No dia 4 de julho de 1865, após três
anos sendo enriquecida e aprimorada, foi publicada a história duma menina que
encantou o público da Literatura Fantástica: As Aventuras de Alice no País das
Maravilhas, de Lewis Carrol – pseudônimo de Charles Lutwidge Dogson.
O livro conta a história de Alice,
que acaba caindo, literalmente, num mundo fantástico repleto de criaturas
antropomórficas, cheio de coisas ilógicas e de características dum sonho. O
livro não é só dedicado às crianças, pois foi uma forma que Lewis encontrou
para satirizar seus amigos e inimigos, além de ter criado paródias para poemas
populares ingleses do século XIX.
No próximo mês, Alice comemora os
seus 150 anos. Para lembrar desse clássico, produzi uma tradução dum trecho do
livro, a qual verão a seguir.
CAPÍTULO 1 – Pela toca do coelho
Alice já dava indícios do seu
cansaço por estar sentada naquele banco ao lado da sua irmã sem ter nada para
fazer: vez ou outra, ela bisbilhotava o livro que a irmã lia, mas, não havia
ilustrações ou diálogos nele.
— Pra quê serve um livro — pensou
Alice — se não tem desenhos e nem conversas?
Na sua mente, então, ela pensou (o
máximo que pôde, já que o dia abafado a deixou muito sonolenta e entorpecida)
se a alegria em confeccionar uma pulseira de flores compensaria o problema em
ter de levantar-se para colher as tais flores. Daí, de repente, um Coelho
Branco com olhos rosados correu muito próximo a ela.
Não havia nada de tão extraordinário naquilo; e Alice não
achou muito incomum ouvir o Coelho falar consigo mesmo:
— Ó, céus! Poxa! Estou atrasado!
Depois, quando ela parou para pensar,
achou que deveria ter percebido o quão estranho era, mas tudo fora muito
natural na hora. Mas, quando o Coelho pegou um relógio no bolso do seu colete,
e consultou as horas e, depois, ficou preocupado com a hora, Alice se levantou
e, num clarão de ideias, lembrou-se de que nunca havia visto um coelho vestindo
um colete com bolsos, e muito menos um relógio para tirar desse bolso. Sem se
aguentar de curiosidade, ela correu pela grama atrás do coelho e, com sorte,
conseguiu vê-lo saltar dentro duma grande toca de coelho sob a cerca.
No segundo seguinte, Alice saltou na
toca, sem pensar em como conseguiria sair dali depois.
A toca do coelho era profunda, como
um túnel que levava a algum lugar desconhecido, e, de repente, virou um buraco,
de modo que Alice nem teve como pensar em parar antes de começar a cair em algo
que parecia não ter um fundo.
Ou aquilo não tinha fundo, ou ela
caía muito lentamente, pois ela já havia passado muito tempo olhando ao seu
redor para desejar saber o que aconteceria depois daquilo. Primeiro, ela tentou
olhar para baixo e descobrir para onde estava caindo, mas estava tudo muito
escuro para conseguir enxergar. Depois, ela olhou para os lados do túnel e
percebeu que as paredes eram cheias de cristaleiras e estantes de livro. Aqui e
ali, havia mapas e quadros pendurados em estacas. Ela pegou uma tigela de uma
das estantes enquanto caía – havia uma etiqueta dizendo “Geleia de Laranja” –,
mas, para a sua tristeza, estava vazia. Ela não quis largar a tigela por medo
de matar alguém, assim, conseguiu guardá-la numa das cristaleiras enquanto
caía.
— Bom... — pensou Alice. — Após cair
tanto assim, eu não vou achar ruim se cair das escadas! Em casa, vão me achar
muito corajosa! Até porque não falarei nada se eu cair, mesmo se for do telhado
de casa! — O que, provavelmente, era verdade.
Cair, cair e cair. A queda parecia nunca ter um fim!
— Quantos metros eu já devo ter
caído neste tempo? — questionou-se em voz alta. — Já devo estar bem perto do
centro da Terra. Vamos ver... Acho que isso seria mais de seis mil metros
abaixo da terra. — Como podem ver, Alice não aprendeu muitas coisas desse tipo
em suas lições da escola e, pensando bem, aquele não era um momento muito
adequado para mostrar os seus conhecimentos, além de não ter ninguém para
ouvi-la, mesmo que dizer fosse uma boa prática.
— Sim! É a distância correta. Mas,
aí, fico pensando em qual Latitude ou Longitude estou? — Alice não fazia ideia
do que era a Latitude nem a Longitude, mas achava que eram ótimas palavras a
serem ditas.
