quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 6)

            Um mês se passou desde que Felipe cumpriu a sua missão e libertou a alma de Luciana, sua prima. Agora, sem ver o seu guia misterioso há alguns dias, o garoto precisa lidar com o seu desafio final: ceifar as vidas dos seus pais; ao mesmo tempo, Felipe precisa pensar numa forma de limpar toda a sujeira para, então, tornar-se o Mestre da Morte.

Acesse os capítulos anteriores para relembrar a história:



Capítulo 6 – As últimas entradas

            O ultrabook de Felipe estava ligado e a sua tela exibia o seguinte:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
            Os olhos de Felipe estavam vermelhos e arregalados diante da tela. Passaram-se quatro semanas desde que havia cumprido a sua missão com Luciana.
            Desde então, uma coisa puxou a outra: Gabriele, a melhor amiga de Luciana, estava no lugar errado na hora errada (embora o seu nome já estivesse no Messorem desde o início, indicando que a sua presença naquele instante não era por acaso); Otávio, o namorado de Luciana, foi morto pouco depois, quando chamou Felipe para uma conversa a sós, pois exigia saber o paradeiro de Luciana, que havia saído para encontrar o primo; Edivânia e José foram os próximos: eram os pais de Luciana que, ao encontrar o telefone da filha, descobriram que o sobrinho havia sido o último a conversar com ela antes de encontrarem ela e Gabriele mortas num terreno baldio na zona norte da cidade (Felipe não ficou contente quando foi chamado pelos tios para uma visita urgente e cheia de questionamentos).
            O homem que guiava os seus passos havia desaparecido desde a morte dos seus tios. Felipe estava por sua própria conta agora.
            Com a mudança de comportamento após tantas mortes, Marta e Julio, os pais de Felipe, começaram a acompanhar mais cada passo do menino. Por isso, os últimos dias estavam tão difíceis – Felipe sabia que teria de cumprir a sua última e, talvez, mais importante missão: ceifar as vidas dos seus progenitores.
            — Filho? Posso entrar? — era Julio, com a cabeça no vão da porta entreaberta.
            — Ué! Você já 'tá aqui dentro mesmo — respondeu Felipe, com um ar seco, enquanto fechava imediatamente o programa. — O que foi?
            — Eu e sua mãe queremos muito conversar com você, filho — respondeu Julio. — Estamos muito preocupados com você... Muita coisa aconteceu e você se fechou.
            — Eu não quero falar sobre o que aconteceu — o menino não fez rodeios. — Eu só quero ficar em paz!
            — Felipe Vicentini Ferraz — quando Julio "proclamava" o nome inteiro, Felipe já sabia que vinha bronca —, hoje à noite, às 7h, você vai sair com a sua mãe e me encontrar no restaurante onde jantaremos juntos, ouviu?
            — Mas... Pai! — Felipe tentou contestar.
            — Sem mais conversas... Às 7h da noite, estarei esperando por você e por sua mãe — Julio fechou a porta e saiu para o trabalho.

            Após sair do banho, Felipe procurou por sua mãe – então, viu que ela estava na sala assistindo à novela:
            — Mãe! — o menino gritou do alto da escada. — Pode vir aqui no meu quarto?
            Felipe estava cansado daquilo tudo; queria acabar com tudo; não queria mais ser o Aprendiz da Morte – ele queria ser o Mestre.
            — Estou indo, filho, só um segundo! — respondeu Marta.
            Enquanto isso, Felipe rapidamente vestiu a sua túnica preta e preparou a sua lâmina. Ele apagou a luz do quarto e deixou apenas um abajur aceso na penumbra.
            — Fê? — Marta bateu à porta do quarto. — Posso entrar?
            Felipe permaneceu calado no outro canto do quarto, em pé, segurando a gadanha.
            — Fê? — Marta abriu a porta e assustou-se com o que viu. — Felipe, que brincadeira estranha é essa?
            Mirando-a do outro canto da parede, Felipe soltou um sorriso malicioso e perverso e deu alguns passos à frente:
            — Não é brincadeira, mãe — explicou o menino; o seu coração, incrivelmente, não batia acelerado; a sua voz estava serena. — É tudo de verdade!
            Marta arregalou os olhos para o tamanho da lâmina afiada e manchada de sangue. Ela, disfarçadamente, deu alguns passos para trás a fim de sair do quarto e buscar ajuda.
            — Mãe? — chamou Felipe.
            — Sim, filho? — gaguejou a mulher.
            — Você não está com medo de mim, está? — Felipe sorriu mais uma vez. Ele sentiu uma espécie de prazer ao vivenciar toda aquela situação. — Afinal, sou o seu filho.
            — Não, meu bem... — respondeu Marta, aflita ao perceber maldade nas palavras do próprio filho. — É que estamos atrasados. O seu pai está esperando, lembra?
            — Ele não se importará com isso, não é? — supôs o garoto, aproximando-se mais de Marta. — Vai ter para ele também!
            Nesse instante, Marta saltou para trás e puxou a porta, mas sentiu um baque na sua cabeça e caiu desfalecida no chão enquanto o sangue escorria pelo seu rosto.

