Troy, Kansas. Novembro de 2009.
Localizada no estado
do Kansas, nos Estados Unidos, a cidade de Troy conta com pouco mais de mil
habitantes. Cidade de interior, todos se conheciam ali, facilmente.
Leonard Gale era um
dos jovens mais conhecidos na cidade. Não que isso fosse bom, necessariamente.
No auge de seus dezesseis anos, o garoto vivia se metendo em confusões. Ora
roubando os armazéns da cidade, ora brigando com os outros meninos de sua
idade.
Mas todos também
sabiam de sua história.
Ainda bebê, seu pai o
trouxe para a cidade, procurando por seus familiares. Mas o velho Henry e a
senhora Em haviam desaparecido, sem deixar quaisquer pistas. O casal havia
ficado com sua filha, Dorothy Gale, que também desaparecera com os tios.
Sem saber o que fazer
após a recente morte de sua esposa, o pai do menino o deixou no orfanato da
cidade, contando a história, alegando que não tinha a menor condição de cuidar
da criança.
Desde então, Leonard
morou no orfanato e nunca mais ouviu falar de seu pai, ou de seus tios, e nem
mesmo de sua irmã que não conhecera.
- Leonard! – gritava a
Sra. Lea, diretora do orfanato. – Vem pra dentro!
O jovem estava sentado
quase em frente ao orfanato. Mas, há poucos minutos, todos que estavam na rua
entraram para suas casas.
- Por que, Sra. Lea? –
questionou o menino. – Tô quieto aqui.
- Vem logo, filho! –
insistiu a mulher, nervosa. – Tá vindo uma tempestade aí!
Leonard olhou o céu.
Grandes nuvens cor de
chumbo percorriam o céu, cobrindo a cidade de Troy. Um vento forte balançava os
galhos das árvores e os fios de eletricidade.
- Leonard! – gritou a
Sra. Lea, novamente.
- Tá bom, tô indo! –
Leonard levantou-se do banco e caminhou, lentamente, em direção ao orfanato.
Quando o menino
entrava pela porta do orfanato, aberta pela Sra. Lea, ele viu um bicho correndo
para fora, assustado.
- Lion! – gritou o
menino, quando percebeu que era o seu gato de estimação. – Volta aqui!
- Entra, Leonard! –
ordenou a Sra. Lea, puxando o garoto pelo colarinho da camiseta.
- Não, vou pegar o
Lion! – o menino se contorceu e conseguiu escapar das mãos da diretora do
orfanato, correndo para pegar seu gato.
- Leonard! – a Sra.
Lea gritava histericamente.
Os habitantes que
moravam próximo ao orfanato assistiam a baderna por suas janelas. Ora olhavam a
Sra. Lea, ora colocavam o olho na forte tempestade que se aproximava.
A Sra. Lea corria
desajeitadamente pelo paralelepípedo, tentando alcançar o garoto, que já estava
a uns vinte metros à sua frente.
- Lion, volta aqui,
caramba! – Leonard corria atrás de seu siamês. – ‘Cê não gosta de água, bola de pelo!
O gato correu para uma
propriedade abandonada. Só havia, ali, um vasto campo de terra infértil.
Leonard pulou a cerca
com aquela habilidade que toda criança, cheia de energia, tem. Sra. Lea, por
sua vez, nem estava perto da propriedade quando foi parada por uma viatura da
polícia.
- Dá licença! –
gritava a mulher, contornando o carro.
- Sra. Lea, vou eu,
Xerife Bradd. – disse o homem, saindo do carro. – Preciso que volte para casa,
imediatamente!
- Xerife, uma de
minhas crianças entrou nessa propriedade aí da frente! – explicou a diretora do
orfanato. – Preciso buscá-lo!
- Sra. Lea, dê uma
olhada para o oeste. – solicitou o Xerife.
- Mas o que é aquilo?
– a mulher ficou surpresa e, ao mesmo tempo, assustada com o que viu.
- É um tornado. –
confirmou o Xerife. – Não estava previsto, mas está vindo para cá. Preciso que
fique dentro do orfanato... Vai chegar em menos de cinco minutos.
- O Leonard ‘tá lá,
Bradd! – a mulher apontava para a propriedade abandonada.
- Eu vou buscá-lo,
Lea. – garantiu o Xerife. – Mas preciso levá-la até o orfanato, primeiramente.
- Ok. – concordou a
mulher. – Vamos, depressa! Aí você volta pra buscar o Leonard!
A mulher entrou na
viatura.
O Xerife dirigiu o
mais rápido que pôde até o orfanato, e a Sra. Lea saltou do carro em direção ao
orfanato, fechando as portas e janelas para garantir a segurança das crianças
que estavam ali.
Leonard finalmente
havia encontrado Lion. O gato estava escondido dentro de um latão enferrujado.
- Lion! – Leonard
aproximava-se lentamente. – Vem comigo, vem...
Mmmiaaaaau. O gato saiu do latão, em direção a Leonard.
- Isso... Vem cá! –
Leonard pegou o gato e o abraçou.
- Leonard! – uma voz
eletrônica chamava pelo garoto, não muito longe dali.
O menino procurou, e
então focalizou a viatura de polícia um pouco além das cercas da propriedade
abandonada. Era o Xerife Bradd.
- Menino, preciso que
corra! – gritou o Xerife.
