Um conto de Oscar Wilde traduzido por Júnior Gonçalves
Imagem retirada do blogue "Gothic World" (http://migre.me/n6Kaw) |
— Ela me prometeu uma
dança... Mas só se eu presenteá-la com uma rosa vermelha — choramingou um
jovenzinho com o coração partido. — Como? Não tem nenhuma em todo o meu jardim!
Do seu ninho, no alto
de um carvalho, o Rouxinol ouviu o menino. O pássaro olhou através das folhas e
ficou surpreso.
—
Nem mesmo uma rosa vermelha! — resmungou o menino com os olhos cheios de
lágrimas. — É incrível como a felicidade depende das pequenas coisas. Li tudo o
que os mais sábios escreveram, descobri todos os mistérios da Filosofia, mas a
minha vida está arruinada... E tudo por causa de uma rosa vermelha.
— Olha, só! Um
romântico nato — disse o Rouxinol. — Dia após dia, emiti um canto sobre ele,
embora eu nem tenha percebido isso. Noite após noite, contei sua história para
as estrelas... E agora eu posso vê-lo aqui. O cabelo dele é escuro como as
flores de jacinto. Seus lábios, vermelhos como a rosa que deseja.
— O Príncipe dará um
baile amanhã à noite — o menino soltou um breve suspiro —, e o meu amor estará
lá. Se eu presenteá-la com uma rosa vermelha, ela dançará comigo até o sol
raiar. Se eu presenteá-la com uma rosa vermelha, poderei tê-la em meus braços,
e ela encostará sua cabeça em meu ombro, e suas mãos estarão segurando as
minhas. Mas não tem nenhuma rosa vermelha no jardim e, em vez disso tudo, eu
ficarei observando-a sentando, enquanto ela passar por mim. Ela nem vai dar-me
atenção, e o meu coração vai ficar partido.
— De fato, um
romântico nato! — percebeu o Rouxinol. — Aquilo que eu canto é sobre o seu
sofrimento: o que é dor para ele, é alegria para mim. O amor é algo
maravilhoso, certamente. É mais precioso que as esmeraldas, que os diamantes...
Nada pode comprá-lo. O amor nem mesmo está à venda no mercado; ele não pode ser
comprado.
— Os músicos tocarão
seus instrumentos — prosseguiu o menino. — E o meu amor dançará ao som da harpa
e dos violinos. Ela dançará tão suavemente que os seus pés nem tocarão o chão,
e a multidão, em suas roupas alegres, aglomerará em volta dela. Mas ela não vai
dançar comigo porque eu não tenho uma rosa vermelha para lhe dar.
O coitadinho se jogou
na grama, levou as duas mãos ao rosto e se afundou num choro.
— Por que tanto
choro? — perguntou um Lagarto, enquanto corria com o seu rabo balançando no ar.
— É... Por quê? —
perguntou uma Borboleta, que está voando logo atrás de um raio de sol.
— É... Por quê? —
sussurrou uma Margarida, em uma voz leve e baixa.
— Ele está chorando
por causa de uma rosa vermelha — respondeu o Rouxinol.
— Por uma rosa
vermelha? — questionaram todos, num tom mais alto. — Que ridículo! — O Lagarto,
meio cínico, gargalhou.
Mas o Rouxinol
compreendia o segredo da tristeza do jovenzinho, e ele pousou em silêncio sobre
o carvalho, pensando sobre quão misterioso é o amor. De repente, ele abriu suas
asas marrons e pairou pelo ar. Ele sobrevoou o bosque como uma sombra, e cruzou
o jardim. No centro da grama havia uma linda Roseira, e quando o Rouxinol a
viu, voou e pousou em um ramo.
— Dê-me uma rosa
vermelha! — o pássaro implorou. — Se me der, cantarei a mais linda canção para
você.
Contudo, a planta
chacoalhou sua cabeça.
— Minhas rosas são
brancas — disse a roseira. — Tão brancas quanto a espuma do mar, e mais brancas
que a neve que cai sobre a montanha. Vá até a minha irmã. Ela cresce próximo à
fonte e, talvez, ela possa dar o que você quer.
Assim, o Rouxinol
sobrevoou pela Roseira até chegar à fonte.
— Dê-me uma rosa
vermelha! — ele implorou. — Se me der, cantarei a mais linda canção para você.
Contudo, a planta
balançou sua cabeça.
— Minhas rosas são
amarelas — respondeu. — Tão amarelas quanto o cabelo das sereias que se sentam
sobre um trono de âmbar, e mais amarelas que os narcisos que floreiam na
campina antes do cortador de grama chegar. Vá até minha irmã. Ela cresce
debaixo da janela do menino e, talvez, ela possa dar o que você quer.
