quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Qual bruxa é qual? Uma história dos julgamentos das bruxas de Salém

Com mais de 200 pessoas acusadas por bruxaria e 25 execuções, os julgamentos das bruxas de Salém foram fatais

 
Escrito por Hanna Seariac  | Traduzido por Júnior Gonçalves

Library of Congress | Representação fantasiosa dos julgamentos de Salém.

Os julgamentos das bruxas de Salém duraram apenas um ano.

Naquele ano, mais de 200 pessoas foram acusadas de praticar bruxaria. De acordo com a Smithsonian Magazine, os julgamentos começaram em 1692 mas, antes disso, a Europa passou por uma perseguição às próprias bruxas.

A caça às bruxas no início da Era Moderna na Europa

 
De 1300 até 1600, várias regiões da Europa vivenciaram a caça às bruxas. Esses momentos de perseguição às bruxas eram quase sempre mortais e motivados por manuais com o "Malleus Malleficarum" de Heinrich Kramer (traduzido como "O Martelo das Bruxas", que proveu justificativas teológicas para a caça às bruxas.

Washington University in St. Louis | Página de rosto de "O Martelo das Bruxas".

As acusações de bruxaria no início da Europa Moderna poderiam resultar em fatalidades. Berkeley Law  declarou que o desenvolvimento das leis sobre heresia e a definição de bruxaria como uma heresia (juntamente às ideias sobre o que constituía magia e bruxaria) levou muitas sociedades a considerar a bruxaria como um crime herético. Em caso de condenação, a punição era a morte na maioria das vezes.
 
Brian Levack escreveu em seu livro “A Caça às Bruxas” que a descriminalização da bruxaria aconteceu simultaneamente ao aumento do ceticismo filosófico e religioso. A economia se desenvolveu e as superstições passaram a ser associadas às pessoas de classe econômica mais baixa. A caça às bruxas no início da Era Moderna na Europa seguiu (e, de certa forma, coincidiu com) a Peste Negra ou Peste Bubônica, a pandemia mais mortal já registrada na história.
 
A peste bubônica causou estragos por toda a Europa, deixando tudo como um lugar instável. Somado à desestabilização da Europa, o antissemitismo, que já prevalecia, aumentou quando as comunidades judaicas foram culpadas pela peste bubônica. De acordo com a Universidade de Notre Dame, as bruxas também tinham culpa sobre a doença. As acusações de bruxaria se desenvolveram lado-a-lado ao antissemitismo. Essas acusações, frequentemente, eram focadas em acordos com o diabo.
 
O “Malleus Maleficarum” operava com base na suposição de que uma bruxa era uma pessoa, uma suposta mulher de acordo com o manual, que trabalhava ativamente com Satanás. As mulheres que davam luz a bebês natimortos eram quase sempre consideradas bruxas dentro do contexto desse manual - uma ideia perigosa para sociedades que, regularmente, lidavam com o aborto e a morte infantil.
 
Na prática, as acusações de bruxaria coincidiam e se afastavam do manual, pois, normalmente, tinham mais a ver com a situação dentro da Lei, o status econômico, a raça, a religião e, frequentemente, o gênero.
 

A Caça às Bruxas de Salém

 
Na medida em que o início da Europa Moderna lidava com o declínio da caça às bruxas em 1600, a Nova Inglaterra vivenciava a perseguição às bruxas ao mesmo tempo - especificamente, dois julgamentos significativos. O primeiro julgamento das bruxas da Nova Inglaterra começaram em 1647: os julgamentos de Connecticut.
 
Os julgamentos de Salém, que aconteceram em Salém, Massachusetts, começaram bem no final dos julgamentos de Connecticut. Em 1692, as acusações de bruxaria começaram a percorrer a Vila de Salém.

History | Algumas mulheres, durante os julgamentos, eram mergulhadas na água para provar que praticavam bruxaria.

As primeiras acusações que vieram à tona foram de Betty Parris e Abigail Williams. As duas meninas - que tinham 9 anos e 11 anos de idade respectivamente - acusaram uma mulher escrava chamada Tituba de enfeitiçá-las quando começaram a apresentar sintomas estranhos, de acordo com o site History.com. Tituba era escrava de Samuel Parris, obrigada a ir para Barbados para a Nova Inglaterra colonial. Alguns historiadores acreditam que a raça e o status social de Tituba foram motivos para que Betty e Abigail a acusassem de bruxaria.
 
