quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Qual bruxa é qual? Uma história dos julgamentos das bruxas de Salém

Com mais de 200 pessoas acusadas por bruxaria e 25 execuções, os julgamentos das bruxas de Salém foram fatais

 
Escrito por Hanna Seariac  | Traduzido por Júnior Gonçalves

Library of Congress | Representação fantasiosa dos julgamentos de Salém.

Os julgamentos das bruxas de Salém duraram apenas um ano.

Naquele ano, mais de 200 pessoas foram acusadas de praticar bruxaria. De acordo com a Smithsonian Magazine, os julgamentos começaram em 1692 mas, antes disso, a Europa passou por uma perseguição às próprias bruxas.

A caça às bruxas no início da Era Moderna na Europa

 
De 1300 até 1600, várias regiões da Europa vivenciaram a caça às bruxas. Esses momentos de perseguição às bruxas eram quase sempre mortais e motivados por manuais com o "Malleus Malleficarum" de Heinrich Kramer (traduzido como "O Martelo das Bruxas", que proveu justificativas teológicas para a caça às bruxas.

Washington University in St. Louis | Página de rosto de "O Martelo das Bruxas".

As acusações de bruxaria no início da Europa Moderna poderiam resultar em fatalidades. Berkeley Law  declarou que o desenvolvimento das leis sobre heresia e a definição de bruxaria como uma heresia (juntamente às ideias sobre o que constituía magia e bruxaria) levou muitas sociedades a considerar a bruxaria como um crime herético. Em caso de condenação, a punição era a morte na maioria das vezes.
 
Brian Levack escreveu em seu livro “A Caça às Bruxas” que a descriminalização da bruxaria aconteceu simultaneamente ao aumento do ceticismo filosófico e religioso. A economia se desenvolveu e as superstições passaram a ser associadas às pessoas de classe econômica mais baixa. A caça às bruxas no início da Era Moderna na Europa seguiu (e, de certa forma, coincidiu com) a Peste Negra ou Peste Bubônica, a pandemia mais mortal já registrada na história.
 
A peste bubônica causou estragos por toda a Europa, deixando tudo como um lugar instável. Somado à desestabilização da Europa, o antissemitismo, que já prevalecia, aumentou quando as comunidades judaicas foram culpadas pela peste bubônica. De acordo com a Universidade de Notre Dame, as bruxas também tinham culpa sobre a doença. As acusações de bruxaria se desenvolveram lado-a-lado ao antissemitismo. Essas acusações, frequentemente, eram focadas em acordos com o diabo.
 
O “Malleus Maleficarum” operava com base na suposição de que uma bruxa era uma pessoa, uma suposta mulher de acordo com o manual, que trabalhava ativamente com Satanás. As mulheres que davam luz a bebês natimortos eram quase sempre consideradas bruxas dentro do contexto desse manual - uma ideia perigosa para sociedades que, regularmente, lidavam com o aborto e a morte infantil.
 
Na prática, as acusações de bruxaria coincidiam e se afastavam do manual, pois, normalmente, tinham mais a ver com a situação dentro da Lei, o status econômico, a raça, a religião e, frequentemente, o gênero.
 

A Caça às Bruxas de Salém

 
Na medida em que o início da Europa Moderna lidava com o declínio da caça às bruxas em 1600, a Nova Inglaterra vivenciava a perseguição às bruxas ao mesmo tempo - especificamente, dois julgamentos significativos. O primeiro julgamento das bruxas da Nova Inglaterra começaram em 1647: os julgamentos de Connecticut.
 
Os julgamentos de Salém, que aconteceram em Salém, Massachusetts, começaram bem no final dos julgamentos de Connecticut. Em 1692, as acusações de bruxaria começaram a percorrer a Vila de Salém.

History | Algumas mulheres, durante os julgamentos, eram mergulhadas na água para provar que praticavam bruxaria.

As primeiras acusações que vieram à tona foram de Betty Parris e Abigail Williams. As duas meninas - que tinham 9 anos e 11 anos de idade respectivamente - acusaram uma mulher escrava chamada Tituba de enfeitiçá-las quando começaram a apresentar sintomas estranhos, de acordo com o site History.com. Tituba era escrava de Samuel Parris, obrigada a ir para Barbados para a Nova Inglaterra colonial. Alguns historiadores acreditam que a raça e o status social de Tituba foram motivos para que Betty e Abigail a acusassem de bruxaria.
 
Depois, Betty e Abigail acusaram duas outras mulheres de bruxaria também, Sarah Good e Sarah Osborne. Arthur Miller se baseou nessas acusações iniciais para escrever a sua peça teatral "The Crucible" em 1953, utilizando os julgamentos de Salém para falar sobre o macarthismo.
 
