domingo, 6 de março de 2016

Pequeninas Aventuras


            Viver numa cidade grande parece ser algo fácil para qualquer um, ainda mais quando se tem uma casa própria para viver sem se preocupar com aluguel. Mas isso não funciona com gente pequena.
            Na verdade, isso não funciona com gente bem pequena – pequena mesmo: gente menor que uma escova de dente.
            — Pai! Olhe só isso — Caio apontava para um alfinete. Nas suas mãos, o objeto parecia mais uma espada. — Encontrei lá no quintal.
            Caio era um "menino" muito curioso. Ele era o filho mais velho de César e Joana. Com os seus 16 anos de idade, Caio já media dez centímetros de altura, o normal para um adolescente Pequenino.
            — Eu não acredito! — César franziu o cenho e tomou o alfinete do garoto. — Você subiu de novo? Já conversamos sobre isso, Caio.
            — Eu sei, pai — o menino pendeu a cabeça, desanimado, mas logo tratou de explicar-se. — Eu estava meio entediado aqui... Daí, enquanto eu limpava a entrada para o esgoto, vi algo brilhando lá no quintal. Achei que fosse algo útil. E não deixa de ser!
            — Quintal? — Joana logo apareceu atrás da porta da sala. A família vivia numa "toca" dentro de um ralo do quintal de uma casa. Com objetos achados e "emprestados", eles construíram uma espécie de casa com cômodos todos mobiliados com objetos comuns: folhas que serviam de cortinas, pedaços de madeira que serviam de porta, papelões que serviam de paredes, restos de flanelas que serviam de cobertores, pequenos tubos que serviam de encanamento para a rede de água e esgoto própria, pequenas caixas revestidas com espumas que serviam de camas etc. — O que você foi fazer no quintal, Caio?
            Joana, dos quatro, era a mais medrosa. Se ela visse um humano na sua frente, provavelmente, desmaiaria.
            — Mãe! — Caio se cansou de explicar e sentou-se no sofá da sala. — Eu cansei de ficar só aqui dentro. Vocês podiam me deixar sair para uma viagem em busca de amigos, né?
            — Não fale uma besteira dessas, filho — pediu César, rangendo os grandes dentes incisivos, que lhe davam a aparência de um roedor humanoide. — Você tem eu, sua mãe e sua irmã como amigos. Não tem porque sair por aí em busca de mais e correr perigo.
            — Vocês não entendem... — Caio deu as costas para os pais e entrou para o seu quarto.
            O jovem Pequenino entrou em seu quarto, deitou-se na sua cama e ficou observando o teto do quarto – ele havia colado uma série de figurinhas com imagens de vários lugares do mundo: templos chineses, florestas tropicais, montanhas congeladas, desertos escaldantes e vilarejos à beira-mar.
            Toque-toque.
            Caio sonhava em conhecer cada um daqueles lugares. Mas era um sonho idiota; ele estava destinado a jamais sair daquela "boca" de esgoto.
            Toque-toque!
            — Quem é? — questionou Caio, enquanto alguém batia à porta.
            — Eu! — uma voz feminina e aguda soava do outro lado.
            — Ah! — o jovem fez uma careta. — Entra.
            Era Janete, a irmã caçula de Caio. A menina tinha sete anos de idade e cinco centímetros e meio de altura. Seu rabo, semelhante ao rabo de uma girafa (só que mais comprido), balançava freneticamente ao poder entrar no quarto do seu irmão mais velho.
            — Por que você está triste? — perguntou Janete, curiosa.
            — Nada — respondeu Caio, sem desviar o olhar do teto.
            — Por que você está olhando para o teto? — interrogou.
            — Janete! — Caio virou o rosto e encarou a Pequenina. — O que você quer, afinal?
            — Eu ouvi você dizer que vai viajar em busca de amigos — explicou a menina, sorridente. — Posso ficar com o seu quarto? Diz que sim? Deixa?
            — Janete... — Mentalmente, Caio contou até dez e respirou fundo. — Eu não vou para uma viagem. O papai e a mamãe não deixam. Pode esquecer! Quem sabe, um dia, quando eu for embora?
            — Embora? — Janete arregalou os olhos, assustada. — Não, por favor! Não precisa me dar o seu quarto... Fica!
            Caiu soltou uma gargalhada e fez cócegas na irmã.
            Mais tarde, todos estavam reunidos na mesa para o jantar. Então, um estrondo abafado soou pela toca dos Pequeninos, fazendo tudo tremer, e, em seguida, uma enxurrada começou a cair ao lado de fora.
            — Vou verificar as barreiras de contenção — disse César, levantando-se e saindo da toca.
            Contudo, a toca começou a ser inundada por uma correnteza causada pela forte chuva.
            — Caio, pegue a sua irmã! — gritou César, enquanto corria para socorrer a família. — Joana, venha!