Depois, Betty e Abigail acusaram duas outras mulheres de bruxaria também, Sarah Good e Sarah Osborne. Arthur Miller se baseou nessas acusações iniciais para escrever a sua peça teatral "The Crucible" em 1953, utilizando os julgamentos de Salém para falar sobre o macarthismo.
 
Combinadas com os escritos influentes de Cotton Mather e Increase Mather sobre as "aflições" das garotas Goodwin e as respostas teológicas à bruxaria, essas acusações iniciais abriram os julgamentos de Salém na Nova Inglaterra.
 
Rapidamente, a vila de Salém entrou em pânico e muitas acusações foram feitas. Em março de 1692, com apenas 4 anos de idade, Dorothy Good (a filha de Sarah Good, que havia sido acusada de bruxaria por Betty Parris e Abigail Williams) também foi acusada de bruxaria: "quando esta criança lançou seus olhos sobre as pessoas aflitas, elas ficaram perturbadas e seguraram a cabeça dela e, ainda assim, por mais que seus olhos pudessem se fixar, foram afligidos". Dorothy foi presa depois disso.
 
De acordo com o Historic Ipswich, Dorothy ficou presa por vários meses até que o seu pai, William Godd, conseguisse pagar a sua fiança. Sarah Good foi enforcada depois de, na prisão, dar à luz a uma criança chamada Mercy (algo como "Piedade"). A criança também morreu.
 
Em seu livro "Entertaining Satan: Witchcraft and the Culture of Early New England" ("Entretendo Satanás: A bruxaria e a cultura no início da Nova Inglaterra"), John Demos detalhou como as mulheres eram acusadas. Martha Corey, por exemplo, foi acusada por Anne Putnam e Bridget Bishop. Mesmo alegando a sua inocência, Bishop foi executada. De acordo com a Smithsonian Magazine, Cotton Mather implorou ao tribunal para não usar evidências espectrais. Uma evidência espectral era qualquer testemunho sobre visões ou sonhos, que era frequentemente utilizada durante esses julgamentos. O tribunal recusou e continuou a utilizar tal recurso.
 
De acordo com o blogue History of Massachusetts, o ano teria mais de 200 acusações de bruxaria, cerca de 140 a 150 pessoas detidas por bruxaria e várias executadas ou muitas que morreram na prisão. O Governador William Phips pôs fim à caça às bruxas de Salém em março de 1693, mas, a essa altura, várias haviam morrido ou sido executadas.
 
Três séculos depois, Massachusetts perdoou oficialmente todos os que foram condenados injustamente durante os julgamentos. De acordo com o The Guardian, a última a ser exonerada foi Elizabeth Johnson, Jr. Embora Johnson tivesse apresentado um pedido de exoneração em 1712, isso não aconteceu até março de 2022 quando ela foi, finalmente, perdoada.

NPR | Memorial destinado às vítimas dos julgamentos de Salém.

O portal de notícias NPR informou que Salém homenageou as 19 pessoas que foram enforcadas, as 5 que morreram na prisão e uma que foi apedrejada durante os julgamentos.
 
Fonte: DeseretNews. Disponível em: [Salem Witch trials history: Who was accused in the Salem Witch trials? - Deseret News]. Acessado em 1 de fev.de 2023. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Um fungo parasita poderia evoluir para controlar os humanos?


O fungo criador de zumbis no jogo The Last of Us é real, mas há muitos outros fungos para temer. Das 5 milhões de espécies de fungos no planeta, algumas centenas são nocivas para as pessoas.

Escrito por SARAH GIBBENS | Traduzido por JÚNIOR GONÇALVES

Uma formiga, que já não tem mais controle sobre o próprio corpo, arrasta-se para longe de sua colônia, pendura-se numa folha perigosamente, e espera para morrer enquanto um fungo consome o seu corpo, emerge em sua cabeça e libera esporos no ar.

 
"São como pequenos e ameaçadores enfeites de Natal pela floresta", conta Ian Will, geneticista de fungos da Universidade da Flórida Central, onde essas formigas zumbis podem ser encontradas.
 
