quarta-feira, 6 de novembro de 2019

O voo da Fênix




Um vento frio e sibilante soprava por entre as árvores da floresta. Alguns animais pequeninos corriam para suas tocas e para os seus ninhos enquanto fugiam daquele ar congelante. O céu estava num tom cinza chumbo e as nuvens pareciam formar ondas tridimensionais no alto.

No alto de uma montanha, repousava em seu ninho uma ave diferente. Com uma crista de penas amarelo-ouro, seus olhos negros fitavam o horizonte, como se estivessem hipnotizados. Seu pescoço era forrado por rajados de preto sobrepostos ao laranja. E seu corpo era todo avermelhado como uma mancha de sangue vívido. O seu rabo se estendia por longas dez penas pretas e pintadas de branco.

A ave estava ferida. Uma fumaça esverdeada saía debaixo de uma de suas asas, por um extenso ferimento profundo. O sangue dourado escorria feito ouro derretido pelas pedras da montanha, mas a ave continuava fitando o horizonte em chumbo. Há pouco mais de seis anos, aquela mesma ave havia passado por um intenso processo de transformação e de renascimento.

Era sempre assim: algo a machucava demais de forma que ela ficasse impedida de continuar voando. Sempre suas asas eram afetadas e ela perdia a bela habilidade de voar rasante pela floresta e por todos os campos que ali cercavam. Mas, desta vez, o ferimento parecia mais profundo; ela sentia uma dor agonizante sob o seu peito e, por isso, não conseguia alimentar-se nem reagir... Poupava a sua energia restante, o seu calor restante.

Desta vez, ela achava que não poderia reerguer-se. Acreditava estar fraca demais para isso, que seria impossível. Então, algo aconteceu: um pequeno mico-leão escalou a montanha e jogou algo perto dela; era uma semente de carvalho. A ave olhou para a semente e entendeu: carvalhos são árvores utilizadas como medidores de catástrofes naturais, são as árvores que mais absorvem as consequências de temporais – quanto mais tempestades o carvalho enfrenta, mais forte ele fica, com suas raízes se aprofundando ainda mais sob a terra e tornando o seu tronco mais robusto, ficando muito firme no solo. Outros animais fizeram o mesmo: trouxeram gotas de água, outras sementes, flores e frutos. Tudo na intenção de acolher aquela ave majestosa. A ave moveu a cabeça em agradecimento.

Raios e trovões começaram a tomar conta do local num festejo particular. Em seguida, o vento ficou mais forte. A ave soltou um gorjeio melancólico. Todos os animais ali perto olhavam com lamento. Foi como um grito de alarme. No instante seguinte, as penas da ave começaram a desprender-se do seu corpo, deixando-a completamente vulnerável. A sua ferida ficou visível: um corte irregular que jorrava o sangue dourado e brilhante, o mesmo sangue que era absorvido pela terra a cada gota caída. Então, numa rajada de vento, a ave começou a se desintegrar, literalmente, virando pó. Os seus restos, feito poeira de um diamante, eram levados pelo vento e dançavam em sintonia pelo ar.

A chuva começou a cair. Todos os animais se recolheram novamente para as suas tocas enquanto observavam a chuva derrubar cada pedaço restante do que havia sido aquela linda ave. E os pedaços se amontoaram todos no chão, numa clareira. Cerca de três horas depois da tempestade, o céu clareou e exibiu um espetáculo de cores azul e violeta. Aos poucos, os animaizinhos rodearam o monte de poeira restante da ave e ficaram ali por um momento.

A última nuvem de chuva que restou lançou um raio em direção aos restos da ave. E o pó começou a pegar fogo. Uma chama muito alta começou a arder num vermelho vivo e dançante. Os animais, assustados, afastaram-se para trás. Mas o fogo não parava de crescer: a chama tomou proporções altas e um formato peculiar. Aos poucos, o fogo tomava a forma de uma ave no céu, com suas enormes asas se abrindo de uma ponta a outra e a sua cabeça olhando para cima, num canto harmonizado que ecoava por todo o lugar.

O fogo começou a diminuir e a exibir aquela mesma ave que estava ferida. Mas, agora, ela estava curada. Ela precisou do caos, da água, do ar, da terra e do fogo para curar a si e transformar-se na sua melhor versão. Era uma fênix, uma linda ave colorida que emanava um brilho quente por suas penas.

A fênix olhou para cada um dos animais que estava ali, percorreu o olho por cada ser vivo. Então, virou-se e, num súbito mergulho, voou para a imensidão do céu, sumindo no horizonte em busca de uma nova vida.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Cartas para a Vida - #02


CARTA N. 02 – Não era pra ser diferente?