            Quase uma hora depois, Julio chegou em casa após inúmeras tentativas de falar com Marta ou com Felipe. Ele viu que o carro da esposa ainda estava na garagem, mas que as luzes da casa estavam todas apagadas, exceto pela pouca luz que vinha do quarto de Felipe.
            Julio correu para dentro de casa desesperado – já fazia alguns dias que estava desconfiando do envolvimento de Felipe com as mortes que haviam acontecido na vizinhança, afinal, o menino conhecia cada uma daquelas pessoas e havia ficado diferente após a morte de cada uma.
            Precavido, Julio discou o número da polícia e alegou um pedido de emergência.
            — Marta! — Julio gritava enquanto subia as escadas. — Marta!
            O pai de Felipe não hesitou em entrar no quarto do menino, mas caiu de joelhos no chão quando se deparou com a cena lastimável: Marta estava deitada no chão do quarto, numa poça de sangue que se esvaía da sua cabeça; na parede, com o sangue da mulher, estava escrito "MESSOREM".
            — O que você fez? — Julio pegou a cabeça de Marta e colocou sobre o seu colo enquanto afagava os seus cabelos.
            Felipe estava sentado na cama, observando os pais; o seu semblante permanecia calmo.
            — Ela ainda está viva — respondeu Felipe.
            — Mas que inferno! O que você pensa que está fazendo, Felipe? — gritou Julio, aos prantos. — Você pirou? Ela é a sua mãe!
            — E você é o meu pai — completou Felipe. — Olha, tente não se exaltar... Isso pode impedir que a sua alma parta com exatidão. Você pode ficar preso entre os dois mundos eternamente.
            — Cala a boca, moleque! — Julio se levantou e avançou na direção de Felipe. — Foi você, né? Você matou toda aquela gente... O menino da escola, a sua prima, os seus tios... Por quê, Felipe? Por quê?
            — Porque eu era o Aprendiz da Morte, pai — respondeu Felipe, melancólico. — Eu precisava exercer o meu ofício como um ceifador e enviar almas para a Morte. Agora estou prestes a me tornar o Mestre da Morte!
            — Você precisa de ajuda, meu filho! — sugeriu Julio. — Vamos! Antes que aconteça o pior... Deixe a gente te ajudar.
            — E quem disse que eu quero ajuda? — Felipe se aproximou dos pais. — Olha, vamos acabar logo com isso tudo. A alma de vocês anseia pela libertação!
            Marta acordou e gritou de dor. Julio tentou ajuda-la, mas não havia muito o que fazer ali.
            — Pronto. Vocês partirão juntos, como um casal — alegou Felipe. — Adeus!
            Então, o menino ergueu a lâmina e, num movimento rápido, passou a gadanha pelos pescoços de Julio e de Marta; as suas cabeças caíram e rolaram por alguns centímetros até pararem como se encarassem Felipe pela última vez.
            Em seguida, a tela do ultrabook piscou. Felipe se encurvou sobre a cama e ficou boquiaberto com o que viu: o programa Messorem não estava mais na tela do aparelho; fazendo uma busca rápida pelo sistema, era como se o programa nunca tivesse existido na máquina.
            Alguns minutos depois, antes que pudesse se recompor, limpar toda aquela bagunça e pensar numa saída para aquela situação, o quarto se iluminou com as luzes e se encheu com o barulho de sirenes policiais. Não demorou muito para que o seu quarto estivesse cheio de policiais:
            — Mãos ao alto! — berrou um agente. — Eu repito: mãos ao alto!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Amazônia: Por um mundo melhor


            Há algum tempo, escrevi um conto que explorava um pouco da mitologia tupi-guarani, "O Mistério da Fênix", no qual um garoto paulistano de dezessete anos se descobre como parte do panteão tupi-guarani.
            Depois disso, vieram algumas ideias que compartilhei com algumas pessoas mais próximas. Por sorte, foram boas ideias que provaram dar bons frutos: Anderson do Nascimento, o meu marido, decidiu utilizar, como pano de fundo, o contexto mitológico tupi-guarani para uma de suas produções no seu trabalho nas Fábricas de Cultura.

As Fábricas de Cultura
            As Fábricas de Cultura são um projeto do Governo do Estado de São Paulo em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento. O projeto visa a educação e a formação nas diversas formas de expressão artística.
            O Anderson é educador do ateliê de Canto Coral na Fábrica de Cultura de Cidade Tiradentes e, neste semestre, desenvolveu um espetáculo musical com os seus aprendizes na trilha semestral.

A ideia de trabalhar com a mitologia tupi-guarani
            Inicialmente, a ideia do Anderson era trabalhar, com os aprendizes de Canto Coral, as lendas brasileiras: o Saci, a Caipora, o Boi Bumbá, a Iara etc. Contudo, durante o processo de desenvolvimento do espetáculo, o Anderson apresentou o meu conto "O Mistério da Fênix" aos aprendizes, que demonstraram grande interesse pela abordagem com as divindades nativamente brasileiras.

Ilustração de Júnior Gonçalves.
            Assim, a trilha tomou um novo rumo e os aprendizes entraram num ambiente de pesquisa amplo sobre a cultura nativa do país, buscando informações sobre o folclore popular brasileiro e sobre as lendas dos povos tupis-guaranis.

