domingo, 8 de novembro de 2015

Crônica - O que o Horácio quer?

O QUE O HORÁCIO QUER?
Júnior Gonçalves | 6 de nov. 2015 – às 16h15


            Horácio, um pré-adolescente de 12 anos e morador da periferia de São Paulo, tem vontades e mil sonhos. A sua mãe, Maria, trabalha como doméstica nos grandes lares e nos apartamentos luxuosos da zona sul e, à noite, faz a graduação em Gastronomia, graças a uma bolsa que conseguiu. José, o pai de Horácio, trabalha como vigia noturno num condomínio localizado na área central da cidade.
            Quando chega da escola ao meio-dia, o Horácio toma um copo de suco e já sai de casa outra vez – é que, como a sua mãe trabalha durante o dia e o seu pai dorme durante esse período, o menino não pode ficar sozinho na rua. Por isso, foi matriculado num Centro para Crianças e Adolescentes.
            Durante o período da tarde, Horácio tem acesso a muitas coisas no C.C.A.: almoço, café da tarde, atividades esportivas, artísticas e socioeducativas, cultura, lazer, conhecimento, festas de aniversário, excursões... É atividade que não acaba mais!
            Ainda assim, parece que falta algo para o Horácio. Mesmo com todo o apoio e incentivo fornecido pelos educadores e demais funcionários da instituição, o Horácio não se sente satisfeito. Mesmo com todas as oportunidades que lhe são oferecidas em todas as tardes, o Horácio não se sente satisfeito. Na maior parte do tempo, o Horácio está fazendo alguma coisa para chamar a atenção para si. Por vezes, isso acaba em discussões ou brigas, obrigando a presença dos pais para uma conversa em busca de soluções.
            É nesse momento que o Horácio começa a sentir-se satisfeito: no momento em que enxerga os seus pais, Maria e José, tentando resolver o problema do filho, dando atenção para a sua vida.
            Não é que Maria e José não deem atenção ou não se importem com o Horácio. Mas lhes falta tempo. Maria só chega em casa à meia-noite e, aos finais de semana, preocupa-se com os trabalhos da faculdade e com as tarefas domésticas. José trabalha durante a noite e dorme para descansar durante o dia – então, nada de barulho para não o acordar. Quando o Horácio chega em casa ao fim da tarde, ele só consegue ficar com o pai por uma hora (que é o tempo que José tem para se trocar e alimentar o filho); depois disso, o menino fica sob os cuidados da avó até que a mãe chegue da faculdade.
            Então, sim, o Horácio se satisfaz quando os pais são chamados à escola ou ao C.C.A., pois esses são os momentos em que a família dele se une por ele e com ele. Justamente por isso, infelizmente, as broncas e os castigos já não funcionam mais com o menino, já que ele pode fazer de tudo para ter mais tempo ao lado do pai e da mãe.

            Horácio, um pré-adolescente de 12 anos e morados da periferia de São Paulo, é um entre muitos que têm vontades e mil sonhos. A maior vontade e o maior sonho do Horácio e desses outros tantos é que as suas famílias lhes reservem, ao menos, meia-hora por dia.

sábado, 7 de novembro de 2015

O que as nossas crianças sabem sobre o racismo?


