavam armados e vestidos com roupas esquisitas; o primeiro da fila segurava uma bandeira com uma espécie de "X" azul desenhado sobre o fundo vermelho.



     Abigail, Mimosa e Freddy ficaram parados assistindo os homens indo embora e percorrendo todo o perímetro da fazenda.
       ― Mas que gente esquisita! ― Abigail comentou com seus amigos animais, que não lhe responderam. ― Pobres cavalos... Não deve ser fácil aguentar aqueles homens com aquelas roupas pesadas.




      Então, a menina deu continuidade às suas tarefas. Todo dia, Abigail ajudava a avó e a tia com os animais da fazenda: pela manhã, a menina levava a vaca Mimosa para pastar; depois, alimentava o galo e as galinhas e, por fim, pegava algumas batatas no armazém para levar à vovó Mirth.
     O que Abigail mais gostava era de alimentar as galinhas. A menina adorava estar rodeada pelos bichinhos. 



      Porém, naquele dia, enquanto alimentava as galinhas, Abigail foi interrompida pela tia Dorothy:
      ― Querida, busque algumas batatas no armazém para mim! ― pediu Dorothy. ― Preciso fazer a sopa do jantar.



      Para a menina, o armazém era um dos lugares favoritos da fazenda: era escuro e carregava um ar misterioso; ela e Freddy brincavam muito ali. A menina largou o saco de milho e correu para o armazém com o seu bichano.



      Enquanto escolhia as melhores batatas para a tia Dorothy, Abigail ouviu algo estranho. O barulho vinha do monte de talos de milho jogado no canto do armazém; as folhas farfalhavam enquanto Freddy cheirava pelas beiradas.
       Preocupada, Abigail se virou para tentar observar melhor o monte de talos.



       Para o horror da menina, havia algo de estranho ali.
     Ela se aproximou mais do monte de talos de milho para tentar enxergar melhor: sim, havia alguém no meio daqueles milhos olhando diretamente para a menina – os olhos eram castanhos e carregavam um misto de curiosidade e pavor.



      A menina, desesperada e assustada, correu para fora do armazém com o bichano Freddy. Ela corria afoita, olhando para trás, com medo de ser seguida.



      Quando chegou à soleira da porta de casa, Abigail largou o cesto com as batatas (que se esparramaram pelo chão!) e parou para recuperar o fôlego. Ela estava totalmente apavorada.



      Mais tarde, quando o jantar já estava servido, Abigail ainda estava preocupada; ela não havia saído mais de casa durante o resto do dia. À mesa, com a sua família, mal se concentrava na oração de agradecimento.



     Então, quando o Velho Macdougal, a vovó Mirth e a tia Dorothy foram dormir, Abigail pegou um lampião e saiu escondida para fora da casa. Na noite fria e escura, a menina carregava um pedaço de pão enrolado num tecido xadrez.



      Com a curiosidade bem maior do que o seu medo, Abigail logo começou a conversar com a pessoa que se escondia ali. Foi quando ela descobriu que era um jovem homem negro:
      ― Por que você está escondido? ― perguntou a menina.
      ― Porque tem gente má querendo me pegar ― respondeu, com o estômago roncando.



      Abigail voltou para casa, ainda escondida, para tentar ajudar aquele homem. Viu a vovó Mirth tricotando (ou dormindo!) e aproveitou o momento.



       Aproveitando que ninguém estava por perto, Abigail conseguiu pegar tudo o que pôde na cozinha: um pedaço de torta, uma batata cozida, um pedaço de bolo de aipim e uma coxinha de frango; embrulhou tudo em pedaços de tecido xadrez e levou para o homem escondido.



      Na manhã seguinte, após passear com a vaca Mimosa, Abigail ouviu um barulho familiar enquanto dava água para o animal; eram barulhos de cascos farfalhando o gramado do pasto.



      Curiosa como sempre, a menina correu para trás do celeiro e bisbilhotou: eram aqueles mesmos homens estranhos do dia anterior, montados em seus cavalos e vestidos com aquelas roupas esquisitas. Os homens aguardavam à frente da casa.



      Abigail se escondeu no porão da casa e aproveitou para espiar através do buraco duma portinhola que dava acesso à cozinha:
      ― Então o senhor não tem nenhum escravo refugiado aqui? ― interrogou um dos homens. ― Sabe que não pode mentir aos Confederados, não sabe?
      ― Olha, realmente, não há ninguém aqui! ― insistiu o Velho Macdougal. ― Tenho uma família.



       ― Então é isso! ― concluiu Abigail, surpresa, falando sozinha em voz baixa. ― Ele é um escravo e está fugindo desses homens maus! Eu vou ajudar ele... Ninguém merece uma vida assim.
      Abigail não sabia muito bem o que era escravidão, mas sabia que não era algo bom; os proprietários das fazendas vizinhas possuíam escravos – e eles eram muito maltratados e mal comiam. Ela não queria essa vida para o seu novo amigo.