Logo, ela recomeçou:
— Será que eu posso cair direto
através da Terra? Seria muito engraçado aparecer no meio das pessoas que andam
com suas cabeças para baixo. Os Antipáticos, acho que é isso — ela não estava
tão triste, agora, por ninguém ouvi-la, pois aquela parecer ser a palavra
certa. — Mas tenho que perguntar o nome do país a eles. Com licença, Senhora,
aqui é a Nova Zelândia ou a Austrália? — Ela tentava imitar um cumprimento
enquanto falava (cumprimentar em queda livre – já pensou nisso?). — Ela vai
achar que sou uma garota ignorante por perguntar isso. Não, eu não perguntarei.
Talvez eu possa ver o nome escrito em algum lugar.
Cair, cair e cair. Não havia mais
nada a fazer, então Alice voltou a falar:
— Acho que a Diná vai ficar com
muita saudade de mim! — Diná era a gata de estimação. — Tomara que eles se
lembrem de dar o leite dela na hora do café. Diná, minha querida, queria que
estivesse aqui embaixo comigo! Acredito que não há ratos no ar, mas você
poderia capturar um morcego, e isso se parece muito com um ratinho, né? Mas
será que gatos comem morcegos?
E, então, Alice começou a ficar mais
sonolenta e continuou falando sozinha de uma maneira sonhadora:
— Gatos comem morcegos? Morcegos comem
gatos? — ela alternava.
Como podem ver, ela não conseguia
responder nenhuma das perguntas e, por isso, não importava a ordem. A menina
sentiu que estava cochilando e começou a sonhar que caminhava de mãos dadas com
Diná, falando com a gata seriamente:
— Então, Diná, fale a verdade...
Você já comeu um morcego? — de repente, houve um baque e Alice caiu sobre um
monte de galhos e folhas secas. A queda havia chegado ao fim.
Alice não havia se machucado nem um
pouco; então, em segundos, ela pôs-se de pé. Ela olhou para cima, mas estava
tudo muito escuro; atrás dela havia outro grande túnel e o Coelho Branco
passava por ali, todo apressado.
Não havia tempo a perder, e Alice,
parecendo uma ventania, correu atrás do animal a tempo de ouvi-lo falar, assim
que ele havia feito uma curva:
— Ah! Pelas minhas orelhas e pelos
meus bigodes! Está ficando tarde!
Ela estava bem atrás deles quando
fez a curva, mas o Coelho já havia desaparecido. Alice se viu num cômodo com o
teto baixo e que se estendia vastamente, todo iluminado por uma fileira de
lâmpadas que pendiam do teto.
Havia portas por todo o cômodo, mas
elas estavam todas trancadas. Depois de ter percorrido todo o cômodo por um
lado e ter voltado pelo outro lado, tentando abrir porta por porta, Alice
caminhou com desânimo para o centro da sala, pensando em como ela sairia dali.
De repente, ela encontrou uma
mesinha de três pés, toda feita em vidro; não havia nada sobre o móvel, exceto
por uma minúscula chave dourada, e o primeiro pensamento de Alice foi que a
chave poderia abrir uma daquelas portas. Mas (para a sua infelicidade!), ou as
fechaduras eram grandes demais, ou a chave era pequena demais; mas, de qualquer
forma, não seria possível abrir nenhuma das portas.
Entretanto, na segunda tentativa,
Alice encontrou uma cortina que, antes, não havia percebido; e, atrás dela,
havia uma portinha que media cerca de 40 centímetros. Ela tentou colocar a
pequena chave na fechadura e, para a sua sorte, coube perfeitamente!
Alice abriu a porta e descobriu que
ela levava a um pequeno túnel – não muito maior do que uma toca de ratos. Ela
se ajoelhou e olhou através do túnel, enxergando o mais lindo jardim que já
havia visto. Ela estava “doida” para sair daquela sala sombria e passear por
entre aqueles canteiros de flores luminosas e aquelas fontes de água fresca;
mas ela mal podia passar a sua cabeça pela porta.
— E, mesmo se a minha cabeça
coubesse — pensou Alice —, não teria muita serventia sem os meus ombros. Ah!
Como eu queria poder ser dobrável como um telescópio! Eu acho, até, que eu
poderia se, ao menos, soubesse por onde começar.
Vejam, como tantas esquisitices
aconteceram ultimamente, Alice começava a achar que algumas coisas, aliás, era
verdadeiramente impossíveis.