Querida Vida, pode até ser que você pense que eu não te quero bem, mas eu quero. Quero muito! Mas confesso que estou um pouco confuso com tudo o que vem acontecendo.

Lembra que, naquela primeira carta, eu contei pra você como eu me sentia sobre as coisas? No final, eu te perguntei o que fiz a você. Perguntei se você lutava contra mim. Você não me respondeu... Pelo menos, não respondeu verbalmente. Você agiu e tem me mostrado que não gosta nem um pouco de mim.

A cada dia que passa, eu luto contra uma vontade imensa de acabar com você e dormir de um jeito que nunca dormi; talvez, assim, eu não sentiria mais nada disso, nem dores, nem sofrimento, nem medo, nem desesperança. Eu tô tão acuado, tão amedrontado com tudo o que tem acontecido...

Eu sei que não estou só. Sei que tenho dezenas de pessoas ao meu redor querendo me ver bem. Mas não é o que eu sinto. A todo instante, a minha mente vem e me diz: “Cara, você não percebe? Você não é necessário!”. A todo instante, eu luto contra tudo o que o meu cérebro me diz... E ele diz tanto: “Você é um lixo”, “Você é descartável, afinal, não é?”, “Para de ficar tentando qualquer coisa, já era pra você!”. E eu não sei mais como lidar com tudo isso. Eu juro que não sei!

Eu sei que relacionamentos vão e vêm. Sei que relacionamentos são finitos porque sentimentos são mutáveis, adaptáveis. Mas as coisas poderiam ter sido de outra forma... Não tinha um jeito de me preparar para tudo isso? Lutei, lutei, pra acabar assim? É esse o meu destino?

Eu não sei o que fazer. Eu não sei. Nesses quarenta e poucos dias, houve três dias em que a única coisa que pedi antes de dormir foi: “Espero não acordar amanhã.”. Eu nem sabia que tinha tanto para chorar, a ponto de chorar por todos esses dias. E eu tento me controlar, tento fazer outras coisas. Mas nada tira da minha cabeça que eu podia ter feito mais.

Por que é que teve de ser assim? Por que eu tive que sentir tanto? Por que eu tive que me doar tanto? Por que eu tive que amar tanto? Cadê o retorno disso tudo? Cara Vida, você só pode estar zombando da minha cara.

Quero pedir pra você: por favor, faz alguma coisa. Eu não vou segurar por muito mais tempo... Não vou. Estou procurando apenas formas de amenizar tudo isso para quem está ao meu redor... Mas eu não vou conseguir estancar por muito mais tempo.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Por trás de todo o caos.


É... Parece que as coisas chegaram a um ponto sem retorno.
Eu não consigo mais enxergar perspectivas futuras. Eu tento, fecho os olhos, forço as minhas pálpebras, mas tudo o que vejo é o breu.



Eu tento me apegar às minhas memórias, aos bons momentos, a tudo de bom que eu já vivi, a todas as experiências que marcaram a minha trajetória até aqui. E, ainda assim, esse peso, esse bolo que sufoca a minha garganta e me deixa sem ar ainda se faz presente.

Tem tanta gente que eu amo, tanta coisa que eu amo tanto! Me dói pensar em tudo e não ver nada disso à minha volta. Dói ver que estou sozinho nesse breu – por mais que as pessoas digam que estão comigo e que posso contar com elas, eu continuo me enxergando sozinho aqui.

Eu não sei o que fazer... Eu não sei mais como organizar tudo o que eu sinto e que está formando essa tormenta aqui dentro. Eu durmo sempre desejando não acordar e poder não sentir mais nada. Eu acordo sempre desejando não dormir com medo de nunca mais acordar. E eu não posso contar isso pra ninguém porque é pesado demais, ninguém merece essa carga!

Eu não quero voltar pra casa porque, lá, eu me lembro de todas as coisas boas que eu já vivi e não quero ser aquele que se vitimiza para conseguir o mínimo de atenção. Eu não quero vir trabalhar porque, aqui, eu percebo o quanto eu sou um inútil em ter dito que faria tanta coisa e não ter conseguido fazer nada do que eu queria. Eu não quero ir ver os meus pais porque, com eles, eu tenho vontade de chorar igual criança e pedir colo, mas são eles quem precisam de colo agora. Eu não quero ir ver os meus irmãos porque cada um deles tem a sua vida formada e já lidam com os seus problemas para conseguirem manter tudo girando.

Tá tudo tão difícil. E não há mágica que faça toda essa sensação sumir... Não há magia que faça as pessoas entenderem que eu não estou assim porque eu quero, mas porque eu não consigo sair disso.

Espero conseguir segurar tudo isso o quanto puder antes que tudo vire caos e destruição.