            Janete se agarrou no pescoço do irmão que, inesperadamente, correu para dentro do seu quarto em vez de seguir rumo à saída da toca. Enquanto isso, César e Joana tentavam atravessar a correnteza que se havia formado no interior do ralo; o único jeito de sair dali seria seguindo a correnteza – era impossível nadar contra.
            — Cadê o Caio e a Janete? — perguntou Joana, desesperada. — Cadê os meus filhos, César?
            — Fique calma! — pediu César, inquieto. — Caio! Janete!
            — Estamos aqui — respondeu Caio, saindo da toca com a irmã pendurada nos seus ombros. — Eu precisava buscar isto.
            Nas mãos do menino, o alfinete que ele havia conseguido mais cedo e uma mochila pendurada nas costas.
            A família toda pulou sobre uma tampa de plástico e utilizaram-na como um bote, descendo a correnteza em direção ao esgoto. O encanamento era espaçoso o suficiente para o bote e a família, mas a enxurrada estava muito forte e ameaçava afoga-los a qualquer instante.
            — Segurem firme! — gritou César.
            Logo à frente, a água parecia não seguir mais. Mas era uma ilusão de ótica, havia uma queda ali; era o acesso para a via de esgoto, encanamentos com 60 centímetros de diâmetro.
            Em uníssono, a família gritava enquanto caía no esgoto. Por sorte, todos conseguiram nadar de volta para o bote e manterem-se seguros.
            — Eu não acredito! — reclamou César. — Perdemos tudo! Tudo!
            — Não fique assim, meu amor — suplicou Joana, ainda abalada. — Ao menos estamos todos vivos. Podemos achar outro lugar mais seguro para construir.
            — O quarto do Caio nunca mais será meu! — Janete estava profundamente chateada com isso. Caio a abraçou forte, tentando conter o seu choro.
            — Aquela casa foi do meu pai... E do meu avô! — justificou César, passando a mão sobre a testa. — Eu fui um burro! Eu devia ter verificado as barreiras mais cedo... Eu me esqueci completamente.
            Com a sua irmã em seus ombros, Caio estava sentado na borda da tampa de plástico e com os olhos fixos no chão, como se estivesse em outro lugar. Joana cutucou o companheiro para que ele visse a situação do filho.
            — Filho? — César se aproximou de Caio e apoiou a sua mão no ombro do jovem. — Está tudo bem
            — Foi minha culpa — respondeu Caio, ainda olhando para baixo.
            — Como? — César não compreendeu a fala do menino. — O que você quer dizer com isso?
            — Foi tudo culpa minha. Eu destruí a nossa casa — revelou Caio, envergonhando, sem encarar o pai. — Mais cedo, quando fui ao quintal, as barreiras estavam fechadas. Eu abri para poder passar e ir até o quintal. Eu esqueci de arrumar quando voltei!
            — Caio, não pode ser... — César ficou visivelmente transtornado com a revelação.
            Janete percebeu a inquietação do pai e começou a chorar. Joana pegou a filha no colo e abraçou Caio.
            — César, deixe isso pra lá! — pediu Joana, preocupada.
            — Não! — César soltou um berro agoniado. — Ele destruiu a nossa família!
            — Não! — Joana abraçou o filho fortemente. — Não fale isso, César.
            — Preste atenção! — César puxou o queixo do filho para cima, obrigando o menino a encara-lo. — Assim que avistarmos terra firme, você desce do bote.
            — César! — Joana ficou boquiaberta.
            — Mãe, não! — Caio abraçou a mãe, segurando o choro e tentando demonstrar força. — Ele está certo. Eu vou seguir a minha vida. Está mais do que na hora. Prometo que vou recompensar vocês pelo meu erro. Eu realmente sinto muito.
            Duas horas depois, o bote aportou na beira de uma malha de ferro que impedia qualquer resíduo sólido, com mais de dez centímetros de altura e de largura, seguir em frente pelo esgoto.
            — Pronto — César se levantou do bote e amarrou-o em uma das barras de ferro da malha. — Subiremos para a superfície e montaremos acampamento.
            A família escalou o lixo que estava empilhado ali e conseguiu alcançar uma saída – eles estavam à beira de um córrego. César pegou alguns gravetos e montou duas barracas e uma fogueira.
            — Você pode ficar durante esta noite — o líder da família apontou para o seu filho mais velho. — Depois, você pega as suas coisas e vai embora pela manhã.
            — Ok — Caio entrou na sua barraca e ficou lá durante o fim da tarde e o jantar.
            No meio da noite, Caio saiu da barraca e viu que seus pais e sua irmã dormiam na outra barraca. Então, o jovem pegou uma mochila, um cobertor e o seu alfinete, e seguiu mata adentro.