            Trabalhar como educador me permite algo que poucos têm a chance: de alcançar os sentimentos das crianças e levar-lhes novos conhecimentos e novos valores.
            Como um escritor, costumo utilizar a leitura e a escrita como ferramentas no meu trabalho; ferramentas que potencializam essas ações.
            No mês da Consciência Negra, decidi abordar com a turma a questão do racismo, das conquistas e das desigualdades dos negros na sociedade. É claro que já tínhamos discutido o assunto algumas vezes durante o ano, mas aproveitei o mês para focar no tema.
            Então, distribui pedaços de folha de papel pautada, lápis e borrachas. Pedi que cada um escrevesse tudo o que soubesse sobre o racismo, sem preocupar-se com o que poderia estar certo ou errado, justamente porque a atividade não se tratava de julgar o certo e o errado. A atividade tinha como propósito avaliar e "diagnosticar" o conhecimento prévio das crianças sobre o tema, de modo que eu possa elaborar o material das discussões de forma que eu consiga desvendar alguns mitos e desconstruir alguns valores construídos pelo preconceito embutido pela sociedade.
            O resultado da atividade foi incrível – não no sentido positivo da palavra. Mas não pude crer em como as crianças ainda recebem valores e aprendem conceitos equivocados sobre um assunto tão abordado nos últimos anos. Há uma grande confusão entre o racismo e a consciência negra, entre referir-se a um negro como "negro" e ofender um negro com os xingamentos mais absurdos.
            A seguir, compartilho com vocês um pouco do que foi escrito. Acredito que este material possa provocar-nos e levar-nos à reflexão sobre como transmitimos os valores e conceitos na sociedade. Acredito que possamos refletir sobre como queremos o nosso futuro, um futuro livre de preconceitos.
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Por que o racismo existe?
            Eu não sei o porquê, mas, só porque somos negros, os brancos são racistas com a gente. Às vezes, tenho vontade de me pintar todo de branquinho para não ouvir mais essas coisas.
            Quando me chamam de "pretinho" ou de "cerâmica de chão", eu me sinto muito ofendido.
            No mundo, tem mais branco do que negro, e os branco acham que podem maltratar os negros por isso, por causa da cor.
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            Eu acho o racismo muito ruim. Já vi muito racismo, como uma pessoa chamando a outra de "escravo", um menino chamando o outro de "café". Eu mesmo já fui preconceituoso com um menino; eu o chamei de "asfalto". eu me arrependi por que, noutro dia, esse menino me defendeu de dois meninos; nunca mais fui preconceituoso com ninguém.
            Tenho muito orgulho de ter amigos negros.
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            O racismo é uma coisa que é feia; não pode ser usado contra as pessoas e contra os amigos nem na escola. Eu já fui zoado de "macaquinho branco" – não podem fazer isso!
            Chega de ser racista! Parem agora!
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            A consciência negra é uma coisa horrível para uma pessoa. Quando se fala que a pessoa é "macaco", "negro" e "preto", a pessoa fica triste. Também, todo o mundo é igual. A pessoa que faz essas coisas é preconceituosa.
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            O racismo faz muito mal às pessoas. Ele muda o sentimento das pessoas de bem para mal. O combate ao racismo é bem impossível.
            Eu já li que o racismo é uma discriminação baseada na suposta inferioridade de certas raças. O racista é relativo ao racismo.
            Negro, branco, moreno, são todos seres humanos; não têm diferença nenhuma. Não usem o racismo nunca!
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            Eu já sofri racismo; é muito ruim, mas, depois, eu não ligo mais. É muito ruim para as pessoas que sofrem.
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            Faz bem combater o racismo.
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            O racismo é quando uma pessoa branca se acha mais só porque ela é branca e a outra é morena.
            Eu sou contra o racismo. É muito feio!
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            A consciência negra é uma coisa boba porque nós somos todos iguais. Tipo, se você me chama de negro, você está xingando você mesmo porque você é igual a todos.
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            Eu não tenho preconceito com negros, mas isso é muito antigo. Eles apanhavam, mas isso mudou.
            Eu não tenho preconceito porque todos são iguais; eu só não sou da mesma cor. Só isso! Eu tenho o mesmo corpo humano e as mesmas partes do corpo.
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Por que o racismo é ilegal?
            O racismo é ilegal porque só traz coisas ruins, além de trazer mágoas para as pessoas, como por exemplo: você xinga uma pessoa por causa da cor diferente da sua; maltrata uma pessoa porque ela é especial ou sei lá...
            Vamos falar do preconceito. Ele também é muito ruim: é quando você não gosta da pessoa por causa das condições e da classe social dela. Fico muito sentida com o episódio de Carrossel (com a Maria Joaquina e o Cirilo): ela maltrata ele, despreza ele porque ele é o único negro da turma e não tem a mesma condição que os demais da turma.
            Uma coisa que todos nós devemos aprender na vida: SOMOS TODOS IGUAIS. Quantas vezes eu já chorei por causa de problemas assim? PRECONCEITO e RACISMO! Já cometi muitos erros na vida por causa de bullying, mas, aos poucos, fui aprendendo que somos todos iguais.
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            Eu acho que o racismo atinge muito os sentimentos, tanto das pessoas negras quanto das pessoas brancas, porque, mesmo que o branco xingue o negro e perceba que ele fez algo de errado, se fosse eu, ficaria com remorso.
            Eu penso assim: todo o mundo tem de pensar duas vezes antes de praticar o racismo porque, se a pessoa for branca ou negra, tenho certeza de que ela é feliz com a cor que tem. Não precisa ter vergonha da cor que tem, ame a si e se valorize.
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            Eu também sofri racismo na minha escola: me chamaram de "branquela azeda". Isso é muito ruim e magoa bastante.
            Bom, tem muita gente que gosta de fazer os outros sofrerem e muita gente que quer ajudar quem está magoado. O preconceito é assim: magoa, sofre, chateia e as pessoas ficam num canto, depressivas, podendo até se matar.
            Quem planta, colhe o que plantou. Então, não façam isso. Seja cuidadosa(o).
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            O racismo é coisa ilegal. A maioria das pessoas comete o racismo. As pessoas que cometem sabem que estão machucando os outros e, a maioria, são pessoas brancas cometendo o racismo com pessoas negras.
            Os brancos acabam falando que é muito vergonhoso ser negro. Vergonhoso não é ser negro; vergonhoso é cometer o racismo.
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            O negro sofre pelo racismo. Tem criança que também sofre racismo.
            (Raça+ismo) s.m.: segregação; prática de preconceito racial; antipatia ou aversão a outras raças.
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            O racismo é violência com palavras quando a sua cor é negra ou branca. Para mim, não existe isso. Todos nós somos iguais.
            O que mede uma pessoa é o caráter da pessoa – se a pessoa é uma pessoa boa.
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            Eu sei o que é o racismo porque eu já sofri racismo. A menina me chamou de "neguinha da Barra Funda" e, por isso, eu quis fazer progressiva. Mas, quando eu me olhei no espelho, eu percebi que eu estava errada. No dia que ela me chamou, eu não tinha falado para a minha vó e, quando eu percebi, eu tinha que ter falado desde o começo.