E se esse fungo parasita pudesse fazer o mesmo conosco?
 
É essa a premissa da nova série de televisão baseada no jogo de videogame The Last of Us no qual, como resultado de temperaturas mais quentes provocadas pela mudança climática, um fungo toma todo o mundo e transforma os humanos em zumbis controlados por um parasita.
 

"De um jeito fantasioso, as conexões lógicas estão lá, mas não é provável que isso aconteça na vida real", diz Will. Mas enquanto os cientistas não estão preocupados com fungos que evoluem para transformar pessoas em zumbis, o aumento das temperaturas representam um risco real de fazer com que as infecções por fungos piorem.

 

Como o parasita infecta as formigas?

O criador de The Last of Us, Neil Druckmann, relatou que a sua inspiração veio de um vídeo da natureza mostrando o fungo, Ophiocordyceps unilateralis, infectando uma formiga-cabo-verde. Os cordyceps são uma vasta categoria de parasitas de insetos e também um suplemento popular para a saúde. Mas apenas os ophiocordyceps controlam o seu hospedeiro.


Cerca de 35 espécies desse fungo ophiocordyceps são conhecidas por transformar insetos em zumbis, mas podem existir até 600 espécies.
 
Os primeiros sintomas da infecção são comportamento errático e anormal. Os cientistas acreditam que o parasita toma o controle físico de seu hospedeiro com o crescimento de celular fúngicas em torno do cérebro, e essas células tomam posse do sistema nervoso do inseto para controlar seus músculos. "Ainda não se sabe exatamente como isso acontece, seja liberando uma substância química ou alterando o DNA do inseto", afirma Will.
 
É um processo que o fungo tem aperfeiçoado dentro do seu hospedeito específico desde antes da história da humanidade.
 
A nossa hipótese é de que eles estão coevoluindo há cerca de 45 milhões de anos”, revela Araújo.
 

Temos a certeza de que o fungo não pode infectar humanos?

Mover-se para qualquer animal de sangue quente exigiria algum trabalho evolutivo sério para o fungo.


 
"Caso o fungo realmente desejasse infectar mamíferos, precisaria de milhões de anos de mudanças genéticas", relata Araújo.
 
Cada espécie de fungo criador de zumbis evolui para atingir um inseto específico, assim, cepas únicas têm pouco efeito sobre um organismo a não ser sobre aquele para o qual elas evoluíram para infectar. Por exemplo: um cordyceps que evoluiu para infectar uma formiga na Tailândia não consegue infectar uma formiga de espécie diferente na Flórida.
 
Se um salto de uma espécie de formiga para outra é difícil, um salto de insetos para humanos é, definitivamente, ficção científica”, explica Will. “Mas essa ideia de que a temperatura desempenha um papel nas infecções fúngicas é, certamente, sensata.”
 

Uma ameaça com o aumento das temperaturas?

Mesmo sem um perigo iminente dos fungos parasitas, há muitos outros fungos a temer.

Estima-se que há milhões de espécies de fungos no planeta e algumas centenas delas são conhecidas por representar perigo aos humanos. Algo que nos protege de infecções fúngicas graves é a nossa própria temperatura corporal. Em torno de 36,6ºC, o corpo humano é quente demais para que a maioria das espécies de fungos espalhe uma infecção — elas preferem uma margem de 25 a 30ºC.


(Esqueça o que você acha que sabe sobre a temperatura corporal média de uma pessoa.)
Pitiríase versicolor, também conhecida como micose de praia.

Uma das razões pelas quais nós temos fungos de pele é porque eles podem ficar entre as dobras da pele. São lugares um tanto úmidos e escuros onde os fungos podem proliferar, pois são mais frios que a temperatura corporal,” afirma Samuel Shoham, especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
 
Com o aquecimento global, há um consenso de que a mudança entre a temperatura ambiental e a temperatura corporal não será tão dramática", ele diz. Hipoteticamente, isso faria com que fosse mais fácil para os fungos que evoluíram para resistir às temperaturas externas mais quentes para também conseguirem sobreviver dentro do organismo humano.
 
Há uma espécie de fungo capaz de infectar pessoas e os cientistas acreditam que pode ser resultado do aumento de temperaturas, é o chamado Candida auris.
 