            Quatro horas depois, o sol já raiava e Caio havia chegado perto de uma casa para humanos. Uma cerca gigantesca dava volta em toda a casa, impossibilitando a entrada – a "muralha" devia medir de um metro e trinta a um metro e setenta.
            Caio ficou estudando o ambiente tentando achar outro meio de ultrapassar a barreira e, de repente, percebeu uma grande árvore da qual pendia um tronco para dentro do quintal. O Pequenino não esperou: correu velozmente até o pé da árvore.
            — Ufa! — Caio transpirava. — Preciso treinar mais!
            Quando o jovem começou a escalar o espesso tronco da árvore, ele foi surpreendentemente interrompido:
            — Caio! — era uma doce e familiar voz feminina. — Espere por mim!
            — Janete! — O Pequenino se assustou quando olhou para baixo e viu a sua irmã com uma mochila rosa de boneca nas costas e estendendo os braços enquanto saltitava. — Mas o que você está fazendo aqui? Cadê o papai e a mamãe? O que houve com eles?
            — Eles foram embora — respondeu a menina.
            — E te deixaram? — Caio estranhou o fato. — Como assim?
            — Não foi bem assim. Eu saí escondida quando te vi indo embora — revelou Janete. — Eu escutei o papai e a mamãe me chamando, mas não voltei porque queria falar com você. Mas ouvi um barulho vindo do acampamento, então acho que eles foram embora.
            — Suba aqui — Caio fincou a sua "espada" na casca da árvore, pendurou a sua mochila, e desceu para ajudar a irmã a escalar.
            Quando chegaram no galho mais alto, tentaram localizar o acampamento dos pais.
            — Ali! — o Pequenino apontou para o local próximo à saída de esgoto. — O acampamento estava ali. Mas não está mais... Eles foram embora!
            — Olha lá! — Janete apontou para o córrego, um pouco mais à frente do acampamento. — O papai e a mamãe estão no bote, descendo o rio.
            — Ai, não! — o garoto bateu a mão na cabeça, desconsolado. — E agora, Janete? Nunca vamos conseguir alcança-los. Pelo menos não agora. Vamos entrar na casa e pegar algumas coisas emprestadas para conseguirmos chegar até o papai e a mamãe. Depois, eu vou embora.
            — Não! — gritou Janete. — Você não pode ir embora...
            — Lucas, vem tomar o seu café! — uma voz feminina soou pelo quintal, vinha de dentro da casa.
            Caio se agachou no galho da árvore e puxou Janete para perto de si. Havia um humano no quintal, uma criança.
            — Faça silêncio — murmurou Caio, fazendo um gesto com o dedo indicador e mostrando o menino no quintal.
            Janete fez uma careta; ela estava assustada e com medo, pois nunca havia ficado tão perto de um humano.
            — Vamos! — Caio caminhou com precaução sobre o galho e guiou Janete logo atrás. — Temos que entrar na casa. Assim que ele entrar, nós descemos pela muralha.
            Quando Lucas, o menino, levantou-se da grama e virou as costas para a árvore, Caio e Janete se seguraram na madeira da cerca e deslizaram até o chão. Sorrateiramente, os dois correram no meio da grama, mas pararam ao ver o menino humano virar a cabeça para trás e olhar bem na direção deles.
            — Ele viu a gente? — Janete ficou parada como uma estátua; o seu coração batia aceleradamente.
            — Acho que não — supôs Caio. — Abaixe-se bem devagarinho... Sem fazer barulho.
            — Ei! — Lucas, o menino, deu um sorriso ao ver as duas criaturinhas no meio do quintal. O menino correu até as criaturas.
            — Lucas! — novamente, a mãe do menino lhe chamava para tomar o café. Dessa vez, ela estava na soleira da porta, com um chinelo na mão. — Você vai vir ou não?
            Lucas olhou para a mãe, abaixou a cabeça e olhou para os Pequeninos. O menino humano estava sem saber o que fazer, mas achou que seria mais fácil procurar aqueles ratos depois do que se recuperar das palmadas da mãe.
            — Ah, droga! — assim, Lucas correu para dentro da casa.
            No mesmo segundo, Caio puxou Janete por todo jardim até chegar à parede da casa. Por sorte, havia um buraco, onde os irmãos entraram e alojaram-se.
            — Deita aqui no meu colo — Caio se sentou no chão de madeira e apoiou as costas na parede. Era um corredor bem estreito. — Vamos descansar um pouco e, depois, procuramos algo para comer.
            Assim que Janete apoiou a cabeça no colo do irmão, ela adormeceu. Caio soltou um breve sorriso e acabou dormindo também. Ainda bem que um tinha ao outro ali, pois nenhum deles fazia ideia de como seria dali pra frente.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 6)

