quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 6)

            Um mês se passou desde que Felipe cumpriu a sua missão e libertou a alma de Luciana, sua prima. Agora, sem ver o seu guia misterioso há alguns dias, o garoto precisa lidar com o seu desafio final: ceifar as vidas dos seus pais; ao mesmo tempo, Felipe precisa pensar numa forma de limpar toda a sujeira para, então, tornar-se o Mestre da Morte.

Acesse os capítulos anteriores para relembrar a história:



Capítulo 6 – As últimas entradas

            O ultrabook de Felipe estava ligado e a sua tela exibia o seguinte:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
            Os olhos de Felipe estavam vermelhos e arregalados diante da tela. Passaram-se quatro semanas desde que havia cumprido a sua missão com Luciana.
            Desde então, uma coisa puxou a outra: Gabriele, a melhor amiga de Luciana, estava no lugar errado na hora errada (embora o seu nome já estivesse no Messorem desde o início, indicando que a sua presença naquele instante não era por acaso); Otávio, o namorado de Luciana, foi morto pouco depois, quando chamou Felipe para uma conversa a sós, pois exigia saber o paradeiro de Luciana, que havia saído para encontrar o primo; Edivânia e José foram os próximos: eram os pais de Luciana que, ao encontrar o telefone da filha, descobriram que o sobrinho havia sido o último a conversar com ela antes de encontrarem ela e Gabriele mortas num terreno baldio na zona norte da cidade (Felipe não ficou contente quando foi chamado pelos tios para uma visita urgente e cheia de questionamentos).
            O homem que guiava os seus passos havia desaparecido desde a morte dos seus tios. Felipe estava por sua própria conta agora.
            Com a mudança de comportamento após tantas mortes, Marta e Julio, os pais de Felipe, começaram a acompanhar mais cada passo do menino. Por isso, os últimos dias estavam tão difíceis – Felipe sabia que teria de cumprir a sua última e, talvez, mais importante missão: ceifar as vidas dos seus progenitores.
            — Filho? Posso entrar? — era Julio, com a cabeça no vão da porta entreaberta.
            — Ué! Você já 'tá aqui dentro mesmo — respondeu Felipe, com um ar seco, enquanto fechava imediatamente o programa. — O que foi?
            — Eu e sua mãe queremos muito conversar com você, filho — respondeu Julio. — Estamos muito preocupados com você... Muita coisa aconteceu e você se fechou.
            — Eu não quero falar sobre o que aconteceu — o menino não fez rodeios. — Eu só quero ficar em paz!
            — Felipe Vicentini Ferraz — quando Julio "proclamava" o nome inteiro, Felipe já sabia que vinha bronca —, hoje à noite, às 7h, você vai sair com a sua mãe e me encontrar no restaurante onde jantaremos juntos, ouviu?
            — Mas... Pai! — Felipe tentou contestar.
            — Sem mais conversas... Às 7h da noite, estarei esperando por você e por sua mãe — Julio fechou a porta e saiu para o trabalho.

            Após sair do banho, Felipe procurou por sua mãe – então, viu que ela estava na sala assistindo à novela:
            — Mãe! — o menino gritou do alto da escada. — Pode vir aqui no meu quarto?
            Felipe estava cansado daquilo tudo; queria acabar com tudo; não queria mais ser o Aprendiz da Morte – ele queria ser o Mestre.
            — Estou indo, filho, só um segundo! — respondeu Marta.
            Enquanto isso, Felipe rapidamente vestiu a sua túnica preta e preparou a sua lâmina. Ele apagou a luz do quarto e deixou apenas um abajur aceso na penumbra.
            — Fê? — Marta bateu à porta do quarto. — Posso entrar?
            Felipe permaneceu calado no outro canto do quarto, em pé, segurando a gadanha.
            — Fê? — Marta abriu a porta e assustou-se com o que viu. — Felipe, que brincadeira estranha é essa?
            Mirando-a do outro canto da parede, Felipe soltou um sorriso malicioso e perverso e deu alguns passos à frente:
            — Não é brincadeira, mãe — explicou o menino; o seu coração, incrivelmente, não batia acelerado; a sua voz estava serena. — É tudo de verdade!
            Marta arregalou os olhos para o tamanho da lâmina afiada e manchada de sangue. Ela, disfarçadamente, deu alguns passos para trás a fim de sair do quarto e buscar ajuda.
            — Mãe? — chamou Felipe.
            — Sim, filho? — gaguejou a mulher.
            — Você não está com medo de mim, está? — Felipe sorriu mais uma vez. Ele sentiu uma espécie de prazer ao vivenciar toda aquela situação. — Afinal, sou o seu filho.
            — Não, meu bem... — respondeu Marta, aflita ao perceber maldade nas palavras do próprio filho. — É que estamos atrasados. O seu pai está esperando, lembra?
            — Ele não se importará com isso, não é? — supôs o garoto, aproximando-se mais de Marta. — Vai ter para ele também!
            Nesse instante, Marta saltou para trás e puxou a porta, mas sentiu um baque na sua cabeça e caiu desfalecida no chão enquanto o sangue escorria pelo seu rosto.