A montagem do espetáculo
            O espetáculo musical começou a ser produzido a partir do momento em que os aprendizes iniciaram as buscas pelas informações, pelas lendas e pelo levantamento musical – as músicas do espetáculo são músicas que, de alguma forma, influenciaram a música brasileira.
            Após longas discussões e trocas de informações, os aprendizes puderam escolher os seus personagens – isso demonstra a liberdade oferecida pelo educador, visando que cada aprendiz se apropriasse do seu personagem sem levar o processo como algo penoso. Em seguida, foi criado um grupo no Facebook, dedicado às discussões e ideias para as caracterizações dos personagens.
            Foi, então, que eu recebi o convite para escrever o enredo e adaptá-lo para o roteiro do musical. A proposta era inserir os personagens na resolução dum conflito – a degradação ambiental e a destruição da Amazônia, o pulmão do mundo. Eu já conhecia alguns dos aprendizes pessoalmente, o que me ajudou muito na construção do enredo, e sempre conversava com o Anderson sobre cada aprendiz para tentar adequar, ao máximo, cada personagem.
            Após a construção do enredo e algumas alterações, segui para a adaptação da história em um roteiro teatral. Juntos, eu e o educador selecionamos algumas trilhas sonoras que serviriam de entradas e interlúdios – isso aconteceu após a edição completa do roteiro e dos cortes de algumas cenas (devido ao tempo disponibilizado para a apresentação). Ainda, tive a chance de adaptar a canção "O que eu quero mais é ser rei", do filme "O Rei Leão", para o personagem Curupira, que contracenou com a personagem Caipora.

A apresentação
            O evento foi parte da formação semestral dos aprendizes da Fábrica de Cultura de Cidade Tiradentes, que aconteceu no dia 6 de dezembro de 2015, às 16h40, no teatro da unidade.
            O enredo foi centralizado na reunião de várias entidades folclóricas, como Caipora, Curupira, Jaci, Guaraci, Rudá, Boitatá, Boto Cor-De-Rosa, Cuca, Jurupari, Anhangá, duendes, fadas e índios, todos preocupados após descobrirem que Tupã perdeu os seus poderes e não consegue mais fazer chover e que Iara está fraca e morrendo. Durante o espetáculo, os personagens descobrem que isso está acontecendo por conta da destruição da natureza pelo homem e tentam buscar soluções para isso.

Primeira parte do espetáculo musical.

            As músicas foram envolventes e fizeram o público interagir com os personagens, conseguindo sentir a angústia e questionar a existência duma possível solução para tudo isso. "Amazônia", "Não vamos parar" e "Planeta Água" foram algumas das músicas do espetáculo.
            Os aprendizes surpreenderam tanto ao educador – que se emocionou ao final do espetáculo – quanto ao público e aos funcionários da Fábrica de Cultura de Cidade Tiradentes. O talento de cada um pôde ser percebido; a veia artística de cada um pulsou intensamente.

Segunda parte do espetáculo musical.

            Sinto orgulho por ter participado desse processo – um grandioso processo. Parabenizo, mais uma vez, a todos os envolvidos mas, principalmente, aos aprendizes que, de fato, fizeram um verdadeiro espetáculo!

domingo, 8 de novembro de 2015

Crônica - O que o Horácio quer?

O QUE O HORÁCIO QUER?
Júnior Gonçalves | 6 de nov. 2015 – às 16h15


            Horácio, um pré-adolescente de 12 anos e morador da periferia de São Paulo, tem vontades e mil sonhos. A sua mãe, Maria, trabalha como doméstica nos grandes lares e nos apartamentos luxuosos da zona sul e, à noite, faz a graduação em Gastronomia, graças a uma bolsa que conseguiu. José, o pai de Horácio, trabalha como vigia noturno num condomínio localizado na área central da cidade.
            Quando chega da escola ao meio-dia, o Horácio toma um copo de suco e já sai de casa outra vez – é que, como a sua mãe trabalha durante o dia e o seu pai dorme durante esse período, o menino não pode ficar sozinho na rua. Por isso, foi matriculado num Centro para Crianças e Adolescentes.
            Durante o período da tarde, Horácio tem acesso a muitas coisas no C.C.A.: almoço, café da tarde, atividades esportivas, artísticas e socioeducativas, cultura, lazer, conhecimento, festas de aniversário, excursões... É atividade que não acaba mais!
            Ainda assim, parece que falta algo para o Horácio. Mesmo com todo o apoio e incentivo fornecido pelos educadores e demais funcionários da instituição, o Horácio não se sente satisfeito. Mesmo com todas as oportunidades que lhe são oferecidas em todas as tardes, o Horácio não se sente satisfeito. Na maior parte do tempo, o Horácio está fazendo alguma coisa para chamar a atenção para si. Por vezes, isso acaba em discussões ou brigas, obrigando a presença dos pais para uma conversa em busca de soluções.
            É nesse momento que o Horácio começa a sentir-se satisfeito: no momento em que enxerga os seus pais, Maria e José, tentando resolver o problema do filho, dando atenção para a sua vida.
            Não é que Maria e José não deem atenção ou não se importem com o Horácio. Mas lhes falta tempo. Maria só chega em casa à meia-noite e, aos finais de semana, preocupa-se com os trabalhos da faculdade e com as tarefas domésticas. José trabalha durante a noite e dorme para descansar durante o dia – então, nada de barulho para não o acordar. Quando o Horácio chega em casa ao fim da tarde, ele só consegue ficar com o pai por uma hora (que é o tempo que José tem para se trocar e alimentar o filho); depois disso, o menino fica sob os cuidados da avó até que a mãe chegue da faculdade.
            Então, sim, o Horácio se satisfaz quando os pais são chamados à escola ou ao C.C.A., pois esses são os momentos em que a família dele se une por ele e com ele. Justamente por isso, infelizmente, as broncas e os castigos já não funcionam mais com o menino, já que ele pode fazer de tudo para ter mais tempo ao lado do pai e da mãe.