            Um mês se passou desde que Felipe cumpriu a sua missão e libertou a alma de Luciana, sua prima. Agora, sem ver o seu guia misterioso há alguns dias, o garoto precisa lidar com o seu desafio final: ceifar as vidas dos seus pais; ao mesmo tempo, Felipe precisa pensar numa forma de limpar toda a sujeira para, então, tornar-se o Mestre da Morte.

Acesse os capítulos anteriores para relembrar a história:



Capítulo 6 – As últimas entradas

            O ultrabook de Felipe estava ligado e a sua tela exibia o seguinte:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
            Os olhos de Felipe estavam vermelhos e arregalados diante da tela. Passaram-se quatro semanas desde que havia cumprido a sua missão com Luciana.
            Desde então, uma coisa puxou a outra: Gabriele, a melhor amiga de Luciana, estava no lugar errado na hora errada (embora o seu nome já estivesse no Messorem desde o início, indicando que a sua presença naquele instante não era por acaso); Otávio, o namorado de Luciana, foi morto pouco depois, quando chamou Felipe para uma conversa a sós, pois exigia saber o paradeiro de Luciana, que havia saído para encontrar o primo; Edivânia e José foram os próximos: eram os pais de Luciana que, ao encontrar o telefone da filha, descobriram que o sobrinho havia sido o último a conversar com ela antes de encontrarem ela e Gabriele mortas num terreno baldio na zona norte da cidade (Felipe não ficou contente quando foi chamado pelos tios para uma visita urgente e cheia de questionamentos).
            O homem que guiava os seus passos havia desaparecido desde a morte dos seus tios. Felipe estava por sua própria conta agora.
            Com a mudança de comportamento após tantas mortes, Marta e Julio, os pais de Felipe, começaram a acompanhar mais cada passo do menino. Por isso, os últimos dias estavam tão difíceis – Felipe sabia que teria de cumprir a sua última e, talvez, mais importante missão: ceifar as vidas dos seus progenitores.
            — Filho? Posso entrar? — era Julio, com a cabeça no vão da porta entreaberta.
            — Ué! Você já 'tá aqui dentro mesmo — respondeu Felipe, com um ar seco, enquanto fechava imediatamente o programa. — O que foi?
            — Eu e sua mãe queremos muito conversar com você, filho — respondeu Julio. — Estamos muito preocupados com você... Muita coisa aconteceu e você se fechou.
            — Eu não quero falar sobre o que aconteceu — o menino não fez rodeios. — Eu só quero ficar em paz!
            — Felipe Vicentini Ferraz — quando Julio "proclamava" o nome inteiro, Felipe já sabia que vinha bronca —, hoje à noite, às 7h, você vai sair com a sua mãe e me encontrar no restaurante onde jantaremos juntos, ouviu?
            — Mas... Pai! — Felipe tentou contestar.
            — Sem mais conversas... Às 7h da noite, estarei esperando por você e por sua mãe — Julio fechou a porta e saiu para o trabalho.

            Após sair do banho, Felipe procurou por sua mãe – então, viu que ela estava na sala assistindo à novela:
            — Mãe! — o menino gritou do alto da escada. — Pode vir aqui no meu quarto?
            Felipe estava cansado daquilo tudo; queria acabar com tudo; não queria mais ser o Aprendiz da Morte – ele queria ser o Mestre.
            — Estou indo, filho, só um segundo! — respondeu Marta.
            Enquanto isso, Felipe rapidamente vestiu a sua túnica preta e preparou a sua lâmina. Ele apagou a luz do quarto e deixou apenas um abajur aceso na penumbra.
            — Fê? — Marta bateu à porta do quarto. — Posso entrar?
            Felipe permaneceu calado no outro canto do quarto, em pé, segurando a gadanha.
            — Fê? — Marta abriu a porta e assustou-se com o que viu. — Felipe, que brincadeira estranha é essa?
            Mirando-a do outro canto da parede, Felipe soltou um sorriso malicioso e perverso e deu alguns passos à frente:
            — Não é brincadeira, mãe — explicou o menino; o seu coração, incrivelmente, não batia acelerado; a sua voz estava serena. — É tudo de verdade!
            Marta arregalou os olhos para o tamanho da lâmina afiada e manchada de sangue. Ela, disfarçadamente, deu alguns passos para trás a fim de sair do quarto e buscar ajuda.
            — Mãe? — chamou Felipe.
            — Sim, filho? — gaguejou a mulher.
            — Você não está com medo de mim, está? — Felipe sorriu mais uma vez. Ele sentiu uma espécie de prazer ao vivenciar toda aquela situação. — Afinal, sou o seu filho.
            — Não, meu bem... — respondeu Marta, aflita ao perceber maldade nas palavras do próprio filho. — É que estamos atrasados. O seu pai está esperando, lembra?
            — Ele não se importará com isso, não é? — supôs o garoto, aproximando-se mais de Marta. — Vai ter para ele também!
            Nesse instante, Marta saltou para trás e puxou a porta, mas sentiu um baque na sua cabeça e caiu desfalecida no chão enquanto o sangue escorria pelo seu rosto.