Não havia porque esperar ao lado da
portinha; então, Alice voltou em direção à mesa, esperando, talvez, encontrar
outra chave sobre o móvel, ou, também, um manual para dobrar pessoas como
telescópios. Foi, aí, que ela encontrou uma garrafinha sobre a mesa:
— Isso, sem dúvida, não estava aqui
— comentou Alice.
Em volta do gargalo, havia uma
etiqueta de papel com as palavras “BEBA-ME” gravadas, de forma graciosa, em
letras grandes.
Tudo bem em dizer “BEBA-ME”, mas a
pequenina e sabida Alice não faria aquilo
tão depressa.
— Não... Vou dar uma olhada antes —
ela disse — e ver se está ou não marcado “veneno”.
A menina já havia lido muitas lindas
historinhas sobre crianças queimadas e comidas por criaturas selvagens, além de
outras coisas desagradáveis, tudo porque não se lembraram das regras simples que
os seus amigos haviam-lhes ensinado. Por exemplo: um ferro em brasa pode
queimar você caso não o afaste o suficiente; ou, se você fizer um corte bem
profundo no dedo com uma faca, vai sangrar. E Alice jamais se esquecera
daquilo: se você beber de uma garrafa em que está escrito “veneno”, é quase
certeza de que você sofrerá as consequências, mais cedo ou mais tarde.
Contudo, a garrafa não continha
nenhuma marcação de “veneno”; assim, Alice não hesitou em beber, e achou o
conteúdo muito bom – na verdade, era um gosto misturado de torta de cereja,
musse, abacaxi, peru assado, caramelo e torrada com manteiga derretida; era tão
bom, que ela acabou com o líquido rapidinho.
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— Que coisa esquisita! — disse
Alice. — Devo estar-me dobrando igual a um telescópio.
E aquilo não era imaginação; de
fato, ela ficara com cerca de 25 centímetros de altura. A feição de Alice se
alegrou assim que ela se lembrou de que tinha o tamanho exato para passar pela
porta e entrar naquele adorável jardim.
Antes, contudo, ela esperou por
alguns minutos para ver se ainda encolheria mais; ela ficou um pouco assustada
com isso.
— Isso bem pode acabar — comentou
Alice, sozinha. — comigo desaparecendo como uma vela. Como eu ficaria? — Ela
tentou imaginar como se parece a chama duma vela após apagar-se, mas ela não
conseguiu lembrar-se de algo do tipo.
Após aguardar um tempo e descobrindo
que nada mais aconteceria, ela decidiu ir para o jardim de uma vez por todas;
mas, para o seu azar, ela percebeu que havia esquecido a chave dourada assim
que cruzou a porta e, então, voltou para buscá-la; foi só aí que ela se deu
conta de que não alcançava o topo da mesa – ela podia ver o objeto através do
vidro e tentou dar o melhor de si para escalar uma das pernas da mesa, mas a superfície
era muito escorregadia. Depois de muitas tentativas inúteis e de ser vencida
pelo cansaço, a pequenina Alice se sentou e começou a chorar.
— Ei! Não tem porque chorar assim! —
a menina fez um alerta a si própria de uma maneira ríspida. — É melhor parar
agora mesmo! — Geralmente, ela sempre se alertava muito bem – embora ela,
raramente, seguisse os próprios conselhos. Às vezes, ela se repreendia dum modo
tão severo que provocava choro em si própria; uma vez, ela tentara boxear as
próprias orelhas por ter trapaceado num jogo de críquete em que jogava sozinha
(essa curiosa menina adorava fingir ser duas pessoas).
— Agora não adianta — pensou a pobre
Alice — querer ser duas pessoas! Isso, porque já está difícil o bastante ser uma pessoa digna de respeito!
Alguns segundos depois, o seu olhar
chegou a uma pequena caixa de vidro que estava sob a mesa; Alice abriu a caixa
e encontrou um bolo em miniatura, no qual estava escrito “COMA-ME” em lindas
letras feitas com groselha.
— Bom, vou comer — decidiu Alice —
e, se isso me fizer crescer, poderei pegar a chave; agora, se isso me fizer
diminuir, poderei rastejar sob a porta e chegarei, de qualquer forma, no
jardim, não importa o que aconteça.
A menina mordiscou um pedaço.
— E aí? E aí? — perguntava a menina,
freneticamente, segurando sua mão em cima da cabeça para sentir se estava
crescendo; mas ela ficou bem surpresa ao ver que continuava do mesmo tamanho
(para ser exato, isso costuma acontecer quando se come bolo, mas Alice já estava
acostumada a não esperar nada além de esquisitices acontecendo – porque,
parecer normal, parecia-lhe chato!).
Então, Alice decidiu agir e acabou com
o bolo duma vez por todas.
Fonte:
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