            Horácio, um pré-adolescente de 12 anos e morados da periferia de São Paulo, é um entre muitos que têm vontades e mil sonhos. A maior vontade e o maior sonho do Horácio e desses outros tantos é que as suas famílias lhes reservem, ao menos, meia-hora por dia.

sábado, 7 de novembro de 2015

O que as nossas crianças sabem sobre o racismo?


            Trabalhar como educador me permite algo que poucos têm a chance: de alcançar os sentimentos das crianças e levar-lhes novos conhecimentos e novos valores.
            Como um escritor, costumo utilizar a leitura e a escrita como ferramentas no meu trabalho; ferramentas que potencializam essas ações.
            No mês da Consciência Negra, decidi abordar com a turma a questão do racismo, das conquistas e das desigualdades dos negros na sociedade. É claro que já tínhamos discutido o assunto algumas vezes durante o ano, mas aproveitei o mês para focar no tema.
            Então, distribui pedaços de folha de papel pautada, lápis e borrachas. Pedi que cada um escrevesse tudo o que soubesse sobre o racismo, sem preocupar-se com o que poderia estar certo ou errado, justamente porque a atividade não se tratava de julgar o certo e o errado. A atividade tinha como propósito avaliar e "diagnosticar" o conhecimento prévio das crianças sobre o tema, de modo que eu possa elaborar o material das discussões de forma que eu consiga desvendar alguns mitos e desconstruir alguns valores construídos pelo preconceito embutido pela sociedade.
            O resultado da atividade foi incrível – não no sentido positivo da palavra. Mas não pude crer em como as crianças ainda recebem valores e aprendem conceitos equivocados sobre um assunto tão abordado nos últimos anos. Há uma grande confusão entre o racismo e a consciência negra, entre referir-se a um negro como "negro" e ofender um negro com os xingamentos mais absurdos.
            A seguir, compartilho com vocês um pouco do que foi escrito. Acredito que este material possa provocar-nos e levar-nos à reflexão sobre como transmitimos os valores e conceitos na sociedade. Acredito que possamos refletir sobre como queremos o nosso futuro, um futuro livre de preconceitos.
* * *
Por que o racismo existe?
            Eu não sei o porquê, mas, só porque somos negros, os brancos são racistas com a gente. Às vezes, tenho vontade de me pintar todo de branquinho para não ouvir mais essas coisas.
            Quando me chamam de "pretinho" ou de "cerâmica de chão", eu me sinto muito ofendido.
            No mundo, tem mais branco do que negro, e os branco acham que podem maltratar os negros por isso, por causa da cor.
* * *
            Eu acho o racismo muito ruim. Já vi muito racismo, como uma pessoa chamando a outra de "escravo", um menino chamando o outro de "café". Eu mesmo já fui preconceituoso com um menino; eu o chamei de "asfalto". eu me arrependi por que, noutro dia, esse menino me defendeu de dois meninos; nunca mais fui preconceituoso com ninguém.
            Tenho muito orgulho de ter amigos negros.
* * *
            O racismo é uma coisa que é feia; não pode ser usado contra as pessoas e contra os amigos nem na escola. Eu já fui zoado de "macaquinho branco" – não podem fazer isso!
            Chega de ser racista! Parem agora!
* * *
            A consciência negra é uma coisa horrível para uma pessoa. Quando se fala que a pessoa é "macaco", "negro" e "preto", a pessoa fica triste. Também, todo o mundo é igual. A pessoa que faz essas coisas é preconceituosa.
* * *
            O racismo faz muito mal às pessoas. Ele muda o sentimento das pessoas de bem para mal. O combate ao racismo é bem impossível.
            Eu já li que o racismo é uma discriminação baseada na suposta inferioridade de certas raças. O racista é relativo ao racismo.
            Negro, branco, moreno, são todos seres humanos; não têm diferença nenhuma. Não usem o racismo nunca!