            Quase uma hora depois, Julio chegou em casa após inúmeras tentativas de falar com Marta ou com Felipe. Ele viu que o carro da esposa ainda estava na garagem, mas que as luzes da casa estavam todas apagadas, exceto pela pouca luz que vinha do quarto de Felipe.
            Julio correu para dentro de casa desesperado – já fazia alguns dias que estava desconfiando do envolvimento de Felipe com as mortes que haviam acontecido na vizinhança, afinal, o menino conhecia cada uma daquelas pessoas e havia ficado diferente após a morte de cada uma.
            Precavido, Julio discou o número da polícia e alegou um pedido de emergência.
            — Marta! — Julio gritava enquanto subia as escadas. — Marta!
            O pai de Felipe não hesitou em entrar no quarto do menino, mas caiu de joelhos no chão quando se deparou com a cena lastimável: Marta estava deitada no chão do quarto, numa poça de sangue que se esvaía da sua cabeça; na parede, com o sangue da mulher, estava escrito "MESSOREM".
            — O que você fez? — Julio pegou a cabeça de Marta e colocou sobre o seu colo enquanto afagava os seus cabelos.
            Felipe estava sentado na cama, observando os pais; o seu semblante permanecia calmo.
            — Ela ainda está viva — respondeu Felipe.
            — Mas que inferno! O que você pensa que está fazendo, Felipe? — gritou Julio, aos prantos. — Você pirou? Ela é a sua mãe!
            — E você é o meu pai — completou Felipe. — Olha, tente não se exaltar... Isso pode impedir que a sua alma parta com exatidão. Você pode ficar preso entre os dois mundos eternamente.
            — Cala a boca, moleque! — Julio se levantou e avançou na direção de Felipe. — Foi você, né? Você matou toda aquela gente... O menino da escola, a sua prima, os seus tios... Por quê, Felipe? Por quê?
            — Porque eu era o Aprendiz da Morte, pai — respondeu Felipe, melancólico. — Eu precisava exercer o meu ofício como um ceifador e enviar almas para a Morte. Agora estou prestes a me tornar o Mestre da Morte!
            — Você precisa de ajuda, meu filho! — sugeriu Julio. — Vamos! Antes que aconteça o pior... Deixe a gente te ajudar.
            — E quem disse que eu quero ajuda? — Felipe se aproximou dos pais. — Olha, vamos acabar logo com isso tudo. A alma de vocês anseia pela libertação!
            Marta acordou e gritou de dor. Julio tentou ajuda-la, mas não havia muito o que fazer ali.
            — Pronto. Vocês partirão juntos, como um casal — alegou Felipe. — Adeus!
            Então, o menino ergueu a lâmina e, num movimento rápido, passou a gadanha pelos pescoços de Julio e de Marta; as suas cabeças caíram e rolaram por alguns centímetros até pararem como se encarassem Felipe pela última vez.
            Em seguida, a tela do ultrabook piscou. Felipe se encurvou sobre a cama e ficou boquiaberto com o que viu: o programa Messorem não estava mais na tela do aparelho; fazendo uma busca rápida pelo sistema, era como se o programa nunca tivesse existido na máquina.
            Alguns minutos depois, antes que pudesse se recompor, limpar toda aquela bagunça e pensar numa saída para aquela situação, o quarto se iluminou com as luzes e se encheu com o barulho de sirenes policiais. Não demorou muito para que o seu quarto estivesse cheio de policiais:
            — Mãos ao alto! — berrou um agente. — Eu repito: mãos ao alto!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Amazônia: Por um mundo melhor


            Há algum tempo, escrevi um conto que explorava um pouco da mitologia tupi-guarani, "O Mistério da Fênix", no qual um garoto paulistano de dezessete anos se descobre como parte do panteão tupi-guarani.
            Depois disso, vieram algumas ideias que compartilhei com algumas pessoas mais próximas. Por sorte, foram boas ideias que provaram dar bons frutos: Anderson do Nascimento, o meu marido, decidiu utilizar, como pano de fundo, o contexto mitológico tupi-guarani para uma de suas produções no seu trabalho nas Fábricas de Cultura.

As Fábricas de Cultura
            As Fábricas de Cultura são um projeto do Governo do Estado de São Paulo em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento. O projeto visa a educação e a formação nas diversas formas de expressão artística.
            O Anderson é educador do ateliê de Canto Coral na Fábrica de Cultura de Cidade Tiradentes e, neste semestre, desenvolveu um espetáculo musical com os seus aprendizes na trilha semestral.