Era desconhecido pela ciência até 2007, mas foi encontrado em três diferentes continentes em 2011 e 2012.
 
Surgiu do nada”, revela Arturo Casadevall, especialista em doenças infecciosas na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. “A ideia é que esse fungo estava por aí e, ao longo dos anos, ele se adaptou às temperaturas mais altas até conseguir vir à tona.”
 
Quando eles entram na corrente sanguínea, os fungos apresentam sintomas parecidos ao de uma infeção bacteriana, observa Shoham. Para pessoas com um sistema imunológico saudável, lutar contra eles, geralmente, não é uma questão. Mas muitos não têm tanta sorte: os Centros de Controle de Doenças estimam que 30 a 60% dos pacientes contaminados pelo fungo acabam morrendo, embora a possibilidade de que eles estivessem sob condições de saúde precárias torna difícil determinar o quão crucial o fungo Candida auris foi nesse processo.
 
Mas, quando questionado se seria possível um surto de fungos semelhante à Covid-19, Casadevall afirma que não está fora de questão.
 
Considerando essa possibilidade, ele assume: "Se estou preocupado quanto a uma doença desconhecida que surja e contamine os imunocompetentes? Claro.”
 
Fonte: National Geographic.
Disponível em: [https://www.nationalgeographic.com/science/article/parasitic-fungus-evolve-to-control-humans]. Acessado em 26 jan. 2023.






 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Sobre pegar uma estrada ruim (Ou sobre admirar o percurso e não esperar apenas o fim)


É tarde de sexta-feira. Você entra no carro para dar seguimento à sua viagem. Já fazem dias que você está na estrada e, por mais que tenha chegado a alguns destinos lindos e cheios de significado para você, a sensação que tem enfrentado é de desgaste, de cansaço extremo. O cansaço tomou você por completo.

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Você entra no carro, puxa e aperta o cinto, olha o retrovisor e dá um suspiro profundo. Então, você dá movimento para o carro e segue a viagem. Enquanto dirige, em silêncio, você pensa sobre alguns dos seus destinos mais fabulosos que alcançou e abre um sorriso bem singelo ao relembrar as emoções que sentiu em cada um deles.

Algumas horas de viagem na estrada e você quer parar. Você sente que nada agrada você, tudo é um esforço muito grande. Afinal, há quanto tempo você está viajando, não é mesmo? E você passa o resto da noite e do dia de sábado dirigindo, mas reclamando e lamentando por estar no comando dessa direção. Você se sente só.

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Você liga o GPS em busca de alguma alça de saída desta rodovia. Passa o dedo pela tela, em puro desespero, e não encontra. É uma pista reta, sem saídas próximas. Uma lágrima cai do seu rosto enquanto você se questiona: “Por que é que eu tenho que passar por isso? Eu não aguento mais nada disso. Queria sair logo daqui!”.

Começa a chover. Uma daquelas chuvas torrenciais, sabe? Você reduz a velocidade por segurança, mas sente o pesar por essa decisão – isso vai atrasar mais ainda com que você chegue a algum lugar. Você está num nível de perturbação tão alto que até esquece de ligar os faróis do carro. E chora porque sente o coração apertado, dolorido.

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Numa curva à frente, uma placa sinaliza que há uma parada logo adiante, um posto de conveniências, daqueles com restaurantes, banheiros etc. Mas você acha melhor não parar “Não vou perder meu tempo com isso. Deve faltar pouco pra eu conseguir sair desta rodovia. Eu preciso sair desta rodovia, não aguento mais!”. Assim, você passa por aquela possibilidade de parada sem sequer olhar para o lado. Nesse instante, você pisa um pouco mais no acelerador e sobe uma marcha; você está com mais cansaço a cada minuto.

Por volta das 16h do sábado, após quase 20 horas dirigindo, você pensa novamente sobre os lugares que visitou antes. Mas, dessa vez, há um sentimento de raiva – de alguma forma, você culpa esses lugares de terem tomado o seu tempo e isso ter feito você demorar a chegar no seu destino final. E como toda essa raiva fez você submergir, toda a sua atenção foi tomada para essas lembranças, mas você só focou nas dores dessas lembranças e esqueceu que esses destinos intermediários também foram bons para você em algum momento.