Combinadas com os escritos influentes de Cotton Mather e Increase Mather sobre as "aflições" das garotas Goodwin e as respostas teológicas à bruxaria, essas acusações iniciais abriram os julgamentos de Salém na Nova Inglaterra.
 
Rapidamente, a vila de Salém entrou em pânico e muitas acusações foram feitas. Em março de 1692, com apenas 4 anos de idade, Dorothy Good (a filha de Sarah Good, que havia sido acusada de bruxaria por Betty Parris e Abigail Williams) também foi acusada de bruxaria: "quando esta criança lançou seus olhos sobre as pessoas aflitas, elas ficaram perturbadas e seguraram a cabeça dela e, ainda assim, por mais que seus olhos pudessem se fixar, foram afligidos". Dorothy foi presa depois disso.
 
De acordo com o Historic Ipswich, Dorothy ficou presa por vários meses até que o seu pai, William Godd, conseguisse pagar a sua fiança. Sarah Good foi enforcada depois de, na prisão, dar à luz a uma criança chamada Mercy (algo como "Piedade"). A criança também morreu.
 
Em seu livro "Entertaining Satan: Witchcraft and the Culture of Early New England" ("Entretendo Satanás: A bruxaria e a cultura no início da Nova Inglaterra"), John Demos detalhou como as mulheres eram acusadas. Martha Corey, por exemplo, foi acusada por Anne Putnam e Bridget Bishop. Mesmo alegando a sua inocência, Bishop foi executada. De acordo com a Smithsonian Magazine, Cotton Mather implorou ao tribunal para não usar evidências espectrais. Uma evidência espectral era qualquer testemunho sobre visões ou sonhos, que era frequentemente utilizada durante esses julgamentos. O tribunal recusou e continuou a utilizar tal recurso.
 
De acordo com o blogue History of Massachusetts, o ano teria mais de 200 acusações de bruxaria, cerca de 140 a 150 pessoas detidas por bruxaria e várias executadas ou muitas que morreram na prisão. O Governador William Phips pôs fim à caça às bruxas de Salém em março de 1693, mas, a essa altura, várias haviam morrido ou sido executadas.
 
Três séculos depois, Massachusetts perdoou oficialmente todos os que foram condenados injustamente durante os julgamentos. De acordo com o The Guardian, a última a ser exonerada foi Elizabeth Johnson, Jr. Embora Johnson tivesse apresentado um pedido de exoneração em 1712, isso não aconteceu até março de 2022 quando ela foi, finalmente, perdoada.

NPR | Memorial destinado às vítimas dos julgamentos de Salém.

O portal de notícias NPR informou que Salém homenageou as 19 pessoas que foram enforcadas, as 5 que morreram na prisão e uma que foi apedrejada durante os julgamentos.
 
Fonte: DeseretNews. Disponível em: [Salem Witch trials history: Who was accused in the Salem Witch trials? - Deseret News]. Acessado em 1 de fev.de 2023. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Um fungo parasita poderia evoluir para controlar os humanos?


O fungo criador de zumbis no jogo The Last of Us é real, mas há muitos outros fungos para temer. Das 5 milhões de espécies de fungos no planeta, algumas centenas são nocivas para as pessoas.

Escrito por SARAH GIBBENS | Traduzido por JÚNIOR GONÇALVES

Uma formiga, que já não tem mais controle sobre o próprio corpo, arrasta-se para longe de sua colônia, pendura-se numa folha perigosamente, e espera para morrer enquanto um fungo consome o seu corpo, emerge em sua cabeça e libera esporos no ar.

 
"São como pequenos e ameaçadores enfeites de Natal pela floresta", conta Ian Will, geneticista de fungos da Universidade da Flórida Central, onde essas formigas zumbis podem ser encontradas.
 
E se esse fungo parasita pudesse fazer o mesmo conosco?
 
É essa a premissa da nova série de televisão baseada no jogo de videogame The Last of Us no qual, como resultado de temperaturas mais quentes provocadas pela mudança climática, um fungo toma todo o mundo e transforma os humanos em zumbis controlados por um parasita.
 

"De um jeito fantasioso, as conexões lógicas estão lá, mas não é provável que isso aconteça na vida real", diz Will. Mas enquanto os cientistas não estão preocupados com fungos que evoluem para transformar pessoas em zumbis, o aumento das temperaturas representam um risco real de fazer com que as infecções por fungos piorem.

 

Como o parasita infecta as formigas?

O criador de The Last of Us, Neil Druckmann, relatou que a sua inspiração veio de um vídeo da natureza mostrando o fungo, Ophiocordyceps unilateralis, infectando uma formiga-cabo-verde. Os cordyceps são uma vasta categoria de parasitas de insetos e também um suplemento popular para a saúde. Mas apenas os ophiocordyceps controlam o seu hospedeiro.