      Os Confederados, como haviam-se intitulado, partiram da propriedade insatisfeitos por não terem encontrado o escravo foragido; continuariam as suas buscas pela região.


      Ao anoitecer, Abigail esperou todos irem dormir, pegou novamente um lampião e saiu em direção ao armazém. Ela queria contar ao seu amigo sobre os Confederados que procuravam por ele e dizer que ele estaria seguro ali na fazenda.



      Ao chegar no armazém, contudo, Abigail não encontrou o seu amigo; não havia mais ninguém sob o monte de talos de milho. Havia apenas uma lembrança de que alguém estivera ali: o escravo refugiado havia confeccionado um boneco com as espigas de milho, vestido com uma linda roupa feita com os tecidos xadrez que serviram para embalar as comidas trazidas pela menina.



     Naquela noite, antes de dormir, Abigail olhava para o céu estrelado pela janela do seu quarto; ela desejava que aquele homem pudesse viver uma vida digna, longe de qualquer tortura ou humilhação. A partir dali, ela dormiu com o seu novo amigo (o boneco) todas as noites.


A esperança por um mundo mais humano é como uma chama a qual você jamais pode deixá-la se apagar.





quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O seu gato, por acaso, vai dar o seu diploma?

Quarta-feira, 2 de setembro | 10h07

            Trabalhar com crianças e adolescentes é algo extremamente desafiador. Trabalhar com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social é perturbadoramente desafiador.
            Na função de orientador socioeducativo, atuo com uma turma de crianças e adolescentes entre nove e 14 anos de idade. Por conta disso, muitos já estão naquela fase da pré-adolescência, uma fase conhecida por seus impulsos, desejos, questionamentos e inconformidades.
            Tenho uma relação muito aberta e verdadeira com a minha turma – somos sempre transparentes quanto aos nossos sentimentos (entre nós e entre as pessoas que estão a nossa volta). Na última segunda-feira, ao término da atividade, comentei com um dos meninos que eu faltaria na faculdade para cuidar de um dos meus gatinhos de estimação porque ele está muito doente.
            — Júnior, o seu gato, por acaso, vai fazer as suas lições e dar o seu diploma? — foi a pergunta imediata dele.
            Confesso que, na hora, fiquei um pouco surpreso com a entonação da pergunta. Ele, realmente, estava indignado porque eu faltaria na faculdade “apenas” para cuidar do meu gatinho de estimação que está doente e precisa de cuidados.
            — Não... Ele não vai me dar o meu diploma nem fazer minhas lições — respondi olhando nos olhos dele. — Mas, olha só, eu escolhi ter um animal de estimação, não foi? A partir da minha escolha, vieram todas essas responsabilidades. Eu amo o Freddy (meu gatinho) e não vou deixar de cuidar dele... Ele está muito doente, com cálculos no trato urinário. Preciso ficar com ele hoje.
            A indignação do menino continuou ali, firme e forte.
            Então, após as outras crianças saírem para o café, ele veio até a minha mesa:
            — Júnior... — ele falava com a cabeça baixa, sem olhar nos meus olhos. — Eu já não sei mais o que fazer em casa.
            — Como assim? — questionei.
            — Minha mãe chamou todos os meus irmãos para “sair” com ela no sábado e nem olhou na minha cara — ele contou. — Fiquei lá... E ela nem me olhou.
            — Mas você disse que queria sair com ela? — perguntei, tentando aliviar aquela tensão.
            — Não... Mas os meus irmãos também não disseram. Ela não gosta de mim. Ela nem me deixa jogar o meu videogame. Os meus irmãos pegam o videogame e jogam só eles... Eu nem posso tocar.
            — Mas você já falou isso para a sua mãe?
            — Ela comprou o videogame pra mim... Porque eu fico em casa — ele respondeu. — Mas o meu irmão até esconde o videogame pra eu não pegar. E a minha mãe não fala nada.
            — Já tentou dizer isso para a sua mãe? — questionei-lhe. — Que você queria ter saído com ela... Ou que você quer jogar o seu videogame?
            — Não. Porque não vai adiantar — ele concluiu.
Aqui está algo que, infelizmente, acontece muito: a falta do diálogo no âmbito familiar. Foi só, então, que eu compreendi; o menino não estava indignado por eu faltar na faculdade pra cuidar do meu gatinho de estimação. Aliás, talvez o estivesse. Talvez, ver que eu estava tão preocupado com o meu gato (que é um animal) o tenha feito pensar o motivo daquilo não acontecer com ele (que é uma criança).
            Eu, realmente, fico preocupado quando vejo uma criança fazendo tais questionamentos e dando-se conta de suas vidas (por vezes, tão sofrida!). A sensação que tenho é de que a vulnerabilidade na qual se encontra essa criança está tão avançada que, dificilmente, conseguiremos reverter a situação. A menos, é claro, que comecemos a trabalhar diretamente com essas famílias; as famílias precisam enxergar que também estão vulneráveis e que podem contar conosco, agentes sociais.

