sexta-feira, 30 de maio de 2014

Conto: O Mistério da Fênix - Parte 3


A FUGA

Mandaqui, São Paulo, Brasil. Maio de 2014.

Aquela noite seria longa para Breno. O jovem quase dera de cara com um homem montado em uma mula sem cabeça. Desde que chegara do parque, após o encontro com Régia, havia ficado pensativo, inquieto. Ele olhava pela janela do quarto esperando algum sinal da índia misteriosa, enquanto o seu primo dormia.
            Já era meia-noite, o brilho da lua iluminava o quarto em que estava, e apenas algumas pessoas andavam pela rua. O fundo da casa de seus tios dava para um bosque anexo do Horto Florestal – e Breno não parava de pensar que, mais cedo ou mais tarde, alguém surgiria das árvores. Ele esperava, do fundo do coração, que fosse Régia.
            — O que tá fazendo aí? — era João, o primo de Breno. — Que horas são?
            — Vai dormir! — Breno se virou para o primo e continuou a observar o bosque pela janela.
            — Eu trabalho. Acordo cedo — resmungou João. — Ao contrário de você, que vive às custas dos meus pais.
            — O que quer dizer com isso? — a atenção de Breno voltou-se para o primo.
            — É isso mesmo — confirmou João, abrindo um sorriso amarelo. — Você vive às custas dos meus pais e ainda me impede de descansar em meu quarto.
            — Por que você tá falando isso, cara? — questionou Breno, aproximando-se lentamente do primo.
            — Porque é a verdade — um sorriso antipático surgiu no rosto de João. — Peninha.
            Uma antiga ferida de Breno foi cutucada ali. E foi cutucada com o graveto mais pontudo.
            Breno sentiu uma dor profunda ao relembrar tudo o que passara na infância. E a resposta instantânea de defesa do seu inconsciente foi dar um soco no rosto do primo. Um esguicho de sangue saltou da boca de João, que se levantou da cama e pulou sobre Breno. Os dois começaram uma briga ali, derrubando tudo ao redor. Pouco tempo depois, os tios de Breno entraram pela porta, afoitos.
            — Mas que merda é essa? — Alex, o tio de Breno, empurrou o sobrinho com um chute no ombro.
            Breno caiu, enquanto sua tia Neide tentava ajudá-lo. Alex, por sua vez, ajudava João a se erguer.
            — O que vocês estão fazendo? — perguntou Dona Neide, chorando. — Vocês dois são primos! Acham isso bonito?
            — Ele me provocou! — acusou Breno. — Me chamou de Peninha.
            Alex soltou um riso.
            — Esse moleque não me deixa dormir! — gritou João. — É meia-noite e ele fica andando de um lado pro outro com a janela aberta. Eu trabalho, merda!
            — Você devia respeitar seu primo — comentou Alex.
            — Eles deveriam se respeitar! — corrigiu Dona Neide.
            — Eu vou embora, pode ficar tranquilo, João — avisou Breno.
            — O quê? — Dona Neide olhou espantada para o sobrinho. — Não vai, mesmo! Você não tem que sair daqui.
            — E o João não tem que aguentar essas coisas — interviu Alex.
            — Mãe? Pai? — era a filha mais nova do casal, Drica, de dez anos. — O que tá acontecendo?
            — Alex! — Dona Neide lançou um olhar sério para o marido. — Eles precisam aprender a conviver. Ele é seu sobrinho! Drica, meu anjo... Vai pra cama que eu já vou.
            — Meu irmão morreu por culpa dele! — berrou Alex.
            — Mãe! — a menina começou a soluçar.
            — Hein? — Breno parou para observar o tio. — Que história é essa? Ele morreu no incêndio...
            — Alex, chega! — exigiu Dona Neide. — Vem, Drica.
            — Ele morreu queimado para salvar você! — revelou Alex, irado.
            Breno sentiu os ombros encolherem. Sentiu o mundo espremendo-lhe. Aquilo era loucura, só podia. O garoto abaixou a cabeça e começou a chorar.
            — Eu avisei meu irmão que não ia dar certo criar você — continuou Alex. — Você foi criado em laboratório, se alimenta da vida dos outros! Você é como o fogo que matou o seu pai, consome tudo o que está na sua frente.