Cerca de 35 espécies desse fungo ophiocordyceps são conhecidas por transformar insetos em zumbis, mas podem existir até 600 espécies.
 
Os primeiros sintomas da infecção são comportamento errático e anormal. Os cientistas acreditam que o parasita toma o controle físico de seu hospedeiro com o crescimento de celular fúngicas em torno do cérebro, e essas células tomam posse do sistema nervoso do inseto para controlar seus músculos. "Ainda não se sabe exatamente como isso acontece, seja liberando uma substância química ou alterando o DNA do inseto", afirma Will.
 
É um processo que o fungo tem aperfeiçoado dentro do seu hospedeito específico desde antes da história da humanidade.
 
A nossa hipótese é de que eles estão coevoluindo há cerca de 45 milhões de anos”, revela Araújo.
 

Temos a certeza de que o fungo não pode infectar humanos?

Mover-se para qualquer animal de sangue quente exigiria algum trabalho evolutivo sério para o fungo.


 
"Caso o fungo realmente desejasse infectar mamíferos, precisaria de milhões de anos de mudanças genéticas", relata Araújo.
 
Cada espécie de fungo criador de zumbis evolui para atingir um inseto específico, assim, cepas únicas têm pouco efeito sobre um organismo a não ser sobre aquele para o qual elas evoluíram para infectar. Por exemplo: um cordyceps que evoluiu para infectar uma formiga na Tailândia não consegue infectar uma formiga de espécie diferente na Flórida.
 
Se um salto de uma espécie de formiga para outra é difícil, um salto de insetos para humanos é, definitivamente, ficção científica”, explica Will. “Mas essa ideia de que a temperatura desempenha um papel nas infecções fúngicas é, certamente, sensata.”
 

Uma ameaça com o aumento das temperaturas?

Mesmo sem um perigo iminente dos fungos parasitas, há muitos outros fungos a temer.

Estima-se que há milhões de espécies de fungos no planeta e algumas centenas delas são conhecidas por representar perigo aos humanos. Algo que nos protege de infecções fúngicas graves é a nossa própria temperatura corporal. Em torno de 36,6ºC, o corpo humano é quente demais para que a maioria das espécies de fungos espalhe uma infecção — elas preferem uma margem de 25 a 30ºC.


(Esqueça o que você acha que sabe sobre a temperatura corporal média de uma pessoa.)
Pitiríase versicolor, também conhecida como micose de praia.

Uma das razões pelas quais nós temos fungos de pele é porque eles podem ficar entre as dobras da pele. São lugares um tanto úmidos e escuros onde os fungos podem proliferar, pois são mais frios que a temperatura corporal,” afirma Samuel Shoham, especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
 
Com o aquecimento global, há um consenso de que a mudança entre a temperatura ambiental e a temperatura corporal não será tão dramática", ele diz. Hipoteticamente, isso faria com que fosse mais fácil para os fungos que evoluíram para resistir às temperaturas externas mais quentes para também conseguirem sobreviver dentro do organismo humano.
 
Há uma espécie de fungo capaz de infectar pessoas e os cientistas acreditam que pode ser resultado do aumento de temperaturas, é o chamado Candida auris.
 
Era desconhecido pela ciência até 2007, mas foi encontrado em três diferentes continentes em 2011 e 2012.
 
Surgiu do nada”, revela Arturo Casadevall, especialista em doenças infecciosas na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. “A ideia é que esse fungo estava por aí e, ao longo dos anos, ele se adaptou às temperaturas mais altas até conseguir vir à tona.”
 
Quando eles entram na corrente sanguínea, os fungos apresentam sintomas parecidos ao de uma infeção bacteriana, observa Shoham. Para pessoas com um sistema imunológico saudável, lutar contra eles, geralmente, não é uma questão. Mas muitos não têm tanta sorte: os Centros de Controle de Doenças estimam que 30 a 60% dos pacientes contaminados pelo fungo acabam morrendo, embora a possibilidade de que eles estivessem sob condições de saúde precárias torna difícil determinar o quão crucial o fungo Candida auris foi nesse processo.
 
Mas, quando questionado se seria possível um surto de fungos semelhante à Covid-19, Casadevall afirma que não está fora de questão.
 
Considerando essa possibilidade, ele assume: "Se estou preocupado quanto a uma doença desconhecida que surja e contamine os imunocompetentes? Claro.”
 
Fonte: National Geographic.
Disponível em: [https://www.nationalgeographic.com/science/article/parasitic-fungus-evolve-to-control-humans]. Acessado em 26 jan. 2023.