A pista molhada faz o seu carro derrapar e você perde totalmente o controle sobre a direção, com o seu carro sendo levado diretamente para o acostamento e, em seguida, para uma valeta. Você bate a sua cabeça no volante e o sangue escorre da sua testa, mas, em meio ao desespero, você desmaia. Quando você acorda, você está dentro de um outro carro, uma ambulância e ouve uma voz: Por favor, acalme-se, estamos levando você para um hospital e você receberá atendimento!”.

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Isso é ficção. Mas também é a realidade.
Quantas vezes você não disse para si próprio que está cansado, que não aguenta mais e que quer chegar logo a um fim, ou, então, que quer ir embora pra outro lugar?

A nossa vida é feita de estradas, rodovias, ruas, e tantos outros caminhos. Por vezes, a gente não vai conseguir acessar outro caminho por um longo tempo, mas, assim como nas rodovias, há paradas possíveis, lugares onde é possível estacionar, esticar as pernas e respirar, tomar fôlego para dar continuidade. A gente esquece de ligar os faróis para que os outros nos enxerguem e, talvez, ofereçam alguma acolhida. Quando a gente entra numa perspectiva de comodidade, de não tentar ver além, é isso o que acontece.

A gente deixa de admirar a paisagem, o trajeto. A gente deixa de ser grato pelas nossas vivências, mesmo pelas ruins – mas, mesmo as vivências ruins fizeram você chegar aqui. Cada vivência é um pedaço da sua história, é um pedaço de você. Se você tenta apagar essas lembranças, uma hora ou outra elas voltarão à tona porque não foram realmente apagadas, porque não dá pra apagar o que foi vivido. Não dá. Quando eu me dei conta de que não era possível apagar as lembranças, eu entrei em desespero... Como eu passaria o resto da vida com lembranças que me provocavam dores?

Mas, aí, eu passei a tentar enxergar o que cada uma dessas lembranças realmente significava pra mim. Foi quando entendi que elas eram parte do que eu sou hoje, elas contribuíram para o meu crescimento, para formar o meu eu de hoje.

Nem sempre vai ser possível continuar na mesma estrada. Você vai encontrar algumas estradas esburacadas, algumas rodovias em reforma e outras sendo construídas. Algumas pontes vão cair e impedir o seu acesso a outros lugares, mas outras novas pontes serão reconstruídas – para novos caminhos. A gente precisa desapegar dessa ideia do infinito, de que tudo é para sempre. Nem toda estrada tem um final feliz, mas pode ter um caminho feliz por um tempo determinado; e, se a gente não aproveita esse caminho, a gente chega ao final dela frustrado, porque a gente só esperava pelo final e sequer percebeu que o meio dela era maravilhoso.

Vai doer. Reprogramar a rota vai doer mais do que você pensa. Porque isso significa que você vai ter de abandonar alguns planos, algumas expectativas, e nunca é fácil abandonar as expectativas. Mas tente reprogramar as rotas, tente buscar novos caminhos. E, nesses novos caminhos, faça um esforço para admirar a beleza que há em volta – porque há!

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Sobre indignar-se com a omissão alheia (Ou sobre buscar reconhecimento dos outros)

Sexta-feira, 26 de junho de 2020

Há cinco dias, eu recebi uma mensagem de alguém que eu não esperava, alguém que já não faz mais parte da minha vida há algum tempo. E o que me surpreendeu nisso é que eu realmente não tinha nenhuma expectativa de conversar mais com essa pessoa (ao menos por uns bons anos!).

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Eu aproveitei essa conversa para falar sobre muito dos meus incômodos em relação a essa determinada pessoa. Acho que eu sempre quis fazer isso durante muito tempo e não tive o momento e o espaço para fazê-lo. Ao final da conversa, contudo, eu questionei as intenções que fizeram essa pessoa me procurar para conversar após tanto tempo. Confesso que eu tinha as minhas desconfianças... Acho que tudo tem um interesse, seja no fato de a pessoa ser interessante ou de essa pessoa ter alguma característica, habilidade ou propriedades que me interessem. A resposta foi meio aberta – a motivação, aparentemente, girava em torno de resolver pendências, mas, também, de garantir uma participação em algo importante, algo que pudesse abrir portas.