Assim, o Rouxinol sobrevoou,
mais uma vez, até a Roseira que crescia sob a janela do menino e repetiu o seu
pedido por uma rosa. Mas a planta balançou sua cabeça, igualmente às outras.
— Minhas rosas são
vermelhas — respondeu. — Tão vermelhas quanto os pés das pombinhas, e mais
vermelhas que os recifes de coral que as ondas banham nas cavernas marítimas. Mas
o inverno resfriou minhas veias e a geada mordiscou meus botões. A tempestade
quebrou os meus ramos, e não terei rosas por todo este ano.
— Uma rosa
vermelha... É tudo o que eu quero! — suplicou o Rouxinol. — Não há forma alguma
de conseguir?
— Há um modo... —
respondeu a planta. — Mas é tão horrível que não me atrevo a dizer a você.
— Diga! — pediu o
Rouxinol. — Não tenho medo.
— Se você quer uma
rosa vermelha — respondeu a Roseira —, você deve criá-la a partir da música ao
luar, e torná-la vermelha com o sangue do seu próprio coração. Você precisa
cantar para mim com o seu peito contra um espinho. Pela noite inteira, você
precisa cantar para mim, e o espinho deve furar o seu coração, e o seu sangue
precisa fluir por minhas veias, até tornar-se meu.
— A Morte é um grande
preço a se pagar por uma rosa vermelha — comentou o Rouxinol —, e a Vida é
muito queria por todos. É bom poder pousar no bosque verde, assistir o sol em
sua carruagem de ouro, a lua em sua carruagem de prata. Ainda assim, amar é bem
melhor que viver, e o que é o coração de um pássaro comparado ao coração de um
homem?
Então, a avezinha
abriu suas asas marrons e voou. O Rouxinol sobrevoou o jardim como uma sombra
e, da mesma forma, voou sobre o bosque. O jovem menino estava deitado na grama,
no mesmo lugar em que o pássaro o havia deixado, e as lágrimas ainda corriam
por seu rosto.
— Sorria! —
cantarolou o Rouxinol. — Você terá sua rosa vermelha. Eu vou criá-la a partir
da música ao luar, e vou pintá-la com o sangue do meu próprio coração. Tudo que
peço a você em troca é que você seja este romântico nato, pois o Amor é mais
sábio que a Filosofia. Embora a Filosofia seja sábia, e mais poderosa que o
Poder, o amor é poderoso. As asas dele são coloridas como as chamas, assim como
o seu corpo. Os lábios do Amor são doces como o mel, e sua respiração tem o
aroma de um incenso.
Da grama, o menino olhou
para cima e ouviu, mas não conseguiu entender o que o Rouxinol dizia, porque
ele sabia apenas das coisas que estavam escritas nos livros. Mas o carvalho
compreendeu, e se entristeceu porque ele gostava muito do passarinho, que
construíra o seu ninho em seus galhos.
— Cante uma última
canção para mim — sussurrou o carvalho. — Ficarei tão sozinho quando você for...
O Rouxinol, então,
cantou para o carvalho, e sua voz era como a água borbulhando ao cair de uma
jarra prateada.
Quando o canto do
pássaro acabou, o menino se levantou e pegou um caderno e um lápis de sua
mochila.
— Ela tem uma forma —
ele falou consigo enquanto caminhava pelo bosque — que não pode ser negada a
ela. Mas ela tem sentimentos? E se não tiver? Ela não se sacrificaria pelos
outros. Ela pensa apenas em música, e todo mundo sabe que a arte é egoísta.
Ainda assim, admito que ela possua algumas belas notas em sua voz. Pena que
isso não significa nada e nem faz nada de bom. Ele foi até o seu quarto, onde
começou a pensar em sua amada. Um tempo depois, ele caiu no sono.
E, quando a lua
brilhou no céu, o Rouxinol voou até a roseira e posicionou o seu peito contra
um espinho. Por toda a noite, o pássaro cantou enquanto o espinho penetrava
mais e mais em seu peito, e a gélida lua de cristal se inclinou enquanto ouvia.
A avezinha cantava
sobre o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina. E, no topo dos
ramos da Roseira, uma flor encantadora brotou, pétala por pétala, enquanto a
canção seguia o seu ritmo. No início, era sem cor – como a névoa que paira
sobre o rio, como os pés da manhã, e como as asas da alvorada. Mas escurecia à
medida que o pássaro cantava mais alto – como a sombra de uma rosa em um
espelho prateado.