* * *
            Eu já sofri racismo; é muito ruim, mas, depois, eu não ligo mais. É muito ruim para as pessoas que sofrem.
* * *
            Faz bem combater o racismo.
* * *
            O racismo é quando uma pessoa branca se acha mais só porque ela é branca e a outra é morena.
            Eu sou contra o racismo. É muito feio!
* * *
            A consciência negra é uma coisa boba porque nós somos todos iguais. Tipo, se você me chama de negro, você está xingando você mesmo porque você é igual a todos.
* * *
            Eu não tenho preconceito com negros, mas isso é muito antigo. Eles apanhavam, mas isso mudou.
            Eu não tenho preconceito porque todos são iguais; eu só não sou da mesma cor. Só isso! Eu tenho o mesmo corpo humano e as mesmas partes do corpo.
* * *
Por que o racismo é ilegal?
            O racismo é ilegal porque só traz coisas ruins, além de trazer mágoas para as pessoas, como por exemplo: você xinga uma pessoa por causa da cor diferente da sua; maltrata uma pessoa porque ela é especial ou sei lá...
            Vamos falar do preconceito. Ele também é muito ruim: é quando você não gosta da pessoa por causa das condições e da classe social dela. Fico muito sentida com o episódio de Carrossel (com a Maria Joaquina e o Cirilo): ela maltrata ele, despreza ele porque ele é o único negro da turma e não tem a mesma condição que os demais da turma.
            Uma coisa que todos nós devemos aprender na vida: SOMOS TODOS IGUAIS. Quantas vezes eu já chorei por causa de problemas assim? PRECONCEITO e RACISMO! Já cometi muitos erros na vida por causa de bullying, mas, aos poucos, fui aprendendo que somos todos iguais.
* * *
            Eu acho que o racismo atinge muito os sentimentos, tanto das pessoas negras quanto das pessoas brancas, porque, mesmo que o branco xingue o negro e perceba que ele fez algo de errado, se fosse eu, ficaria com remorso.
            Eu penso assim: todo o mundo tem de pensar duas vezes antes de praticar o racismo porque, se a pessoa for branca ou negra, tenho certeza de que ela é feliz com a cor que tem. Não precisa ter vergonha da cor que tem, ame a si e se valorize.
* * *
            Eu também sofri racismo na minha escola: me chamaram de "branquela azeda". Isso é muito ruim e magoa bastante.
            Bom, tem muita gente que gosta de fazer os outros sofrerem e muita gente que quer ajudar quem está magoado. O preconceito é assim: magoa, sofre, chateia e as pessoas ficam num canto, depressivas, podendo até se matar.
            Quem planta, colhe o que plantou. Então, não façam isso. Seja cuidadosa(o).
* * *
            O racismo é coisa ilegal. A maioria das pessoas comete o racismo. As pessoas que cometem sabem que estão machucando os outros e, a maioria, são pessoas brancas cometendo o racismo com pessoas negras.
            Os brancos acabam falando que é muito vergonhoso ser negro. Vergonhoso não é ser negro; vergonhoso é cometer o racismo.
* * *
            O negro sofre pelo racismo. Tem criança que também sofre racismo.
            (Raça+ismo) s.m.: segregação; prática de preconceito racial; antipatia ou aversão a outras raças.
* * *
            O racismo é violência com palavras quando a sua cor é negra ou branca. Para mim, não existe isso. Todos nós somos iguais.
            O que mede uma pessoa é o caráter da pessoa – se a pessoa é uma pessoa boa.
* * *
            Eu sei o que é o racismo porque eu já sofri racismo. A menina me chamou de "neguinha da Barra Funda" e, por isso, eu quis fazer progressiva. Mas, quando eu me olhei no espelho, eu percebi que eu estava errada. No dia que ela me chamou, eu não tinha falado para a minha vó e, quando eu percebi, eu tinha que ter falado desde o começo.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Conto: O Grande Espírito do Rio

