Abriu os olhos. Estava escuro, mas era possível enxergar o LED vermelho do rádio-relógio marcando seis horas. Seis horas da manhã. Quis levantar-se, mas algo fazia sua cabeça pesar. Tentou mover as mãos. Nada. Tentou mover as pernas. Muito menos. Quis gritar. Nem um sou foi emitido. E, então, as lágrimas rolaram.
Inexplicavelmente, seu corpo estava imóvel, não conseguia mover um músculo, nem mesmo piscar os olhos. Os olhos ardiam, mas não conseguia fechar as pálpebras. A mulher não tinha controle algum sobre seu corpo. Quanto mais tentava se mover, mais lágrimas escorriam por seu rosto, o que por sorte deixava os olhos lubrificados.
Olhava para o rádio-relógio na parede, ansiosa, mas os minutos pareciam não passar. Chorou novamente. Por alguns instantes tudo escurecera novamente. Ela havia desmaiado. Sentiu uma dor, uma queimação, em seus olhos com um clarão que surgiu repentinamente. A luz do cômodo fora acesa, mas a jovem não conseguia proteger a visão. Uma mulher, mais velha, se aproximou, com uma feição assustada. Era a sua mãe. Tentou pedir ajuda, mas ainda estava inerte. Sua mãe lhe chamava pelo nome, mexia em seu corpo, mas provavelmente não percebera reação alguma.
A mãe da moça saiu do cômodo, então, por alguns minutos e retornou com um jovem homem. Ela tentou berrar ao ver quem era, o seu esposo. Mas foi outra tentativa inútil. O jovem, ao ver a situação, deitou-se sobre seu corpo e começou a se lastimar. Aquilo a deixou ainda mais tensa. Suas lágrimas já não escorriam mais, haviam secado. Sua mãe e seu esposo a tinham como morta, muito provavelmente, pensava. A sensação de invalidez imperava junto ao desespero.
Seu esposo saiu do quarto, e sua mãe começou a mexer no guarda-roupa. Em seguida, retirou toda a sua roupa. Por que aquilo? Então percebeu que a mãe segurava acessórios de banho, como bacias, buchas, sabonete e toalhas. Sentiu a água morna escorrer por seu corpo, ali na cama, encharcando tudo. Quando o banho foi terminado, foi pega no colo por sua própria mãe, uma mulher robusta, que a colocou no canto seco da cama. Começou a secá-la com uma toalha muito macia. Queria gritar para a mãe, pedir ajuda, mas não conseguia. Alguns minutos depois viu o seu esposo se aproximar com um homem e uma mulher vestidos de branco.
O homem de branco, por sua vez, segurou-lhe o pulso por trinta segundos, e então o largou, lamentando-se. Após isso, a moça de branco pediu aos homens que se retirassem, e junto à mãe abaixavam-lhe as calças. Sentiu que estavam inserindo alguma coisa em suas partes íntimas. Desesperada, não sabia mais o que fazer... Percebeu que estavam preparando-a para seu próprio funeral. Estava viva, porém imóvel, dando a entender que estava realmente morta. Para o seu azar, naquela cidade de interior onde sua mãe vivia, os médicos pouco se preocupavam em tentar diagnosticar doenças ou causas das mortes. Aquela viagem, que era para ser perfeita - já que não via sua mãe há anos - estava se tornando em seu pior pesadelo.
Quando foi novamente revirada, a enfermeira enfiou pedaços de algodão em sua boca, e depois em seu nariz, e orelha. Sentiu-se sufocada. O medo cresceu quando viu que a enfermeira, junto à mãe, vinha lhe fechar os olhos. Ali, percebeu que era o fim. Estava morta para todos, e mal conseguia protestar. Morreria por acharem que já estava morta há muito tempo. Ironia. Sentiu as mãos de sua mãe e da enfermeira e enrolarem numa espécie de cobertor. Então lembrou-se de que o costume, no interior do nordeste, era enterrar os mortos não em caixões, mas em redes de descanso. Sentiu ser transportada para outro lugar, mas desmaiou novamente.
Após algumas horas, acordou. E conseguiu abrir os olhos, finalmente. Mas já era tarde. Ela sentia seu corpo ser esmagado, provavelmente já estava debaixo da terra. Tentou mexer os braços, mas o peso era muito. Arranjou forças de onde não tinha e conseguiu se desembrulhar daquele pano, agora não era mais prisioneira do próprio corpo, mas da terra. Puxava, desesperadamente, a terra para baixo, tentando subir naquela escuridão. Lembrou-se dos pedaços de algodão, e os removeu de suas narinas e de sua boca com selvageria, arranhando o próprio rosto. Tentou puxar a terra. Mas a terra entrava por sua boca e seu nariz, sufocando-a cada vez mais. Aos poucos, perdia a sua força. Percebeu que não conseguiria sair dali, e chorou. A última coisa que sentiu, antes de sucumbir à morte, foi o ar gélido passando pelas pontas de seus dedos, que alcançaram a superfície.