            — Chega, Alex! — insistiu Dona Neide, após deixar a filha no seu quarto. — Ele não merece isso.
            — Ele merece saber porque meu irmão, o pai dele, morreu! — disse Alex, também chorando.
            — Pai, acho que o senhor está pegando pesado... — comentou João, tentando segurar o pai. — Eu e o Breno sempre brigamos, desde pequenos, mas acabamos nos entendendo. Hoje passou um pouco do limite.
            — Tio, por favor... — Breno soluçava, enquanto fitava Alex. — Chega, eu vou embora.
            — Você tem que ouvir o resto! — continuou Alex. — Foi você quem começou aquele maldito incêndio, sua aberração!
            — Chega! — Dona Neide deu um tapa no rosto do marido, fazendo-lhe calar a boca.
            Aproveitando o momento de distração de todos, Breno pegou sua mochila e saiu correndo. Do quarto, ouviu-se a porta da entrada batendo e, depois, podia-se ver o menino pela janela do quarto correndo rua abaixo.
            Breno não tinha rumo. Chorava como uma criança enquanto vagava pelas ruas do bairro. Alguns moradores de rua pediam-lhe esmola, mas ele nem os olhava no rosto. Sua dor era tanta que parecia estar destruindo o seu corpo de dentro para fora. Quase foi atropelado por um carro quando percebeu que estava correndo no meio da avenida. A sorte foi que o motorista buzinara, assustando-lhe.
            Depois de muito correr, o garoto percebeu que estava próximo ao Horto Florestal. Foi até um dos portões de entrada e viu que estava fechado. A guarita estava fechada, com uma fraca luz laranja saindo de uma pequena janela – provavelmente, o guarda estava dormindo. O menino teve a ideia absurda de subir a Rua do Horto até chegar à entrada do Núcleo Pedra Grande do Parque da Cantareira. Se havia alguém de guarda ali, não estava em seu posto. Sorrateiro, o menino arremessou a sua mochila para o outro lado do portão e, em seguida, debruçou-se e escalou até saltar para o interior do parque.
            Seu coração quase saía pela boca. Ficou com medo de chamarem a polícia e seus tios terem que ir buscá-lo na delegacia. Não queria mais voltar para aquela casa. Não queria mais ver o seu tio. Sentia apenas pela tia, que o acolhera como um filho, e pela pequena Drica, que sempre vinha contar histórias da escola. E, um pouco, pelo primo que, apesar das brigas, era um confidente.
            Breno não hesitou em seguir pela primeira trilha que veio em sua mente, a Trilha da Pedra Grande.  Levou cerca de uma hora até chegar em seu destino: o mirante. Claro, levou alguns escorregões e ganhou alguns arranhões por conta da escuridão – não carregava nenhuma lanterna, já que não planejava estar ali –, além de rezar o caminho inteiro para não encontrar nenhum bicho que pensasse que ele era uma presa.
            No mirante, sentou-se sobre o chão gelado da Pedra Grande e ficou observando a cidade. Uma névoa pairava sobre alguns pontos, impossibilitando a visão completa. Mas, mesmo assim, era lindo ver aquilo. Ele ouviu a grama farfalhar atrás dele e se virou, tenso. Quando viu o que era – na verdade, quem –, seus ombros relaxaram e ele soltou um suspiro de alívio, ainda que surpreso.
            — Você — disse Breno, sorrindo, correndo até o local.
            — Venha cá — era Régia. Ela abriu os braços e acolheu o garoto em um abraço.
            Breno não fazia ideia de como ela o encontrara ali, nem tampouco de como ela conseguira chegar ali também. Mas isso não importava. Ele só queria que aquele abraço não acabasse.
            — Você não está seguro aqui — advertiu Régia, segurando a mão direita do menino. — Preciso tirar você daqui o mais rápido que pudermos.
            — Por quê? — questionou Breno. — Como me encontrou?
            — Vamos! — ela puxou o garoto, quase o fazendo cair.
            Os dois correram por outra trilha e se embrenharam no meio da mata, desaparecendo naquela escuridão. Poucos segundo depois, ouviu-se um relinchar ecoar por aquele lugar.

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