A ideia de trabalhar com a mitologia tupi-guarani
            Inicialmente, a ideia do Anderson era trabalhar, com os aprendizes de Canto Coral, as lendas brasileiras: o Saci, a Caipora, o Boi Bumbá, a Iara etc. Contudo, durante o processo de desenvolvimento do espetáculo, o Anderson apresentou o meu conto "O Mistério da Fênix" aos aprendizes, que demonstraram grande interesse pela abordagem com as divindades nativamente brasileiras.

Ilustração de Júnior Gonçalves.
            Assim, a trilha tomou um novo rumo e os aprendizes entraram num ambiente de pesquisa amplo sobre a cultura nativa do país, buscando informações sobre o folclore popular brasileiro e sobre as lendas dos povos tupis-guaranis.

A montagem do espetáculo
            O espetáculo musical começou a ser produzido a partir do momento em que os aprendizes iniciaram as buscas pelas informações, pelas lendas e pelo levantamento musical – as músicas do espetáculo são músicas que, de alguma forma, influenciaram a música brasileira.
            Após longas discussões e trocas de informações, os aprendizes puderam escolher os seus personagens – isso demonstra a liberdade oferecida pelo educador, visando que cada aprendiz se apropriasse do seu personagem sem levar o processo como algo penoso. Em seguida, foi criado um grupo no Facebook, dedicado às discussões e ideias para as caracterizações dos personagens.
            Foi, então, que eu recebi o convite para escrever o enredo e adaptá-lo para o roteiro do musical. A proposta era inserir os personagens na resolução dum conflito – a degradação ambiental e a destruição da Amazônia, o pulmão do mundo. Eu já conhecia alguns dos aprendizes pessoalmente, o que me ajudou muito na construção do enredo, e sempre conversava com o Anderson sobre cada aprendiz para tentar adequar, ao máximo, cada personagem.
            Após a construção do enredo e algumas alterações, segui para a adaptação da história em um roteiro teatral. Juntos, eu e o educador selecionamos algumas trilhas sonoras que serviriam de entradas e interlúdios – isso aconteceu após a edição completa do roteiro e dos cortes de algumas cenas (devido ao tempo disponibilizado para a apresentação). Ainda, tive a chance de adaptar a canção "O que eu quero mais é ser rei", do filme "O Rei Leão", para o personagem Curupira, que contracenou com a personagem Caipora.

A apresentação
            O evento foi parte da formação semestral dos aprendizes da Fábrica de Cultura de Cidade Tiradentes, que aconteceu no dia 6 de dezembro de 2015, às 16h40, no teatro da unidade.
            O enredo foi centralizado na reunião de várias entidades folclóricas, como Caipora, Curupira, Jaci, Guaraci, Rudá, Boitatá, Boto Cor-De-Rosa, Cuca, Jurupari, Anhangá, duendes, fadas e índios, todos preocupados após descobrirem que Tupã perdeu os seus poderes e não consegue mais fazer chover e que Iara está fraca e morrendo. Durante o espetáculo, os personagens descobrem que isso está acontecendo por conta da destruição da natureza pelo homem e tentam buscar soluções para isso.

Primeira parte do espetáculo musical.

            As músicas foram envolventes e fizeram o público interagir com os personagens, conseguindo sentir a angústia e questionar a existência duma possível solução para tudo isso. "Amazônia", "Não vamos parar" e "Planeta Água" foram algumas das músicas do espetáculo.
            Os aprendizes surpreenderam tanto ao educador – que se emocionou ao final do espetáculo – quanto ao público e aos funcionários da Fábrica de Cultura de Cidade Tiradentes. O talento de cada um pôde ser percebido; a veia artística de cada um pulsou intensamente.

Segunda parte do espetáculo musical.

            Sinto orgulho por ter participado desse processo – um grandioso processo. Parabenizo, mais uma vez, a todos os envolvidos mas, principalmente, aos aprendizes que, de fato, fizeram um verdadeiro espetáculo!

domingo, 8 de novembro de 2015

Crônica - O que o Horácio quer?