            Não vou restringir apenas aos profissionais da área social, mas a todo cidadão dentro da sociedade: é nosso dever garantir o direito de outrem.

domingo, 16 de agosto de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 5)


Capítulo 5 – Sufoco

            Pouco tempo depois, Felipe estava dentro daquele cômodo com o homem desconhecido. Eles admiravam a gadanha; Felipe estava vestindo a túnica preta.
            — Você está ótimo — o homem se virou para Felipe antes de elogiá-lo. — Mas não pode demorar muito. As tarefas precisam ser cumpridas ao seu tempo.
            — O que acontece se eu não cumpri-las no tempo certo? — questionou Felipe, curioso.
            — Não se pode ceifar a vida de alguém fora do tempo exato — avisou o homem. — Caso contrário, você coloca tudo a perder.
            — Como assim? — o garoto não compreendeu.
            — Felipe, não interessa. Nunca atrase uma tarefa... — suplicou o homem. — De forma alguma!
            — Tudo bem — concordou Felipe. — Tudo bem. O que faremos agora? A Luciana saiu com o namoradinho dela.
            — Telefone para ela — sugeriu o homem. — Diga que precisa muito conversar com ela. Invente alguma coisa. Ou não invente nada.
            — Posso ficar aqui? — perguntou Felipe. — Tem algum problema se eu cumprir a tarefa aqui mesmo?
            — Nenhum. Mas eu preciso ir, então — disse o homem. — Tome cuidado com o que fará. Não deixe brechas.
            Assim, o homem desconhecido foi embora.
            Felipe, em seguida, pegou o seu celular no bolso da calça (sob a túnica) e discou o número da prima:
            — Alô? — disse Felipe. — Lu? Tudo bem?
            — Oi, Fê — respondia Luciana, ao outro lado da linha. — O quê foi?
            — Preciso muito falar com você — respondeu Felipe. — Pode vir-me encontrar?
            — O que aconteceu? Onde você está? — interrogou Luciana.
            — Estou na Av. Nova Cantareira, 5.972 — contou Felipe. — Não dá pra enxergar o número... É um casarão que fica a uma mansão. O muro daqui é todo pichado. Uns moleques da escola me trouxeram pra cá e não tenho dinheiro pra ir embora.
            — Meu Deus! Que longe! — Luciana ficou um pouco surpresa. — Estou indo... Vou chamar o Otávio pra ir comigo; estou de carro.
            — Não! — gritou Felipe, imediatamente. — O Otávio, não.
            — ‘Tá, Fê... Estou indo! — Luciana desligou o telefone.

            Vinte minutos se passaram e o telefone de Felipe tocou:
            — Alô? Lu? — Felipe ajeitava a túnica preta enquanto falava ao celular.
            — Cheguei. Onde você está? — perguntou Luciana.
            — Estou aqui dentro — respondeu Felipe. — Machuquei a minha perna e encontrei um sofá aqui dentro. Pode vir-me ajudar a sair?
            — Ok — Luciana soltou um suspiro incomodado. — Estou indo.
            Quando Luciana passou pelo muro rebocado, ficou assustada com o estado do casarão: os escombros se espalhavam por todo o quintal, não havia portas nem janelas – tudo estava num estado deplorável.
            — Fê? — Luciana chamava pelo primo enquanto caminhava no corredor do quintal rumo à entrada do casarão. — Estou entrando!
            Felipe não respondeu. Ele aguardava ansiosamente pela prima no quarto secreto; sua gadanha estava reluzente sobre a mesa.
            — Fê? — Luciana chamou outra vez.
            — Aqui! — a porta do quarto misterioso foi aberta e Luciana lançou o olhar na direção da voz.
            Mas não havia ninguém na porta. A moça decidiu entrar para ajudar o primo.
            Quando entrou no quarto, a porta foi fechada logo em seguida. Virando-se abruptamente, Luciana deu de cara com o seu primo – vestido em trajes esquisitos e em pé ao lado da porta.
            — Felipe? — a jovem estranhou. — Isso é algum tipo de piada?
            — Piada? — Felipe sorriu. Seus olhos reluziam um vermelho vivo. — Não... Não se trata de piada, Lu. É coisa séria.
            — Vai a uma festa à fantasia? — brincou Luciana. — Para de graça e tira essa roupa!
            — Não, Lu — Felipe continuou sério. — Eu quero que você me desculpe, mas não posso prolongar isto.
            — Desculpar? Por? — a jovem continuou sem entender nada.
            De repente, Felipe esticou o braço direito e deu um safanão na cabeça da prima, que caiu desmaiada. Depois, o menino arrastou, com dificuldade, o corpo de Luciana até o canto da sala e amarrou os seus braços com uma corda velha.