Leonard não entendeu.
Ficou olhando com cara de desentendido.
- Leonard, tem um
tornado a poucos metros de você... Corra! – berrava Bradd.
O menino então se deu
conta do vendaval que tomava conta de tudo ali. As árvores quase encostavam o
chão com a força do vento, a relva seca vibrava fortemente. Quando olhou para
trás, viu um gigantesco tornado se aproximar, engolindo tudo o que havia em sua
frente.
Instintivamente,
Leonard agarrou Lion e começou a correr na direção do Xerife.
A força de sucção do
tornado, entretanto, já havia chegado perto o suficiente para agir contra o
menino. Quanto mais corria, mais parecia ser puxado para trás.
- Corre, Leonard, por
favor! – gritava o Xerife, já não utilizando mais o megafone.
- Eu não consigo,
Xerife! – choramingou Leonard. – Esse troço ‘tá me puxando! Me ajuda!
- Leonard, não dá... –
lamentou o Xerife, entrando no carro. – O tornado está se aproximando! Me
desculpa, menino...
Leonard virou para
trás e viu que o tornado realmente estava a poucos metros. Quando voltou-se
para a viatura, viu que o Xerife havia dado partida e estava fugindo.
- Não, Bradd! – gritou
Leonard. – Não me deixa aqui!
Os habitantes da
cidade já não assistiam mais aquele espetáculo de horror. Com receio do que
aconteceria, todos fecharam as suas cortinas e ficaram a esperar dentro de suas
casas, rezando pela vida do menino. Todos, menos a Sra. Lea.
Lea estava histérica
vendo tudo aquilo. Chegou a sair do orfanato, mas percebeu que a força do
tornado estava muito intensa, quase a puxando dali mesmo. De volta para a
janela, viu o pobre Leonard ser engolido pela espiral de vento, poeira e
destroços.
Leonard tentava fechar
os olhos para não ver o terror, mas a intensidade do vento o impedia. Agarrado
ao seu gato, que berrava fortemente, viu destroços de casas, carros e máquinas
dentro do tornado. No topo da espiral, enxergava uma luz que imaginava ser o
céu. Não sabia o que era melhor, morrer esmagado por todos aqueles destroços
ali no meio da espiral, ou ser arremessado ao céu e depois se estilhaçar ao
atingir o chão.
O menino gritava e
chorava, pedindo ajuda, mas era inútil. Viu uma sombra através da poeira do
tornado. Era a sombra de uma criatura alada, era como um macaco com asas. Mas,
então, a sombra se desfez, e o terror voltou à sua mente.
Leonard percebeu a voz
falhar. Já não tinha forças para gritar. Segurando Lion, com cuidado, colocou-o
dentro de seu agasalho. Sua visão começou a escurecer. E tudo ficou preto.
Mmiaaau. Leonard sentiu um peso em seu peito, algo reprimia a sua
respiração.
Ao abrir os olhos,
percebeu o clarão do céu azul, assustou-se. Viu que Lion andava por cima de seu
corpo, então pegou o gato e se levantou.
O que Leonard viu era
fantástico. Vastos campos, que quase não era impossível enxergar que eram
rodeados por cordilheiras, provavelmente a dezenas de quilômetros dali. Havia
cachoeiras, vales, plantações.
Logo ali, à sua
frente, Leonard viu uma estrada que se perdia no horizonte, com suas
ramificações. Era uma estrada incomum, entretanto. Sua composição era
inteiramente de tijolos amarelos.
Miaaaaau! Lion berrava por dentro do agasalho de Leonard, que logo
o puxou para fora. Já sobre os tijolos dourados, o felino cheirava o chão,
trabalhando o seu olfato.
- Droga, Lion! –
reclamou o menino. – Ou morremos, ou bati a cabeça e estou delirando. Olha esse
lugar!
Rrrrrr. O gato ronronava, demonstrando certa segurança.
- Será que estamos
muito longe de casa? – questionou Leonard. – A Sra. Lea deve estar louca!
- Criança? – uma voz
feminina quebrou o monólogo do garoto.
- Quem ‘tá aí? –
perguntou o menino, preocupado.
Uma mulher, de meia
idade, surgiu no meio da plantação de girassóis. Ela trajava um vestido
comprido, de cor clara, mas sujo. Seus cabelos eram vermelhos como rubis, e
seus olhos eram azuis.
- Não se apavore,
criança. – pediu a mulher. – Não te farei mal algum... Muito pelo contrário,
vou ajudar você a se encontrar.
- Me encontrar? –
questionou Leonard. – Onde estou? Troy fica muito longe daqui?
- Troy? – a mulher
pareceu confusa. – Nunca ouvi falar... O que é isso?
- Troy... A cidade do
Kansas! – explicou o garoto, segurando Lion no colo.
- Kansas? – um sorriso
se abriu, repentinamente, no rosto da mulher desconhecida. – Ora... Qual o seu
nome, criança?
- Leonard. Leonard
Gale. – o menino se apresentou. – Você conhece o Kansas? ‘Tô muito longe de lá?
A mulher colocou os
pés sobre os tijolos amarelos, aproximando-se ainda mais do menino e do pequeno
animal.
- Leonard! – a mulher
deixou sua animação transcender. – Como estou feliz por você chegar aqui. O meu
nome é Glinda... E você está na Terra de Oz!
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