Rio Amazonas, Isla de los Monos, Peru.

            Era quase dez horas da noite quando Marco, Teresa e Joaquim navegavam próximos da Isla de los Monos – a Ilha dos Macacos. Eles haviam alugado o barco pesqueiro Neruda em Tefé, no Amazonas e, desde então, foram seis dias até chegar naquele ponto do Rio Amazonas.
            Alfredo, o peruano dono do pesqueiro, era contra os propósitos daquela viagem, mas só os descobrira há poucos minutos, ao ouvir uma conversa entre os três expedicionários e a guia turística, Moema:
            — Vocês têm certeza disso? — questionava Moema, insegura. — Não tenho certeza do que vamos achar na Ilha. Pode ser tudo balela.
            — Não! — contestou Joaquim, convicto. — É verdade, eu sei. Todo o mundo aqui da região fala disso... Os aldeões têm essas superstições.
            — Só não me metam nessa encrenca — pediu Moema, preocupada. — Não quero estar envolvida com isso e sujar o meu nome. O que vocês vão fazer é exploração ilegal. Retirar espécimes destas regiões é crime ambiental.
            — ¡Maldito sea! — exclamou Alfredo, saindo detrás da cabine do piloto. O homem entendia a língua portuguesa muito bem, só não conseguia falar o idioma; por isso a necessidade de uma guia e tradutora.
            Um clima tenso se espalhou por todo o convés do Neruda.
            — ¿Estabas escuchando a escondidas? — Moema brigou com o pescador. — Usted há sido contratado sólo para hacerse cargo de la embarcación.
            — ¡Qué vas a hacer no es correcto! — insistiu Alfredo. O peruano suava de tanta tensão ao descobrir os reais motivos daquela viagem. — ¡Hijos de puta! ¡La Boiuna nos va a matar!
            — La Boiuna? — Moema se deu conta do que se tratava aquilo tudo. — ¡Eso es una leyenda, hombre! ¡Sólo eso!
            Com o medo estampado na cara, Alfredo voltou para a cabine do piloto e ficou encarando os quatro brasileiros.
            Marco, Teresa e Joaquim não entenderam nada; ficaram calados aguardando por uma explicação de Moema, que também ficou calada.
            Quase à meia-noite, Alfredo parou o barco alegando que estava muito cansado e que precisaria dormir um pouco para repor as energias. O Neruda estava num meandro, entre as árvores com copas em forma de guarda-chuva. Então, Moema decidiu explicar aos três expedicionários o que estava acontecendo:
            — Bom, vocês presenciaram o show do peruano — comentou Moema, lamentando o ocorrido.
            — Aquilo foi um barato! — disse Marco, entusiasmado. — O cara é uma figura!
            — Mas ele parecia muito bravo com alguma coisa — sugeriu Teresa, uma mulher de sensibilidade extrema.
            — Exatamente — confirmou Moema, com uma feição não muito feliz. — Vejam bem, o povo que vive às margens do Amazonas tem uma crença muito forte em algo muito antigo.
            — Era aquele tal de Boiúna? — questionou Joaquim. — Ouvi o Alfredo comentando algo sobre isso.
            — Isso! Isso mesmo — respondeu Moema, assentindo com a cabeça. — A Boiúna é tida como O Grande Espírito do Rio Amazonas, capaz de encarnar numa gigantesca serpente para engolir as embarcações com os seus navegantes que fazem mal à natureza.
            — Não tenho medo de sucuri — brincou Marco. — Já matei várias!
            — ¡Eres un idiota! — era Alfredo. O homem havia acordado ao ouvir falarem sobre a Boiúna. — ¿No se dan cuenta que nos encontramos en el território de la Boiuna? Ella es la dueña de este río.
            — Amigo, venha cá... — Joaquim, o mais jovem de todos, envolveu o peruano com o braço direito e o levou para a popa do Neruda. — Que história é essa de Boiúna? Fale com calma para que eu entenda.
            — La Boiuna es el ser vivo más cruel y poderoso — alertou Alfredo, espreitando o Rio Amazonas. — Ella puede cambiarse a la gente si quiere engañarnos. Ella podría incluso convertirse en un recipiente para nosostros para atraer y ahogamos.
            — Espera um pouco... Não entendi nada! — Joaquim lamentou com uma expressão preocupada.
            — Ele disse que a Boiúna é tão poderosa que poderia se transformar numa embarcação para nos atrair e nos afogar — traduziu Moema, soltando um leve sorriso. — Mas é claro que isso é uma lenda!
            — ¡Esto no es una leyenda! — berrou Alfredo; o seu grito ecoou pela mata e pelo rio, fazendo-os perceber que estavam realmente sós.
            — Por que não vamos dormir? — propôs Teresa, desejando acalmar os ânimos dos navegantes.
            Assim, todos se encaminharam aos seus colchonetes para tentar descansar.
            No meio da noite, após ouvir um estalido, Marco se levantou e caminhou com uma lanterna até o púlpito de proa para tentar ver se algo havia batido no barco. O homem procurou no foco de luz e forçou a visão, mas não conseguiu enxergar nada. O rio corria calmo; não havia pássaros, não havia peixes; nem mesmo as árvores balançavam.
            Quando desligou a lanterna e virou-se para voltar ao seu colchonete, Marco foi surpreendido por alguém. Era uma figura feminina oculta pela sombra noturna; ela estava com os ombros tensos e os cabelos bagunçados.
            — Oi! Moema? Terê? — perguntou Marco, acendendo a lanterna na direção da moça.
            Então, Marco se assustou com o que viu – aqueles olhos completamente negros o encararam e puderam enxergar a sua alma. Num súbito ataque, a mulher avançou sobre o homem e o jogou contra o Rio Amazonas.
            No rio, Marco teve de lutar contra a correnteza e contra a mulher, que parecia ter uma força anormal. Mas não demorou muito para o expedicionário desistir e acabar-se afogando nas águas do Rio Amazonas.