            — Mas o que é isso? — Luciana acordou em desespero. — Felipe, o que está acontecendo aqui? Que brincadeira de mau gosto é esta?
            — Não é brincadeira, caramba! — vociferou o menino. — Já falei. Isso é coisa séria.
            — Que lugar é este? O que está fazendo sozinho aqui? — a prima o interrogou. — Você não está machucado, né? Foi tudo uma armação! Pra quê tudo isso? Pra quê essa roupa?
            — Nossa! Que merda! — reclamou Felipe. — Cala a boca! Eu devia ter amordaçado você.
            — O que você está fazendo? Isso é por causa do Otávio? — perguntou a jovem, deixando o medo transparecer.
            — Otávio, Otávio... Chega! — pediu o menino enquanto pegava a sua gadanha. — Será que você não consegue ficar quieta?
            — O que vai fazer com essa foice? — Luciana ficou agoniada e começou a chorar. — Socorro!
            — Cala a boca! — Felipe colocou as mãos sobre a boca da prima. — Isto não é uma foice... É uma gadanha! E vou mostrar o que farei com ela.
            Luciana chorava; tentava gritar, mas o som era abafado pelas mãos de Felipe. O menino impulsionava o seu corpo contra a prima, deixando-a fraca e facilmente dominável.
            Enquanto tampava a boca de Luciana com a mão esquerda, Felipe erguia a gadanha com a sua mão direita. A lâmina brilhava enquanto refletia a luz do sol.
            Por um descuido, no momento em que fincou a gadanha no coração de Luciana, a jovem mordeu a mão de Felipe e deu um grito:
            — Socorro! — o pedido de ajuda ecoou por todo o imóvel de uma forma assombrosa.
            — Sua vaca! — Felipe forçou a lâmina dentro do peito de Luciana e continuou rasgando tudo por dentro.
            Quando a prima já estava morta e totalmente esfolada na região peitoral, Felipe largou a gadanha sobre a mesa e respirou profundamente – os seus ombros subiram enquanto fez o movimento.
            Felipe começou a desamarrar a prima e a limpar a bagunça quando foi interrompido por um som vindo do interior do casarão:
            — Lu? — era uma voz feminina; esboçava preocupação. — Cadê você? ‘Tá tudo bem aí?
            — Quem é? — perguntou Felipe, modulando a sua voz, imediatamente, para um tom mais doloroso.
            — Você é o primo da Lu? — perguntou a moça; sua voz ficava mais próxima. — Ouvi um grito dela pedindo ajuda... Você está bem?
            — Não... Está doendo muito — mentiu Felipe. Ele queria que fosse verdade; queria sentir a dor pela perda da prima. — Mas ela deve estar procurando algum remédio lá em cima.
            — Onde você está? — a voz se aproximava cada vez mais.
            Num ímpeto, Felipe despiu-se da túnica preta manchada de sangue e ficou vestido com a sua roupa casual, um jeans escuro e uma camisa polo. O menino abriu a porta e saiu pelo corredor, fechando a porta em seguida.
            — Aqui — Felipe respondeu assim que avistou uma jovem ao fim do corredor.
            — Ah! — a jovem correu até chegar perto do garoto. — O que houve? E esse sangue no seu tênis? Machucaram você?
            Felipe arregalou os olhos, surpreso, quando notou que havia respingos de sangue no seu tênis.
            — Uns moleques me trouxeram pra cá... — explicou o menino. — Mas, diz uma coisa... Quem é você?
            — Sou amiga da sua prima — respondeu a moça. — Ela pediu para eu vir junto já que você não queria o Otávio aqui. Meu nome é Gabriele!
            — Gabriele? — Felipe achou ter visto aquele nome em algum lugar. — Acho que já ouvi a Lu falando de você... Gabriele Fontana, certo?
            — Isso! — confirmou a jovem, sorrindo. — Vamos, eu te ajudo chegar até o carro.
            — Ok — mas Felipe não iria até o carro. Ele sabia quem era aquela menina e sabia, também, que a hora dela havia chegado. — Só preciso buscar a minha mochila lá dentro.
            — Eu vou buscar — Gabriele ofereceu ajuda. — Espere aí.
            Assim, Gabriele segue rumo à porta pela qual Felipe havia saído segundos antes. Quando abriu a porta, a menina ficou espantada e arremessou um olhar desamparado para Felipe.
            Instintivamente, Felipe correu até o quarto e empurrou Gabriele para dentro. A porta se fechou atrás dos dois, deixando vazar, apenas, o som abafado dos gritos da moça.