            Quase uma hora depois, Julio chegou em casa após inúmeras tentativas de falar com Marta ou com Felipe. Ele viu que o carro da esposa ainda estava na garagem, mas que as luzes da casa estavam todas apagadas, exceto pela pouca luz que vinha do quarto de Felipe.
            Julio correu para dentro de casa desesperado – já fazia alguns dias que estava desconfiando do envolvimento de Felipe com as mortes que haviam acontecido na vizinhança, afinal, o menino conhecia cada uma daquelas pessoas e havia ficado diferente após a morte de cada uma.
            Precavido, Julio discou o número da polícia e alegou um pedido de emergência.
            — Marta! — Julio gritava enquanto subia as escadas. — Marta!
            O pai de Felipe não hesitou em entrar no quarto do menino, mas caiu de joelhos no chão quando se deparou com a cena lastimável: Marta estava deitada no chão do quarto, numa poça de sangue que se esvaía da sua cabeça; na parede, com o sangue da mulher, estava escrito "MESSOREM".
            — O que você fez? — Julio pegou a cabeça de Marta e colocou sobre o seu colo enquanto afagava os seus cabelos.
            Felipe estava sentado na cama, observando os pais; o seu semblante permanecia calmo.
            — Ela ainda está viva — respondeu Felipe.
            — Mas que inferno! O que você pensa que está fazendo, Felipe? — gritou Julio, aos prantos. — Você pirou? Ela é a sua mãe!
            — E você é o meu pai — completou Felipe. — Olha, tente não se exaltar... Isso pode impedir que a sua alma parta com exatidão. Você pode ficar preso entre os dois mundos eternamente.
            — Cala a boca, moleque! — Julio se levantou e avançou na direção de Felipe. — Foi você, né? Você matou toda aquela gente... O menino da escola, a sua prima, os seus tios... Por quê, Felipe? Por quê?
            — Porque eu era o Aprendiz da Morte, pai — respondeu Felipe, melancólico. — Eu precisava exercer o meu ofício como um ceifador e enviar almas para a Morte. Agora estou prestes a me tornar o Mestre da Morte!
            — Você precisa de ajuda, meu filho! — sugeriu Julio. — Vamos! Antes que aconteça o pior... Deixe a gente te ajudar.
            — E quem disse que eu quero ajuda? — Felipe se aproximou dos pais. — Olha, vamos acabar logo com isso tudo. A alma de vocês anseia pela libertação!
            Marta acordou e gritou de dor. Julio tentou ajuda-la, mas não havia muito o que fazer ali.
            — Pronto. Vocês partirão juntos, como um casal — alegou Felipe. — Adeus!
            Então, o menino ergueu a lâmina e, num movimento rápido, passou a gadanha pelos pescoços de Julio e de Marta; as suas cabeças caíram e rolaram por alguns centímetros até pararem como se encarassem Felipe pela última vez.
            Em seguida, a tela do ultrabook piscou. Felipe se encurvou sobre a cama e ficou boquiaberto com o que viu: o programa Messorem não estava mais na tela do aparelho; fazendo uma busca rápida pelo sistema, era como se o programa nunca tivesse existido na máquina.
            Alguns minutos depois, antes que pudesse se recompor, limpar toda aquela bagunça e pensar numa saída para aquela situação, o quarto se iluminou com as luzes e se encheu com o barulho de sirenes policiais. Não demorou muito para que o seu quarto estivesse cheio de policiais:
            — Mãos ao alto! — berrou um agente. — Eu repito: mãos ao alto!