— Acorde, seu imprestável! – o grito
ecoava pelo pequeno quarto. —Acorde!
Os olhos de Pedro se abriram. O
garoto estava assustado.
— Acorde, seu vagabundo! – a voz
masculina continuava a gritar, insistentemente. — Abra essa porta!
O garoto se levantou de sua cama,
apoiando-se com o cotovelo direito e colocando o seus pés no chão carpetado.
Ele esfregou os olhos, tentando
desembaçar a visão. Soltou um bocejo.
— Abre logo essa porta, Pedro! –
gritava o homem do outro lado da porta, quase a derrubando.
— Já “tô” indo, calma! – pediu o rapaz, caminhando rumo à porta. — Pra
quê essa gritaria?
— Seu filho de uma puta! – gritou o
homem. — Você é um lixo...
O rapaz, então, lembrou-se do
possível motivo da gritaria.
Na noite anterior, Pedro saíra com
os amigos para uma balada e, na volta, conseguiu uma carona com Júlio, um velho
amigo. Mas, recentemente, os dois haviam descoberto um sentimento que ia além
da amizade. Naquela madrugada, assim que desceu do carro, Pedro foi puxado por
Júlio, que lhe beijou ali, em frente à sua casa.
Foi maravilhoso. Um sentimento
intenso.
Mas por um certo momento, Pedro
pensou estar sendo observado por alguém. Percebendo que já se passavam das
quatro da manhã, o rapaz se despediu de seu amigo e entrou para a sua casa.
Entrou sorrateiro, tal qual um
ladrão assalta uma casa, caminhando para o seu quarto. No corredor, aproveitou
para espiar o quarto do pai, e ficou aliviado ao ver que o homem dormia
pesadamente.
Assim que entrou em seu quarto,
Pedro se deitou com a roupa que estava e começou a pensar em Júlio. Conhecera Júlio
sete anos antes e sempre tivera um carinho muito grande pelo amigo. Contudo, só
recentemente, há pouco mais de três semanas, é que a situação havia começado a
mudar.
O que sentia por Júlio não era,
definitivamente, apenas um carinho fraternal. Era muito mais que isso. Pedro
queria a felicidade de Júlio, queria ser feliz com Júlio. Ele queria ser a felicidade de Júlio.
E ele sentia reciprocidade.
Ali, deitado em sua cama, Pedro
decidiu que conversaria com Júlio assim que o dia clareasse, e revelaria o
tamanho e a intensidade do seu sentimento.
Fechou os olhos e dormiu.
Sonhou com Júlio, com a sua família,
com os seus amigos. Sonhou com um futuro pelo qual ansiava.
— Pedro, abra essa porta! – a voz
masculina persistia, gritando ferozmente.
— Pai, o que aconteceu? – o garoto
resistiu antes de abrir a porta. — Por que está gritando desse jeito? Caramba!
Um barulho muito alto estalou e a
porta se quebrou diante de Pedro. A única coisa que conseguiu ver foi o punho
cerrado de seu pai vir na direção de seu rosto.
Caído no chão, após o soco que seu
pai havia-lhe dado, o jovem se sentiu tonto, perdido, mas quando abriu a boca
para contestar levou outro soco.
— Filho de uma puta! – gritava o pai
de Pedro. — Sua mãe estaria envergonhada se estivesse viva...
— Para, pai! – Pedro soluçava,
enquanto seu sangue escorria por seu rosto.
— Não sou seu pai, sua bicha! –
outro soco atingiu o nariz do garoto, quebrando-o e fazendo mais sangue jorrar.
— Filho meu não vira mulherzinha!
— Por fav... – antes que pudesse
concluir, Pedro levou um muro no estômago, que o fez vomitar um líquido verde,
misturado com sangue.
— Cala a sua boca, seu infeliz! – o homem
tateou à sua volta, pegando a luminária do criado e acertando-a no queixo do
garoto.
Pedro estava exaurido.
Com a visão embaçada, o garoto viu
sangue por todo o canto. Seu sangue.
O garoto viu um relance de seu
futuro. Ao menos, o futuro pelo qual ansiava.
Viu Júlio. Viu a sua família. Viu os
seus amigos. Viu todos juntos. Viu alegria, esperança.
Depois, Pedro só viu a escuridão.