            Ao amanhecer, Teresa e Joaquim procuraram por Marco no barco todo:
            — É melhor descermos até as margens e procurarmos por ele. Será que ele não quis, de repente, fazer xixi? — sugeriu Teresa, tentando não demonstrar a sua real preocupação.
            — Ele é louco, então, pois temos recipientes adequados para isso aqui no barco — argumentou Moema, aparentando estar incrédula com o sumiço do homem. — Não é seguro sair sozinho do barco e andar pela floresta; há animais à solta!
            — ¡Yo he dicho! Fue la Boiuna! — gritou Alfredo, apontando para o rio.
            No rio, algo despertou o temor dos tripulantes do Neruda – um corpo boiava nas margens do outro lado do Rio Amazonas; era o corpo de Marco.
            — Meu Deus! — gritou Teresa, chorando em desespero. — Quem fez isso?
            — Alfredo, pare de assustar as pessoas! — exigiu Moema, encarando o pescador e dono do barco. — Já não basta o que houve com o Marco? Leve a gente até a outra margem.
            — Si señora — Alfredo obedeceu ao pedido de Moema assim que a olhou nos olhos. — Como quieras.
            Então, o Neruda navegou até a outra margem do rio e, com algum esforço, os tripulantes conseguiram trazer o corpo de Marco de volta para o barco. O corpo estava inchado e cheio de marcas rochas; os olhos estavam revirados, exibindo apenas a esclera branca.
            — Vamos embora! — gritou Teresa, desesperada.
            — Teresa? — Joaquim ficou confuso... — Não terminamos...
            — Não vamos pegar mais nada! — decidiu a mulher, transtornada. — Vamos embora deste lugar... O Marco não tinha que ter morrido!
            — Mas foi um acidente! — insistiu Joaquim. — Você acreditou mesmo nessa historinha pra assustar criança?
            Moema lançou um olhar assustador a Joaquim, mas o jovem nem se deu conta; mas Alfredo capturou aquela ameaça e quase se jogou do Neruda naquele instante, mas preferiu manter a calma.
            — Será mejor que nos vayamos — Alfredo disse, tentando não encarar Moema. — Estamos todos muy nerviosos. Si seguimos com el viaje, no vamos a enfocar.
            — Tudo bem — Joaquim teve de concordar; todos estavam muito abalados.
            Então, o Neruda voltou a descer o Rio Amazonas rumo a Tefé.
            No cair da noite, o céu foi encoberto por densas nuvens cor-de-chumbo; não demorou muito e começou a cair uma tempestade que impedia a visão nítida do rio à frente:
            — ¡Maldita sea! — vociferou Alfredo ao concluir que precisaria esperar a chuva forte passar. — Tendremos que esperar.
            Dentro da cabine, Teresa, Joaquim, Moema e Alfredo assistiam a tempestade cair; o corpo de Marco perecia sobre o convés próximo à popa do Neruda. As árvores se curvavam sobre o rio com o vento forte, que assobiava assustadoramente. Raios e trovões clareavam o céu e estremeciam a terra.
            — Meu Deus! Estamos ferrados — praguejou Teresa. — A gente precisa ir embora daqui.
            — Você enlouqueceu? — Moema encarou, com indignação, a expedicionária. — Não está vendo a tempestade? Se o Alfredo tentar ligar este barco, seremos levados pela correnteza como uma folha de papel!
            — No podremos irnos de aqui hoy — lamentou Alfredo, ainda evitando olhar para Moema. — Tal vez tengamos que dormir aqui esta noche. ¡No quiero perder mi barco durante la tormenta!
            — O Alfredo está certo — concordou Moema, apoiando a sua mão esquerda sobre o ombro direito de Alfredo. — Não vamos fazê-lo perder o seu barco.
            Assim, os quatro permaneceram ali, na cabine, por cerca de três horas até caírem no sono.
            Joaquim acordou assustado ao ouvir um barulho vindo do rio. Levantou-se e caminhou até o púlpito de proa; foi quando viu outra embarcação se aproximando do Neruda – era um posto flutuante de combustível da Petrobrás, colorido em verde.
            O posto flutuante se aproximou o bastante para que fosse possível saltar sem dificuldades do barco pesqueiro Neruda para a embarcação da Petrobrás. E foi exatamente isso o que Joaquim fez:
            — Oi? — dizia Joaquim, enquanto batia nas portas da embarcação. — Tem alguém aí?
            Uma das portas, então, abriu-se e exibiu ao moço um compartimento cheio de computadores e rádios. Sem pensar duas vezes, Joaquim correu para dentro do local a fim de tentar comunicar-se com alguém em busca de ajuda. Contudo, a porta se fechou com toda a força logo que ele pisou no compartimento.
            — Ei! Me deixe sair daqui! — gritou Joaquim, enquanto esmurrava a porta de aço. — Socorro!
            Uma silhueta feminina surgiu atrás de Joaquim e soltou um sussurro:
            — ¡Tú eres mio, no creyente! — a voz feminina lhe pareceu familiar, mas era gélida e assombrosa. — Cierra tus ojos y comience a orar.
            Joaquim começou a tremer dos pés à cabeça e, sem controle algum dos seus impulsos, urinou nas calças. O jovem cerrou os olhos com toda a força e começou a fazer preces:
            — Pelo amor de Deus... — implorava o homem, enquanto tentava, sutilmente, pôr-se de joelhos sobre o chão do compartimento sombrio. — Eu prometo que nunca mais volto aqui!
            — ¡Cállate la boca! — a mulher soltou um berro que parecia o granido duma coruja, o que fez Joaquim silenciar-se.
            Quando se deu conta, Joaquim viu que havia uma infiltração no compartimento onde estava; a água já estava ao nível das suas coxas. O jovem ergue-se de supetão, assustado, e tentou abrir a porta mais uma vez – inutilmente. Foi só aí que ele, então, concluiu que a embarcação estava afundando no Rio Amazonas.