A Roseira gritou ao
Rouxinol para que ele pressionasse o seu corpo contra o espinho:
— Pressione mais,
passarinho! — insistia a Roseira. — Ou o dia chegará antes que a rosa esteja
pronta.
O Rouxinol pressionou
seu peito ainda mais contra o espinho, e sua canção ficava mais alta, porque
ele cantava sobre o nascimento da paixão na alma de duas pessoas.
Um delicado tom de rosa
começou a ruborizar-se pelas folhas, como o rosto enrubescido de duas pessoas
ao se beijarem. Mas o espinho ainda não havia alcançado o seu coração, e, por
isso, o coração da rosa continuava branco. Apenas o sangue de um Rouxinol pode
tornar vermelho o coração de uma rosa.
O Rouxinol pressionou
ainda mais o seu peito, e o espinho tocou, enfim, o seu coração. Uma pontada
feroz de dor foi sentida ao toque do espinho. Sua dor era tão amarga, tão
amarga, que sua canção se tornou mais violenta – ele cantava sobre o Amor que é
aperfeiçoado pela Morte, sobre o amor que não morre no túmulo.
A flor encantadora se
carminou, tal qual o céu ao anoitecer; carmim era o cinturão de pétalas, e
carmim era o coração, tal qual um rubi.
Contudo, a voz do
Rouxinol ficava mais fraca, e suas asinhas começaram a bater mais rápido
enquanto um filme passava na frente de seus olhos. Cada vez mais fraca era sua
canção, até que o pássaro sentiu algo sufocar a sua garganta.
Então, ele irrompeu
um último som. A lua branca pôde ouvi-lo, e ela se esqueceu do amanhecer, e permaneceu
no céu. A rosa vermelha pôde ouvir, e, extasiada, ela se tremeu toda, e abriu
suas pétalas para o gélido ar do dia.
O eco se expandiu até
sua caverna escura nas colinas, acordando os pastores que ali sonhavam; ele
flutuou entre as gramas dos rios, até que sua mensagem chegasse ao mar.
— Veja! — gritou a Roseira. — A rosa está pronta.
— Veja! — gritou a Roseira. — A rosa está pronta.
Mas o Rouxinol não
respondeu, porque ele estava morto, caído sobre a relva, com o espinho fincado
em seu coração.
Ao meio-dia, o
jovenzinho abriu sua janela e olhou para fora:
— Ora! Mas que sorte a minha — ele
berrou. — Tem uma rosa vermelha aqui! Eu nunca vi uma rosa como esta em toda a
minha vida. É tão bela que tenho certeza de que ela possui um daqueles nomes
longos em latim.
Ele, então, inclinou-se e pegou-a para si.
Em seguida, ele pegou o seu
chapéu e correu até a casa do seu professor com a rosa em sua mão. A filha do
professor estava sentada na entrada da casa com o seu cachorrinho deitado aos
seus pés.
— Você disse que
dançaria comigo se eu presenteasse você com uma rosa vermelha — comentou o
menino, afoito. — Tome. Esta é
a rosa mais vermelha do mundo inteiro. Use-a próxima do seu coração
nesta noite e, enquanto dançamos, vou dizer a você o quanto eu te amo.
A menina fez uma
careta.
— Desculpe, mas acho
que não combinará com o meu vestido — ela respondeu. — E o sobrinho do mordomo
me deu algumas joias de presente, e elas valem muito mais do que flores.
— Na minha opinião,
você é muito ingrata! — resmungou o menino, muito bravo, jogando a rosa na rua,
que acabou caindo na sarjeta. Após isso, as rodas de um carrinho passaram sobre
ela.
— Ingrato! — gritou a
menina. — Vou dizer uma coisa, você é muito grosso! E, além do mais, quem é
você? Apenas um menino qualquer. Não acredito que você tenha fivelas de prata
para os seus sapatos como o sobrinho do mordomo tem.
Ela se levantou de
sua cadeira e entrou na casa.
— O amor é uma coisa
idiota! — ele pensava, enquanto ia embora. — Não chega nem à metade de ser tão
útil quanto a razão. Por isso que ele não prova a existência de nada, e está
sempre falando sobre algo que não vai acontecer, e faz você acreditar em coisas
que não são de verdade. E, de fato, ele é impossível. Vou voltar a estudar
Filosofia e Metafísica, pois ser prático e tornar as coisas possíveis, atualmente,
é tudo.
Assim,
ele voltou para o seu quarto, pegou um livro cheio de pó e começou a ler.- Original retirado do site About Education, da seção Classic Literature: <http://classiclit.about.com/library/bl-etexts/owilde/bl-owilde-nigh.htm>.