domingo, 2 de agosto de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 4)


Capítulo 4 – Refúgio
            — Então você está namorando... — questionou Felipe ao saber que a prima estava “enrolada” com um amigo da escola. — O Otávio é o menino mais idiota da escola, Lu!
            — Ai, Fê, não fala assim! — Luciana sorria enquanto conversava. A menina tinha 17 anos e já estava no último ano do ensino médio. — O Otávio é um dos meninos mais bonitos da escola.
            — Sério? — Felipe virou os olhos em desaprovação. — Mas a vida é sua, né?
            — E por que a visita inesperada? — questionou Luciana, desconfiando da visita do primo — Está cabulando aula hoje?
            — É. E você também — riu Felipe. — Eu não estava afim de aguentar aqueles professores hoje. O Zé me deu nota baixa na prova de Literatura.
            — Sério? Nossa... Nunca fiquei com nota vermelha na matéria dele — comentou a garota. — Acho que ele “passava um pano” pra mim.
            — Ele é um filho da puta! — reclamou o menino, franzindo o cenho.
            — O meu pai comprou um ultrabook pra mim — disse Luciana. — Mas não faço ideia de como usar isso... ‘Tá cheio de programas estranhos que nunca vi na vida.
            — Sério? Ganhei um dos meus pais no meu aniversário — contou Felipe.
            — Ai, Fê... Desculpe por não ter ido à sua festa — pediu Luciana. — Eu saí com o Otávio; fomos ao shopping ver aquele filme novo.
            — Tudo bem — disse Felipe. Mas não estava tudo bem; Luciana, além de prima, era a sua melhor amiga. Não vê-la em sua festa causou-lhe uma grande tristeza momentânea. — Mas, como eu dizia, eu tenho um ultrabook também; se quiser, posso ajudar você.
            — Vou pegar, então — Luciana saiu do quarto para buscar o aparelho na sala. Quando voltou, ligou o ultrabook numa tomada e entregou-o no colo do primo. — Pode ligar...
            Felipe ligou o aparelho e deu uma breve olhada na área de trabalho: programas de edição de imagens, vídeos e textos, navegadores para a internet, comunicadores instantâneos e, para a surpresa do menino, o Messorem.
            — Que porra é essa? — Felipe sentiu um arrepio na espinha.
            — O quê? — perguntou Luciana, sem entender o que o primo quis dizer com aquela indagação.
            — Como conseguiu esse programa? — o menino apontou na tela o ícone em forma duma gadanha.
            — Não sei... Acho que veio instalado — comentou a garota. — Por quê?
            — Nada — Felipe preferiu não comentar nem abrir o programa enquanto estava ao lado da prima. — É que é um programa pago que serve para piratear outros programas.
            — Ah... — Luciana fingiu que entendeu enquanto pegava algumas roupas no guarda-roupa. — Vou tomar banho. Você me espera? Daí você me explica algumas coisas... Preciso configurar esse computador.
            — Tudo bem — concordou Felipe.
            Logo que Luciana saiu para o banho, Felipe clicou no ícone do Messorem para abrir o programa.
            Quando o programa abriu, a interface exibiu a mesma coisa que o computador de Felipe exibia – uma guia denominada Nomina. O menino clicou pensando que, talvez, haveria outros nomes ali.
            Será que Luciana também era aprendiz?
            Mas a raiva de Felipe veio à tona quando a listagem de nomes surgiu na tela:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz

            Porém, desta vez, o nome de Luciana estava em negrito. Foi só aí que Felipe se deu conta de que a Luciana da listagem era a sua prima. Mas ele ainda não entendia como a mesma listagem do seu ultrabook aparecia ali, no computador de sua prima.
            Quando ouviu alguém se aproximar no corredor, Felipe fechou o programa e abriu uma página da internet para disfarçar.
            — Voltei — disse Luciana, com uma toalha enrolada no cabelo. — Conseguiu alguma coisa?
            — Ah... Está faltando alguma atualização no seu sistema — mentiu Felipe. — Posso levar o seu ultrabook e atualizar?
            Por um breve segundo, Felipe percebeu como mentira sem ter planejado e aquilo saiu muito bem.
            — Tudo bem — concordou Luciana. — Vou ter que sair mesmo; o Otávio me ligou agora. Ele quer me encontrar.
            — O Otávio? — o menino ficou enciumado; não sentia amor pela prima, mas não gostava quando ela o trocava por alguém (ainda mais quando esse alguém era o Otávio!). — Eu estou avisando... Você vai-se arrepender de “dar bola” para esse moleque.
            — Ele não é um moleque — corrigiu Luciana. — Você é; tem só 15 anos!
            A garota riu e abraçou o menino.
            — Não fique com ciúmes... — pediu Luciana. — Um dia, você vai gostar do Otávio e vai perceber o quanto ele é legal!
            — Acho melhor não — garantiu Felipe, com uma cara séria. — Então, vou nessa. Trago o seu computador até o fim da semana; prometo.
            — Sem problemas; não estou usando ele — respondeu Luciana, mal prestando atenção no primo.
            Sem querer insistir ou demonstrar raiva pela atitude da prima, Felipe pegou a sua mochila e foi embora.
            Quando virou a esquina, Felipe notou que estava sendo seguido. Entortou o pescoço e olhou para trás; era o sedan preto outra vez.
            — Mas que droga! — o menino correu até o carro e deu um soco na janela do motorista.
            — Você está louco, moleque? — questionou um homem quando a janela do carro se abriu. Não era o homem desconhecido; aliás, era um desconhecido, mas não aquele pelo qual Felipe esperava.
            No banco de trás do carro, havia uma menininha choramingando assustada.
            — Ah, vai se ferrar! — Felipe virou as costas e saiu andando.

            Mais tarde, enquanto jogava um jogo no seu computador, Felipe parou para olhar a rua pela janela do seu quarto. E ele já imaginava quem estaria ali, à sua espera: o homem misterioso com o seu sedan preto.
            Felipe desceu o mais depressa que pôde (praticamente, saltou pelas escadas do primeiro andar para o térreo); abriu a porta da sala com grosseria e correu em passos pesados até o carro estacionado do outro lado da rua:
            — Por que você não me deixa em paz? — questionou Felipe. Por mais angustiado que se sentisse, não havia tensão no seu olhar.
            — Calma, rapaz — pediu o homem, enquanto saía do carro. — Você ainda não aceitou o seu destino. Aceite-o e você se verá livre de qualquer sofrimento.
            — Sofrimento? — indagou Felipe. — Acha que estou sofrendo pelo que fiz com o Eduardo? Fiquei sabendo que encontraram o corpo dele e que desconfiam de assalto à mão-armada. Não tenho nada a ver com isso.
            — Muito pelo contrário — comentou o homem. — Você tem tudo a ver com isso; e é disso que você precisa ter orgulho. Você exerceu uma tarefa com muito sucesso, Felipe.
            — Você vendeu aquele computador para a minha prima? — perguntou o menino, curioso.
            — Não... Ainda sou apenas um Ceifador; não um vendedor — brincou o homem. — Aquilo é o seu destino chamando por você. Atenda ao chamado, menino.
            — Atender ao chamado? — questionou Felipe. — Se eu atender a essa merda, você sabe quais serão as minhas últimas tarefas?
            — Todo trabalho tem os seus maiores desafios, garoto — disse o homem, sorridente. — É com os maiores desafios que nos tornamos mestres no nosso trabalho. É sempre assim!
            — A Luciana também está na listagem... Ela é a próxima! — contestou Felipe.
            — Ela será um preparo para os seus desafios finais, Felipe — avisou o homem. — Ultrapasse esse limiar e não haverá mais limites para você!
            — Não é tão fácil como acha — respondeu Felipe.
            — Você esqueceu que eu também sou um Ceifador e que eu já fui um aprendiz? — lembrou o homem, apoiando a sua mão sobre o ombro esquerdo do menino. — Felipe, eu não me tornei um mestre do dia para a noite assim como você não se tornará. Mas, a partir do momento que você parar de pensar e agir, tudo vai ficar mais simples.
            — É... Eu sei — revelou o menino. — Foi assim com o Eduardo. Mas, agora, isso se trata da Luciana; a gente tem um relacionamento.
            — Vocês tinham — corrigiu o homem. — Você, agora, é outra pessoa, Felipe. Você é o Aprendiz da Morte.
            — De qualquer forma, eu deixei passar uma oportunidade — por um instante, aquele pensamento assustou Felipe. — Eu estava até agora com a Luciana e não fiz nada.
            — Garoto, vamos lá... — o homem sacudiu Felipe. — Você quer ou não quer ser um Mestre da Morte?
            — É claro que eu quero! — os olhos do menino brilharam num vermelho-sangue.
            — Mãos à obra, então! — disse o homem. — Entre no carro. Vamos buscar as suas coisas.