            — Não! — ele gritava e chorava desesperado, sem esperanças. — Me deixe ir embora! Por favor!
            — Olha só... — a voz feminina mudou o seu tom para algo mais melódico enquanto a silhueta se aproximava de Joaquim. — Não são só criancinhas que ficam assustadas!
            O olhar de Joaquim era perturbador – ele estava transtornado com o que viu. O medo e o pavor foram tão intensos que isso lhe causou uma série de sensações incômodas: primeiro, uma forte dor atingiu-lhe o peito e as costas, causando-lhe uma falta de ar; a sua língua começou a enrolar e ele começou a sentir enjoo o braço esquerdo formigava como se milhares de insetos caminhassem por ali; uma vertigem lhe acometeu; e, por fim, Joaquim caiu morto.
            Aos poucos, o porto flutuante da Petrobrás afundou nas frias águas do Rio Amazonas até ancorar na talvegue do rio. A mulher lançou um último olhar ao corpo do jovem e saiu pela porta de aço, que se abriu assim que a silhueta feminina encostou.
            Enquanto isso, Teresa e Alfredo procuravam por Joaquim, mas, como não o encontravam, decidiram acordar Moema, que dormia pesadamente no convés do Neruda:
            — Moema! Acorde — Teresa cutucou o ombro da guia. — O Joaquim... Ele está desaparecido!
            — O quê? — Moema levou as mãos aos olhos, tentando limpar o seu campo de visão. — Como desapareceu?
            — Não sei... — respondeu Teresa, com a voz chorosa. — E se tiver acontecido o mesmo que aconteceu ao Marco?
            Nesse instante, Teresa olhou para a popa da embarcação, esperando achar o corpo de Marco, que não estava mais lá.
            — Marco! — gritou Teresa. — O corpo dele sumiu!
            — Lárguemonos de aqui — decidiu Alfredo, segurando a roda do leme e começando a navegar com o Neruda. — Tengo una familia que cuidar.
            — Largue o timão — Moema proferiu aquelas palavras com um ar de seriedade. — Agora.
            Sem hesitar, Alfredo soltou a roda do leme e sentou-se num banquinho, tremendo-se todo.
            — Mas o que está fazendo, Moema? — questionou Teresa, sem entender a atitude da guia. — Vamos embora logo deste Inferno!
            — Aqui não é o Inferno, mulher — a voz de Moema ficou mais grave e um pouco sibilante. — Aqui é o Paraíso. São vocês, humanos, que fazem disto o Inferno. São vocês, humanos, é quem destroem tudo o que veem pela frente. São vocês, humanos, quem acreditam que são a forma de vida mais inteligente.
            — Por que está falando assim? — Teresa caminhava, de costas e em passos curtos, rumo à proa do barco. — Está querendo assustar a gente?
            — Alfredo já mijou nas calças — zombou Moema. — Mas você... Ah! O seu presente te aguarda!
            — ...Santificado sea tu Nombre; vena a nosotros tu Reino — orava Alfredo, ajoelhado na cabine, de olhos fechados. — Hágase tu voluntad en la tierra como en el cielo.
            — ¡Cállate! — sibilou Moema; os seus olhos estavam inteiramente negros e, da sua pele, começavam a "brotar" escamas. — Yo soy la diosa aquí.
            — Moema, pare com isso! — exigiu Teresa, tentando uma postura mais firme.
            Simples e direta, Moema saltou sobre a mulher e mordeu o seu braço, arrancando um bom pedaço da pele de Teresa:
            — Filha duma puta! — gritou Teresa. — Por que fez isso? Socorro, Alfredo, me ajude!
            — Chega! Cale-se de uma vez por todas! — ordenou Moema, que agarrou a mulher e saltou com ela para dentro das águas do rio.
            No fundo do rio, Teresa lutava com todas as suas forças, o que era inútil já que a adversária era algo sobrenatural. O abraço de Moema foi tão forte que Teresa rapidamente desmaiou e afogou-se, engolindo a água do Rio Amazonas até o seu corpo inflar como um balão.
            Depois disso, Moema escalou de volta o Neruda e posicionou-se diante de Alfredo, que tremia – ele parecia ter Parkinson, de tanto que tremia:
            — Pois bem... — Moema encarou o pescador. — Es tu turno.
            — ¡Por amor de Dios! — Alfredo chorava desesperado. — Nunca hice ningún daño a la naturaliza. Pesco sólo para mi familia a sobrevivir.
            — E quanto a esse bando de exploradores que você trás para o rio? — lembrou Moema, furiosa. — Ya sabes lo que quierem es explorar la naturaleza.
            — ¡Lo juro! — o homem se ajoelhou perante a mulher e suplicou. — Jamás voy a hacer... ¡Sólo te ruego que me dejes ir a mi familia!
            — Tudo bem — concordou Moema, com um sorriso perverso. — Você poderá voltar à sua família. No entanto... A partir de hoje, sempre que algum explorador te procurar, você deixará muito claro que conheceu a Boiúna de perto.
            — ¡Lo haré, lo prometo! — prometeu Alfredo, atrevendo-se a beijar os pés de Moema, que não interferiu.
            — Além disso, na sua volta para o seu vilarejo, você passará em todas as aldeias e vilarejos às margens do Rio Amazonas e dirá o seguinte: — estabeleceu a criatura misteriosa — diga a todos que O Grande Espírito do Rio, a Boiúna, ainda existe e sempre existirá. ¡Ay de quien haga tropezar uno de mi! ¡Ahora, continúe su viaje!
            Assim, Moema, a Boiúna, saltou e mergulhou no rio. Segundos depois, enquanto Alfredo retomava o curso do rio, o homem avistou uma enorme criatura serpenteando na superfície do Rio Amazonas, uma gigantesca cobra de escamas escuras, que refletiam o brilho das estrelas.