O QUE O HORÁCIO QUER?
Júnior Gonçalves | 6 de nov. 2015 – às 16h15


            Horácio, um pré-adolescente de 12 anos e morador da periferia de São Paulo, tem vontades e mil sonhos. A sua mãe, Maria, trabalha como doméstica nos grandes lares e nos apartamentos luxuosos da zona sul e, à noite, faz a graduação em Gastronomia, graças a uma bolsa que conseguiu. José, o pai de Horácio, trabalha como vigia noturno num condomínio localizado na área central da cidade.
            Quando chega da escola ao meio-dia, o Horácio toma um copo de suco e já sai de casa outra vez – é que, como a sua mãe trabalha durante o dia e o seu pai dorme durante esse período, o menino não pode ficar sozinho na rua. Por isso, foi matriculado num Centro para Crianças e Adolescentes.
            Durante o período da tarde, Horácio tem acesso a muitas coisas no C.C.A.: almoço, café da tarde, atividades esportivas, artísticas e socioeducativas, cultura, lazer, conhecimento, festas de aniversário, excursões... É atividade que não acaba mais!
            Ainda assim, parece que falta algo para o Horácio. Mesmo com todo o apoio e incentivo fornecido pelos educadores e demais funcionários da instituição, o Horácio não se sente satisfeito. Mesmo com todas as oportunidades que lhe são oferecidas em todas as tardes, o Horácio não se sente satisfeito. Na maior parte do tempo, o Horácio está fazendo alguma coisa para chamar a atenção para si. Por vezes, isso acaba em discussões ou brigas, obrigando a presença dos pais para uma conversa em busca de soluções.
            É nesse momento que o Horácio começa a sentir-se satisfeito: no momento em que enxerga os seus pais, Maria e José, tentando resolver o problema do filho, dando atenção para a sua vida.
            Não é que Maria e José não deem atenção ou não se importem com o Horácio. Mas lhes falta tempo. Maria só chega em casa à meia-noite e, aos finais de semana, preocupa-se com os trabalhos da faculdade e com as tarefas domésticas. José trabalha durante a noite e dorme para descansar durante o dia – então, nada de barulho para não o acordar. Quando o Horácio chega em casa ao fim da tarde, ele só consegue ficar com o pai por uma hora (que é o tempo que José tem para se trocar e alimentar o filho); depois disso, o menino fica sob os cuidados da avó até que a mãe chegue da faculdade.
            Então, sim, o Horácio se satisfaz quando os pais são chamados à escola ou ao C.C.A., pois esses são os momentos em que a família dele se une por ele e com ele. Justamente por isso, infelizmente, as broncas e os castigos já não funcionam mais com o menino, já que ele pode fazer de tudo para ter mais tempo ao lado do pai e da mãe.

            Horácio, um pré-adolescente de 12 anos e morados da periferia de São Paulo, é um entre muitos que têm vontades e mil sonhos. A maior vontade e o maior sonho do Horácio e desses outros tantos é que as suas famílias lhes reservem, ao menos, meia-hora por dia.

sábado, 7 de novembro de 2015

O que as nossas crianças sabem sobre o racismo?


