É tarde de sexta-feira. Você entra no carro para dar
seguimento à sua viagem. Já fazem dias que você está na estrada e, por mais que
tenha chegado a alguns destinos lindos e cheios de significado para você, a
sensação que tem enfrentado é de desgaste, de cansaço extremo. O cansaço tomou
você por completo.
Você entra no carro, puxa e aperta o cinto, olha o
retrovisor e dá um suspiro profundo. Então, você dá movimento para o carro e
segue a viagem. Enquanto dirige, em silêncio, você pensa sobre alguns dos seus
destinos mais fabulosos que alcançou e abre um sorriso bem singelo ao relembrar
as emoções que sentiu em cada um deles.
Algumas horas de viagem na estrada e você quer parar.
Você sente que nada agrada você, tudo é um esforço muito grande. Afinal, há
quanto tempo você está viajando, não é mesmo? E você passa o resto da noite e
do dia de sábado dirigindo, mas reclamando e lamentando por estar no comando
dessa direção. Você se sente só.
Você liga o GPS em busca de alguma alça de saída desta
rodovia. Passa o dedo pela tela, em puro desespero, e não encontra. É uma pista
reta, sem saídas próximas. Uma lágrima cai do seu rosto enquanto você se
questiona: “Por que é que eu tenho que passar por isso? Eu não aguento mais
nada disso. Queria sair logo daqui!”.
Começa a chover. Uma daquelas chuvas torrenciais,
sabe? Você reduz a velocidade por segurança, mas sente o pesar por essa decisão
– isso vai atrasar mais ainda com que você chegue a algum lugar. Você está num nível
de perturbação tão alto que até esquece de ligar os faróis do carro. E chora
porque sente o coração apertado, dolorido.
Numa curva à frente, uma placa sinaliza que há uma
parada logo adiante, um posto de conveniências, daqueles com restaurantes,
banheiros etc. Mas você acha melhor não parar “Não vou perder meu tempo com
isso. Deve faltar pouco pra eu conseguir sair desta rodovia. Eu preciso sair
desta rodovia, não aguento mais!”. Assim, você passa por aquela possibilidade
de parada sem sequer olhar para o lado. Nesse instante, você pisa um pouco mais
no acelerador e sobe uma marcha; você está com mais cansaço a cada minuto.
Por volta das 16h do sábado, após quase 20 horas dirigindo,
você pensa novamente sobre os lugares que visitou antes. Mas, dessa vez, há um
sentimento de raiva – de alguma forma, você culpa esses lugares de terem tomado
o seu tempo e isso ter feito você demorar a chegar no seu destino final. E como
toda essa raiva fez você submergir, toda a sua atenção foi tomada para essas
lembranças, mas você só focou nas dores dessas lembranças e esqueceu que esses
destinos intermediários também foram bons para você em algum momento.
A pista molhada faz o seu carro derrapar e você perde
totalmente o controle sobre a direção, com o seu carro sendo levado diretamente
para o acostamento e, em seguida, para uma valeta. Você bate a sua cabeça no
volante e o sangue escorre da sua testa, mas, em meio ao desespero, você
desmaia. Quando você acorda, você está dentro de um outro carro, uma ambulância
e ouve uma voz: Por favor, acalme-se, estamos levando você para um hospital e
você receberá atendimento!”.
Isso é ficção. Mas também é a realidade.
Quantas vezes você não disse para si próprio que está
cansado, que não aguenta mais e que quer chegar logo a um fim, ou, então, que
quer ir embora pra outro lugar?
A nossa vida é feita de estradas, rodovias, ruas, e
tantos outros caminhos. Por vezes, a gente não vai conseguir acessar outro
caminho por um longo tempo, mas, assim como nas rodovias, há paradas possíveis,
lugares onde é possível estacionar, esticar as pernas e respirar, tomar fôlego
para dar continuidade. A gente esquece de ligar os faróis para que os outros
nos enxerguem e, talvez, ofereçam alguma acolhida. Quando a gente entra numa
perspectiva de comodidade, de não tentar ver além, é isso o que acontece.
A gente deixa de admirar a paisagem, o trajeto. A
gente deixa de ser grato pelas nossas vivências, mesmo pelas ruins – mas, mesmo
as vivências ruins fizeram você chegar aqui. Cada vivência é um pedaço da sua
história, é um pedaço de você. Se você tenta apagar essas lembranças, uma hora
ou outra elas voltarão à tona porque não foram realmente apagadas, porque não
dá pra apagar o que foi vivido. Não dá. Quando eu me dei conta de que não era
possível apagar as lembranças, eu entrei em desespero... Como eu passaria o
resto da vida com lembranças que me provocavam dores?
Mas, aí, eu passei a tentar enxergar o que cada uma
dessas lembranças realmente significava pra mim. Foi quando entendi que elas
eram parte do que eu sou hoje, elas contribuíram para o meu crescimento, para
formar o meu eu de hoje.
Nem sempre vai ser possível continuar na mesma
estrada. Você vai encontrar algumas estradas esburacadas, algumas rodovias em
reforma e outras sendo construídas. Algumas pontes vão cair e impedir o seu
acesso a outros lugares, mas outras novas pontes serão reconstruídas – para novos
caminhos. A gente precisa desapegar dessa ideia do infinito, de que tudo é para
sempre. Nem toda estrada tem um final feliz, mas pode ter um caminho feliz por
um tempo determinado; e, se a gente não aproveita esse caminho, a gente chega
ao final dela frustrado, porque a gente só esperava pelo final e sequer
percebeu que o meio dela era maravilhoso.
Vai doer. Reprogramar a rota vai doer mais do que você
pensa. Porque isso significa que você vai ter de abandonar alguns planos,
algumas expectativas, e nunca é fácil abandonar as expectativas. Mas tente
reprogramar as rotas, tente buscar novos caminhos. E, nesses novos caminhos,
faça um esforço para admirar a beleza que há em volta – porque há!