            Felipe, então, entrou no carro; o homem o levou embora para o seu refúgio a fim de preparar o garoto para mais uma tarefa; para a ultrapassagem doutro limiar.

sábado, 25 de julho de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 3)



Capítulo 3 – Atualização de dados

            — Onde estamos? — perguntou Felipe assim que desceu do carro em frente a um casarão, aparentemente, abandonado.
            — Eu vivo aqui — respondeu o homem. — Vamos, entre!
            O homem abriu a porta do imóvel e Felipe entrou. Era tudo muito grande lá dentro: um vasto corredor que se estendia até uma porta de aço vermelha e enferrujada; diversas portas posicionadas em ambos os lados do corredor.
            — O que tem naquela porta? — Felipe apontava para a porta vermelha. O seu coração palpitava rapidamente.
            — Você vai saber, pode ir até lá — disse o homem.
            Felipe correu pelo corredor e, quando chegou à porta, parou e ficou observando aquela estrutura de aço; parecia um cofre.
            — Posso abrir? — perguntou Felipe.
            — Primeiro, deve buscar a chave — comentou o homem. — Segunda porta à direita, o taco de madeira que fica no meio do batente é falso; tire-o e você encontrará a chave.
            Em menos de dois minutos, Felipe estava de volta com uma chave enferrujada na mão esquerda:
            — Tome — o menino esticou o braço em direção ao homem, que pegou a chave e a girou na fechadura.
            Enquanto a porta abria, um rangido agudo incomodava os dois, que entravam num cômodo escuro e circular. No centro do cômodo, havia uma escada em espiral que subia uns dez metros. Felipe e o homem subiram pela escada até chegar noutro cômodo escuro.
            — Aqui, tem luz — disse o homem, passando a mão na parede e acendendo uma lamparina. — Seja bem-vindo.
            — O que é isso? — a sala não era muito grande: ao lado direito, uma parede repleta de retratos antigos e sem cor; ao lado esquerdo, uma túnica preta pendurada na parede; e, ao centro, uma mesa de madeira e, sobre ela, uma espécie de livro ao lado duma lâmina que media cerca de trinta centímetros.
            — Aquele é o traje que você deve utilizar sempre que for exercer a sua função — explicou o homem. — Deixará você mais forte, mais seguro. Aquele é o diário sobre o qual falei. E aquela...
            O homem e o menino encararam a lâmina; era comprida, curva e afiada.
            — Aquela será a sua arma — disse o homem, exibindo, novamente, aquele sorriso misterioso cheio de satisfação.
            — Mas eu já matei alguém — comentou Felipe, lembrando-se de Eduardo. — E eu usei uma faca... Não uma foice!
            — Não é uma foice — corrigiu o homem. — É uma gadanha. Muitos acabam cometendo um erro ao dizer que a Morte se utiliza duma foice para levar as suas almas; mas é uma gadanha.
            — ‘Tá. Tudo bem — concordou o menino. — Mas e o Eduardo? Eu larguei o corpo dele lá na casa dele... E se descobrirem?
            — Não descobrirão — garantiu o homem, virando-se para o menino. — Prometo a você: não descobrirão. Agora, precisamos tomar cuidado para as próximas almas.
            — Próximas? — Felipe achou estranho. Eduardo merecia, embora fosse um acidente tudo o que aconteceu; mas ele não faria o mesmo com ninguém mais.
            — Sim — confirmou o homem. — Você, agora, é um Ceifador. Ceifadores existem para isso: levar uma alma dum lugar a outro.
            — Mas... O que eu fiz com o Eduardo? — o menino começou a raciocinar sobre o que fizera.
            — Não, não! Não fique pensando nisso — pediu o homem. — O que está feito, está feito. Você fez o que era preciso... A hora dele havia chegado, assim como chegará a hora de muitos outros. Você ajudou a alma do Eduardo a desligar-se do corpo físico e seguir rumo ao destino dela.
            — Você tem razão. Não fiz nada de mais — concordou Felipe. — A essa hora, o Eduardo deve estar no Inferno.
            — Certamente — concordou o homem, passando a mão sobre os cabelos de Felipe. — Agora, você precisa ir. Fique com a chave e, sempre que precisar, pode vir buscar o seu material de trabalho. Esta sala é sua agora.
            — O que direi aos meus pais? — Felipe se lembrou de que a mãe havia ligado para ele enquanto ele estava na casa de Eduardo.
            — Garoto, você já tem 15 anos — lembrou o homem. — Não precisa ficar dando explicações a ninguém; a vida é assim.
            — Você está certo — os olhos do menino cintilavam. — Obrigado.
            Felipe partiu rumo à sua casa.