            Trabalhar como educador me permite algo que poucos têm a chance: de alcançar os sentimentos das crianças e levar-lhes novos conhecimentos e novos valores.
            Como um escritor, costumo utilizar a leitura e a escrita como ferramentas no meu trabalho; ferramentas que potencializam essas ações.
            No mês da Consciência Negra, decidi abordar com a turma a questão do racismo, das conquistas e das desigualdades dos negros na sociedade. É claro que já tínhamos discutido o assunto algumas vezes durante o ano, mas aproveitei o mês para focar no tema.
            Então, distribui pedaços de folha de papel pautada, lápis e borrachas. Pedi que cada um escrevesse tudo o que soubesse sobre o racismo, sem preocupar-se com o que poderia estar certo ou errado, justamente porque a atividade não se tratava de julgar o certo e o errado. A atividade tinha como propósito avaliar e "diagnosticar" o conhecimento prévio das crianças sobre o tema, de modo que eu possa elaborar o material das discussões de forma que eu consiga desvendar alguns mitos e desconstruir alguns valores construídos pelo preconceito embutido pela sociedade.
            O resultado da atividade foi incrível – não no sentido positivo da palavra. Mas não pude crer em como as crianças ainda recebem valores e aprendem conceitos equivocados sobre um assunto tão abordado nos últimos anos. Há uma grande confusão entre o racismo e a consciência negra, entre referir-se a um negro como "negro" e ofender um negro com os xingamentos mais absurdos.
            A seguir, compartilho com vocês um pouco do que foi escrito. Acredito que este material possa provocar-nos e levar-nos à reflexão sobre como transmitimos os valores e conceitos na sociedade. Acredito que possamos refletir sobre como queremos o nosso futuro, um futuro livre de preconceitos.
* * *
Por que o racismo existe?
            Eu não sei o porquê, mas, só porque somos negros, os brancos são racistas com a gente. Às vezes, tenho vontade de me pintar todo de branquinho para não ouvir mais essas coisas.
            Quando me chamam de "pretinho" ou de "cerâmica de chão", eu me sinto muito ofendido.
            No mundo, tem mais branco do que negro, e os branco acham que podem maltratar os negros por isso, por causa da cor.
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            Eu acho o racismo muito ruim. Já vi muito racismo, como uma pessoa chamando a outra de "escravo", um menino chamando o outro de "café". Eu mesmo já fui preconceituoso com um menino; eu o chamei de "asfalto". eu me arrependi por que, noutro dia, esse menino me defendeu de dois meninos; nunca mais fui preconceituoso com ninguém.
            Tenho muito orgulho de ter amigos negros.
* * *
            O racismo é uma coisa que é feia; não pode ser usado contra as pessoas e contra os amigos nem na escola. Eu já fui zoado de "macaquinho branco" – não podem fazer isso!
            Chega de ser racista! Parem agora!
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            A consciência negra é uma coisa horrível para uma pessoa. Quando se fala que a pessoa é "macaco", "negro" e "preto", a pessoa fica triste. Também, todo o mundo é igual. A pessoa que faz essas coisas é preconceituosa.
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            O racismo faz muito mal às pessoas. Ele muda o sentimento das pessoas de bem para mal. O combate ao racismo é bem impossível.
            Eu já li que o racismo é uma discriminação baseada na suposta inferioridade de certas raças. O racista é relativo ao racismo.
            Negro, branco, moreno, são todos seres humanos; não têm diferença nenhuma. Não usem o racismo nunca!
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            Eu já sofri racismo; é muito ruim, mas, depois, eu não ligo mais. É muito ruim para as pessoas que sofrem.
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            Faz bem combater o racismo.
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            O racismo é quando uma pessoa branca se acha mais só porque ela é branca e a outra é morena.
            Eu sou contra o racismo. É muito feio!
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            A consciência negra é uma coisa boba porque nós somos todos iguais. Tipo, se você me chama de negro, você está xingando você mesmo porque você é igual a todos.
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            Eu não tenho preconceito com negros, mas isso é muito antigo. Eles apanhavam, mas isso mudou.
            Eu não tenho preconceito porque todos são iguais; eu só não sou da mesma cor. Só isso! Eu tenho o mesmo corpo humano e as mesmas partes do corpo.
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Por que o racismo é ilegal?
            O racismo é ilegal porque só traz coisas ruins, além de trazer mágoas para as pessoas, como por exemplo: você xinga uma pessoa por causa da cor diferente da sua; maltrata uma pessoa porque ela é especial ou sei lá...
            Vamos falar do preconceito. Ele também é muito ruim: é quando você não gosta da pessoa por causa das condições e da classe social dela. Fico muito sentida com o episódio de Carrossel (com a Maria Joaquina e o Cirilo): ela maltrata ele, despreza ele porque ele é o único negro da turma e não tem a mesma condição que os demais da turma.
            Uma coisa que todos nós devemos aprender na vida: SOMOS TODOS IGUAIS. Quantas vezes eu já chorei por causa de problemas assim? PRECONCEITO e RACISMO! Já cometi muitos erros na vida por causa de bullying, mas, aos poucos, fui aprendendo que somos todos iguais.
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            Eu acho que o racismo atinge muito os sentimentos, tanto das pessoas negras quanto das pessoas brancas, porque, mesmo que o branco xingue o negro e perceba que ele fez algo de errado, se fosse eu, ficaria com remorso.
            Eu penso assim: todo o mundo tem de pensar duas vezes antes de praticar o racismo porque, se a pessoa for branca ou negra, tenho certeza de que ela é feliz com a cor que tem. Não precisa ter vergonha da cor que tem, ame a si e se valorize.
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            Eu também sofri racismo na minha escola: me chamaram de "branquela azeda". Isso é muito ruim e magoa bastante.
            Bom, tem muita gente que gosta de fazer os outros sofrerem e muita gente que quer ajudar quem está magoado. O preconceito é assim: magoa, sofre, chateia e as pessoas ficam num canto, depressivas, podendo até se matar.
            Quem planta, colhe o que plantou. Então, não façam isso. Seja cuidadosa(o).
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            O racismo é coisa ilegal. A maioria das pessoas comete o racismo. As pessoas que cometem sabem que estão machucando os outros e, a maioria, são pessoas brancas cometendo o racismo com pessoas negras.
            Os brancos acabam falando que é muito vergonhoso ser negro. Vergonhoso não é ser negro; vergonhoso é cometer o racismo.
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            O negro sofre pelo racismo. Tem criança que também sofre racismo.
            (Raça+ismo) s.m.: segregação; prática de preconceito racial; antipatia ou aversão a outras raças.
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            O racismo é violência com palavras quando a sua cor é negra ou branca. Para mim, não existe isso. Todos nós somos iguais.
            O que mede uma pessoa é o caráter da pessoa – se a pessoa é uma pessoa boa.
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            Eu sei o que é o racismo porque eu já sofri racismo. A menina me chamou de "neguinha da Barra Funda" e, por isso, eu quis fazer progressiva. Mas, quando eu me olhei no espelho, eu percebi que eu estava errada. No dia que ela me chamou, eu não tinha falado para a minha vó e, quando eu percebi, eu tinha que ter falado desde o começo.