Não fiquei mal após a conversa, muito pelo contrário: eu me senti leve. Foi como se alguns pesos simplesmente tivessem caído e deslizado dos meus ombros para o chão. Acho que isso tem a ver com todo o meu processo, com o meu momento atual, com as minhas vontades atuais, com os meus planos atuais. Mas algo ainda ficou... Eu passei os dias me perguntando o porquê de essa pessoa, em situações que teve oportunidade, não reconhecer o que fiz (seja no âmbito pessoal, mas principalmente no coletivo) e, depois de algum tempo, ao encarar uma oportunidade de ouro, procurou por mim propondo esquecer tudo o que passou. Na conversa, essa pessoa dizia que gostaria de esquecer tudo o que passou e eu logo expliquei que não há possibilidades de isso acontecer porque eu estou num processo de ressignificar as coisas e não apenas apaga-las da minha existência; e reforcei que estava contente por essa pessoa estar buscando alguma forma de rever suas próprias experiências.

Hoje, quando iniciei a terapia, logo contei ao Vinicius sobre essa conversa. Vinicius é o meu psicanalista. Eu comecei esse processo de análise com ele em fevereiro e, desde lá, estou nessa jornada em que eu saio com mais perguntas em cada sessão do que as que eu já tinha iniciado em cada sessão. Contei toda a história da conversa ao Vinicius e já fui dizendo que tudo fluiu de forma contrária ao que eu imaginava. Ele me perguntou o porquê.

Por muito tempo (muito tempo mesmo, tipo, mais de oito anos), eu vivi um relacionamento em que eu tentava fazer de tudo para agradar a outra pessoa. Desde os gestos mais simples a algumas tarefas mais elaboradas. Mas sempre na tentativa de deixar as coisas mais confortáveis para a pessoa, de modo que ela pudesse querer estar comigo quando tivesse um tempo livre. Então, eu acreditava que, depois de tanto tempo sem conversar, caso ela me procurasse, eu faria qualquer coisa que ela quisesse; se essa pessoa estalasse os dedos, na minha imaginação, eu ficaria de quatro na hora, pronto para atender qualquer um de seus pedidos. E não foi o que aconteceu.

A conversa flutuou muito sobre alguns problemas de relacionamento dentro de um coletivo. Falta de diálogo, apontamentos, falta de iniciativa e tantos outros problemas ligados ao trabalho em grupo. Mas, de algum jeito, eu enxergava muito desses comportamentos um reflexo do que era esse meu relacionamento. Expliquei ao Vinicius que essa autoridade, essa falsa democracia, tudo me causava algum pânico no final do relacionamento (é, só no final. Eu não me importava realmente com isso no início do relacionamento). Daí, o Vinicius me jogou uma pergunta sobre uma situação específica: “Você diz que ficou incomodado e preferiu não falar. Mas, antes, você deu a permissão para que ele fizesse.”

Why Clients Stop Going to Therapy - UConn Today

Eu me enrijeci um pouco no puff. Joguei a cabeça pra trás, ajustei o fone no ouvido e tentei pensar em algo. Não tinha o que dizer. “É, na hora, eu aceitei e preferi ficar quieto pra não arranjar mais discussão. Mas, quando tive a oportunidade, eu falei sobre isso na segunda-feira!” E, falando sobre esse meu incômodo, eu acabei notando que eu esperava algum reconhecimento. Em situações de injustiça, eu esperava que essa pessoa se pronunciasse diante do coletivo e dissesse: “Mas, espera aí, desde o começo, o Junior tá ajudando e fazendo aquilo que ele se comprometeu a fazer.” Eu esperava só isso. E eu falei isso para a pessoa, que a omissão dela foi o que me deixou chateado em toda aquela situação porque, após anos de convivência, eu a vi preferindo ficar calada do que intervir numa situação de injustiça.

Foi quando eu lancei uma reflexão para o Vinicius: “Na verdade, eu me pego aqui pensando se, de alguma forma, eu esperava esse reconhecimento, algo para amaciar o meu ego...” E o Vinicius já jogou outra pergunta de imediato: “Ah, é, Junior? E por que você acha que é isso?”