            Assim que chegou em casa, por volta das quatro da manhã, Felipe encontrou os pais, na sala, acordados:
            — Onde você estava? — questionou Julio, muito bravo.
            — Meu filho! — Marta abraçou o menino e desabou em prantos.
            — Eu estava passando mal — mentiu Felipe, de imediato. — Não quis acordar vocês, por isso saí.
            — Passando mal? — perguntou Julio. — E porque não atendeu à ligação da sua mãe?
            — Eu atendi, mas a bateria do celular acabou — Felipe retirou o aparelho do bolso e mostrou que estava desligado. — Desculpem. Estou com sono... Posso ir dormir?
            — Claro, meu filho! — Marta deu um beijo na bochecha do filho e o mandou para o quarto.
            — Marta! — Julio encarou a mulher após o filho entrar no quarto. — O que está fazendo? Ele some por horas na madrugada e você deixa ele ir dormir?
            — Julio, ele explicou o que aconteceu — contestou a mulher. — Deixa ele.
            Julio, então, cheio de desconfiança, sobe para o seu quarto e vai deitar com a sua esposa.

            No dia seguinte, após levantar e escovar os dentes, Felipe não desceu para tomar café; debruçou-se na janela do quarto e viu o sedan preto. Dentro do carro, o homem misterioso (o qual ainda não se havia identificado para o menino) lançava um olhar festivo para Felipe. Ele ainda causava-lhe arrepios.
            Felipe deu um breve aceno e fechou as cortinas; pegou o ultrabook sobre a escrivaninha e ligou o aparelho. Na tela e inicialização, uma janela piscava na área de trabalho: “Deseja verificar a atualização de dados do Messorem?”; “Sim”.
            Após clicar na opção, o programa foi aberto diretamente na aba Nomina:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
           
            O nome de Eduardo estava tachado. De alguma forma, o programa identificara a ação de Felipe; sabia que o menino havia acabado com a vida de Eduardo.
            — Mas que merda é essa? — Felipe ficou pasmo quando ligou uma coisa à outra.
            O menino pegou a sua mochila no armário, desceu as escadas correndo e saiu da casa direto para o outro lado da rua, onde estava estacionado o sedan preto.
            — O que você ‘tá fazendo? — o menino, com um olhar de preocupação, perguntou ao homem misterioso. — Que droga toda é essa?
            — Você se refere a quê? — questionou o homem, passivo.
            — Aquele programa... O Messorem! — comentou Felipe. — Os nomes... Eu achava que eram algo qualquer, mas não; eu matei o Dudu e o nome dele apareceu riscado no programa!
            — Você quer montar um palco e contar para todo o bairro que você matou alguém? — o homem fez um alerta ao volume de voz do garoto.
            Felipe não respondeu; apenas lançou um olhar cheio de dúvida.
            — Entre no carro — ordenou o homem. — Agora!
            Sem questionar, o menino entrou e sentou no banco do passageiro. O carro preto, então, começou a andar e dar voltas no bairro.
            — O programa no seu computador funciona para você como o meu diário funcionou para mim — explicou o homem. — É uma espécie de agenda; vai mostrar tudo o que deve fazer.
            — Mas que porra é aquela? — Felipe estava nervoso. — O nome do Eduardo era o primeiro da lista e agora está riscado!
            — Conforme você pratica... — o homem pensou um pouco e preferiu rebuscar as palavras. — Conforme você completa os seus objetivos e adquire as suas conquistas, o programa fará atualizações para você. É por isso que o nome do Eduardo foi tachado; ele foi a sua primeira tarefa concluída com sucesso.
            — Você ‘tá zoando comigo — disse o menino. — Só pode!
            — Não brinco com essas coisas, Felipe — o homem estava sério, mas sereno. — Você é um aprendiz... Vai aprender tudo ao seu tempo.
            — Não quero mais isso! — disse Felipe, quase chorando. — Some da minha vida!
            — Mas... — antes que pudesse concluir, o homem teve de brecar o carro, pois Felipe abriu a porta e saiu sem mesmo preocupar-se com o que aconteceria ao sair com o carro em movimento.
            — Faça um favor a você — Felipe parou e olhou nos olhos do homem enquanto falava. — Desaparece ou eu faço com você o mesmo que fiz com o Eduardo!
            Um olhar penoso foi lançado contra Felipe. O homem demonstrou, ali, o quanto sentia pela decisão precipitada do menino. Imediatamente, o sedan preto deu partida e desapareceu quando fez curva na primeira esquina daquela rua.
            Felipe estava muito assustado. Se tudo o que o homem dissera fosse verdade, e se tudo o que ele havia relacionado fizesse sentido, o fim de tudo aquilo não seria bom. Marta, a sua mãe, estava naquela lista (era a penúltima); e Julio, o seu pai, o seu herói, deveria ser a sua última missão. Ele não queria aquilo para si; matar os próprios pais não fazia sentido algum.
            A única coisa que o menino queria era esquecer tudo o que fizera nos últimos dias; nada melhor que alguém muito amigo para ajudar na tarefa. Naquele dia, Felipe não foi para a escola; mas, naquele dia, Felipe também não voltou para casa. O menino decidiu ir dormir na casa dos tios com a sua prima preferida – Luciana.