— Toda pessoa tem sentimento? — foi o que Felipe
questionou naquele momento.
* * *
Felipe tem apenas dez anos de idade; o seu comportamento
não é o melhor exemplo às outras crianças da escola – embora, em casa, suas
atitudes sejam muito calmas e respeitosas.
Silvio, o pai de Felipe, é um ex-presidiário e faz pouco
tempo que saiu da prisão. Desde então, tem-se dedicado a perturbar a vida da
esposa e dos filhos:
— Fábio, onde você estava? — questiona Silvio ao filho
mais velho, de 15 anos. — Como você sai de casa pela manhã e chega apenas
agora, à meia-noite?
Fábio, cansado das perturbações do pai, havia saído
escondido após a escola e ficara ausente pelo resto do dia. O garoto tem
andando com uma turma nada confiável: adolescentes usuários de drogas. Fabiana,
a mãe, tentou, por diversas vezes, conversar com o filho sobre tal questão
citando, até mesmo, o caso do esposo.
— Eu saí com uns amigos — respondeu Fábio, sem mudar a
sua feição (inexpressiva). O menino tem o mesmo jeito do pai: introvertido e
que não expressa os sentimentos.
— Sua mãe me contou quem são seus amigos... — revelou
Silvio, avançando para perto do garoto. — Se eu “sonhar” que você está mexendo
com drogas, eu mato você!
Provando que é o “macho dominante”, Silvio dá um tapa no
braço do filho.
Felipe, que está no quarto (os três filhos dormem no
mesmo cômodo), acha melhor tentar ajudar ao irmão:
— Pai, ele ‘tá falando a verdade — comentou Felipe. — Eu
vi ele saindo da escola com uns amigos; eram os mesmos que ele sempre traz
aqui.
— Cala a sua boca! — Silvio bate na perna de Felipe, que
corre para deitar em sua cama. — Já falei para não se meter no que não te
interessa.
— Silvio! — Fabiana fica exaltada com a situação e avança
para cima do marido. — Como você se atreve?
A mulher move a mão para dar um tapa na cara do esposo,
mas Silvio a segura e a prensa na parede do quarto:
— Não ouse bater em mim — avisou o homem, que olhava
profundamente nos olhos da esposa. — Eles são os meus filhos e eu faço o que eu
quiser!
— Não faz, não! — gritou Fabiana. — Você nunca cuidou
deles... Eu cuidei deles a vida toda; sozinha! Você não pode chegar e fazer o
que quer com eles!
Silvio, cheio de raiva, encara a mulher. Fabiana, por sua
vez, sai do quarto e vai para o banheiro lavar o rosto. Felipe e Fábio dormem
sem comentar o que aconteceu e sem trocar olhares. Enquanto isso, Roberta, a
caçula, chora escondida em sua cama.
Dois dias se passam e Felipe, na tentativa de chamar a
atenção da mãe, provoca Fabiana para que ela fale com ele:
— Duvido você olhar pra mim — provoca Felipe por
repetidas vezes.
— Chega! — sem pensar, Fabiana dá um tapa no filho.
Logo em seguida, a mulher começa a chorar e pede perdão
ao filho:
— Felipe, me perdoa! — implora Fabiana. — Eu estou
nervosa e você está me provocando, não fiz isso por querer... Me desculpa!
O menino consente com a cabeça e vai para o seu quarto.
No fim da tarde, quando o pai chega em casa, o homem vai
direto ao quarto dos filhos:
— Felipe? — Silvio chega cheio de raiva no quarto do
menino. — O que foi que você fez com sua irmã?
— Eu não fiz nada, pai! — responde o menino, preocupado.
— Ela está chorando e dizendo que caiu da cama... Você a
empurrou? — de tão alterado, Silvio acaba cuspindo algumas gotas de saliva no
rosto do filho.
— Eu nem falei com ela hoje, pai — insiste Felipe, quase
chorando.
— ‘Tá chorando por quê? — questiona Silvio, retirando o
cinto de sua calça. — Eu nem bati em você ainda!
— Pai, não me bate, por favor! — suplica Felipe, deixando
suas lágrimas escorrerem. — Eu não fiz nada, eu juro!
Silvio joga o cinto no chão e sai do quarto. Em
instantes, o homem volta com um facão na mão:
— Pai, o que você vai fazer? — Felipe começa a tremer e a
chorar desesperadamente. — Eu não fiz nada!
De fato, Felipe não havia feito nada. Roberta, num sono
pesado, acabara rolando da cama e caindo sozinha; mas Silvio não queria saber,
ele não se importava em saber se os filhos falavam a verdade ou não; ele nem se
importava, na verdade, com os filhos.
— Cala a boca! — num ímpeto, o homem move a mão com a
faca na direção do braço esquerdo do filho, mas, por alguma razão, ele vira a
lâmina e encosta apenas a lateral do facão na pele do menino.
Felipe, chorando, sai correndo para fora de casa.
* * *
Com medo de voltar para casa, Felipe não se preocupa em
trocar a roupa para ir à escola; vai da forma que está.
Na sala de aula, o professor conversa sobre a questão do
bem e do mal – comenta o fato de que o bem e o mal existem dentro de todo o
mundo; explicou que as motivações é que fazem as pessoas escolherem se agirão
com bondade ou com maldade.
O professor percebe certa ansiedade na feição de Felipe e
decide “provocar” o aluno:
— Felipe... — comenta o professor. — Você quer perguntar
algo?
Diante daquilo, o menino só consegue pensar na família –
para ele, a família não lhe dá atenção alguma; para ele, o pai lhe odeia; para
ele, a mãe até gosta dele, mas não pode fazer muito por ele. Um turbilhão de
pensamentos toma a sua mente.
Felipe acha que, talvez, as pessoas não consigam sentir
nada por ele. Então, ele solta a pergunta:
— Professor... — sua voz demonstra certa apreensão.
— Pode-me perguntar, Felipe — o professor incentiva.
— Toda pessoa tem sentimento? — é o que Felipe questiona
naquele momento.