Mas eu não sabia a resposta. Na verdade, eu ainda não sei a resposta. Eu fico pensando que, talvez, todo o mundo queira ser reconhecido e valorizado pelo que faz. Ao mesmo tempo, eu fico pensando que, quando a gente faz algo por si próprio, para que serve o reconhecimento do outro? Eu sei que eu queria aquele reconhecimento durante aquela determinada situação por alguma razão a qual ainda desconheço. E não estou me cobrando porque eu esperava por isso... Mas estou na busca da resposta do porquê de eu esperar por isso.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Sobre amor (próprio), sobre amar (a si)




2007. Aos 16 anos, eu me apaixonei pela primeira vez e achei que o amor machucava demais. Como é possível gostar tanto de alguém e não poder estar com esse alguém?

2010. Aos 18 anos, eu voltei a gostar muito de alguém. Mas a imaturidade dos dois me fez acreditar que amar alguém machucava demais. Eu “parti” o coração de alguém ao decidir pelo fim, mesmo gostando muito.

2011. Aos 19 anos, eu comecei a amar alguém. De novo. E, por muito tempo, foi a melhor das experiências que eu tive. Mas eu idealizei demais... Ainda assim, o amor, ali, parecia ser algo certo (embora, lá no fundo, eu sentisse alguma coisa que remetesse a uma falta de ar!).

2013. Aos 21 anos, eu senti o meu coração se partir pela primeira vez. Doeu pra cacete. Mas, depois, eu me reergui e busquei novas formas de amar. Não deixei d desacreditar no amor por outra pessoa.

2018. Aos 27 anos, pela primeira vez em muito tempo, voltei a pensar sobre o quanto o amor poderia machucar. Embora estivesse com alguém, a sensação era de estar só e essa solidão me corroía por dentro.

2019. Aos 28 anos, pela segunda vez, o meu coração se partiu e eu vi toda a minha vida desmoronar... É, porque eu tinha estruturado toda a minha vida sobre uma pessoa (que não era eu!). A culpa me atormentava. Mas, sobretudo, a decepção por ser enganado por alguém em quem confiava demais era algo assombroso.

2020. Ainda aos 28 anos, eu entendi que não era o amor nem mesmo o modo intenso que amava que me feria. Era quem eu amava... O que provoca os ferimentos são as pessoas (ou o que esperamos sobre elas), não o amor em si. Eu precisei dar conta de tudo e aceitar, de uma vez por todas que o amor por quem eu sou precisa ser muito maior que o amor que eu sentisse por qualquer pessoa.

Eu preciso ser a minha pessoa. Eu preciso ser a minha prioridade e o meu mais profundo amor. Às vezes, o que a gente quer, não é aquilo que a gente realmente merece. As decisões precisam ser tomadas para o nosso próprio bem. Eu compreendi que o amor não é permanecer apenas, é sobre cuidar e ser cuidado – e essa é a única razão que deve fazer você ficar. Se algo te machuca, não vale o seu amor.

Mas abraçar o amor próprio não é tão simples e fácil. Dar as mãos para si e seguir sozinho, buscar os próprios planos, realizar os próprios sonhos, tudo isso gera uma angústia intensa. O que me deixa bem, afinal, é saber que estar comigo me deixa bem.

E o mais incrível é todo esse tempo que eu tive e tenho para refletir sobre isso. Não deixar isso passar mais uma vez e entrar no mesmo ciclo... Se, alguma hora, eu encontrar alguém, eu quero que esse alguém entenda que eu não vou pensar duas vezes sobre fechar qualquer ciclo que precise ser fechado porque, se fere o meu amor, não deve ter o meu tempo.

Eu não tô dizendo que a gente não pode amar os outros. A gente pode e deve, sabe? Mas sem esquecer da gente nem por um segundo. Eu sou tão intenso quanto ao que sinto pelas pessoas próximas de mim que eu seria capaz de aquecer uma vila inteira durante um inverno. Mas eu quero ser mais cuidadoso comigo. Eu preciso desse cuidado.


No mais, toda essa exposição serve a um propósito: quem me conhece sabe o quanto eu transbordo esse amor. Eu só quero ser essa fonte ilimitada desse recurso que é meu e poder alimentar, além dos outros, eu próprio.