sábado, 25 de julho de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 3)



Capítulo 3 – Atualização de dados

            — Onde estamos? — perguntou Felipe assim que desceu do carro em frente a um casarão, aparentemente, abandonado.
            — Eu vivo aqui — respondeu o homem. — Vamos, entre!
            O homem abriu a porta do imóvel e Felipe entrou. Era tudo muito grande lá dentro: um vasto corredor que se estendia até uma porta de aço vermelha e enferrujada; diversas portas posicionadas em ambos os lados do corredor.
            — O que tem naquela porta? — Felipe apontava para a porta vermelha. O seu coração palpitava rapidamente.
            — Você vai saber, pode ir até lá — disse o homem.
            Felipe correu pelo corredor e, quando chegou à porta, parou e ficou observando aquela estrutura de aço; parecia um cofre.
            — Posso abrir? — perguntou Felipe.
            — Primeiro, deve buscar a chave — comentou o homem. — Segunda porta à direita, o taco de madeira que fica no meio do batente é falso; tire-o e você encontrará a chave.
            Em menos de dois minutos, Felipe estava de volta com uma chave enferrujada na mão esquerda:
            — Tome — o menino esticou o braço em direção ao homem, que pegou a chave e a girou na fechadura.
            Enquanto a porta abria, um rangido agudo incomodava os dois, que entravam num cômodo escuro e circular. No centro do cômodo, havia uma escada em espiral que subia uns dez metros. Felipe e o homem subiram pela escada até chegar noutro cômodo escuro.
            — Aqui, tem luz — disse o homem, passando a mão na parede e acendendo uma lamparina. — Seja bem-vindo.
            — O que é isso? — a sala não era muito grande: ao lado direito, uma parede repleta de retratos antigos e sem cor; ao lado esquerdo, uma túnica preta pendurada na parede; e, ao centro, uma mesa de madeira e, sobre ela, uma espécie de livro ao lado duma lâmina que media cerca de trinta centímetros.
            — Aquele é o traje que você deve utilizar sempre que for exercer a sua função — explicou o homem. — Deixará você mais forte, mais seguro. Aquele é o diário sobre o qual falei. E aquela...
            O homem e o menino encararam a lâmina; era comprida, curva e afiada.
            — Aquela será a sua arma — disse o homem, exibindo, novamente, aquele sorriso misterioso cheio de satisfação.
            — Mas eu já matei alguém — comentou Felipe, lembrando-se de Eduardo. — E eu usei uma faca... Não uma foice!
            — Não é uma foice — corrigiu o homem. — É uma gadanha. Muitos acabam cometendo um erro ao dizer que a Morte se utiliza duma foice para levar as suas almas; mas é uma gadanha.
            — ‘Tá. Tudo bem — concordou o menino. — Mas e o Eduardo? Eu larguei o corpo dele lá na casa dele... E se descobrirem?
            — Não descobrirão — garantiu o homem, virando-se para o menino. — Prometo a você: não descobrirão. Agora, precisamos tomar cuidado para as próximas almas.
            — Próximas? — Felipe achou estranho. Eduardo merecia, embora fosse um acidente tudo o que aconteceu; mas ele não faria o mesmo com ninguém mais.
            — Sim — confirmou o homem. — Você, agora, é um Ceifador. Ceifadores existem para isso: levar uma alma dum lugar a outro.
            — Mas... O que eu fiz com o Eduardo? — o menino começou a raciocinar sobre o que fizera.
            — Não, não! Não fique pensando nisso — pediu o homem. — O que está feito, está feito. Você fez o que era preciso... A hora dele havia chegado, assim como chegará a hora de muitos outros. Você ajudou a alma do Eduardo a desligar-se do corpo físico e seguir rumo ao destino dela.
            — Você tem razão. Não fiz nada de mais — concordou Felipe. — A essa hora, o Eduardo deve estar no Inferno.
            — Certamente — concordou o homem, passando a mão sobre os cabelos de Felipe. — Agora, você precisa ir. Fique com a chave e, sempre que precisar, pode vir buscar o seu material de trabalho. Esta sala é sua agora.
            — O que direi aos meus pais? — Felipe se lembrou de que a mãe havia ligado para ele enquanto ele estava na casa de Eduardo.
            — Garoto, você já tem 15 anos — lembrou o homem. — Não precisa ficar dando explicações a ninguém; a vida é assim.
            — Você está certo — os olhos do menino cintilavam. — Obrigado.
            Felipe partiu rumo à sua casa.

            Assim que chegou em casa, por volta das quatro da manhã, Felipe encontrou os pais, na sala, acordados:
            — Onde você estava? — questionou Julio, muito bravo.
            — Meu filho! — Marta abraçou o menino e desabou em prantos.
            — Eu estava passando mal — mentiu Felipe, de imediato. — Não quis acordar vocês, por isso saí.
            — Passando mal? — perguntou Julio. — E porque não atendeu à ligação da sua mãe?
            — Eu atendi, mas a bateria do celular acabou — Felipe retirou o aparelho do bolso e mostrou que estava desligado. — Desculpem. Estou com sono... Posso ir dormir?
            — Claro, meu filho! — Marta deu um beijo na bochecha do filho e o mandou para o quarto.
            — Marta! — Julio encarou a mulher após o filho entrar no quarto. — O que está fazendo? Ele some por horas na madrugada e você deixa ele ir dormir?
            — Julio, ele explicou o que aconteceu — contestou a mulher. — Deixa ele.
            Julio, então, cheio de desconfiança, sobe para o seu quarto e vai deitar com a sua esposa.

            No dia seguinte, após levantar e escovar os dentes, Felipe não desceu para tomar café; debruçou-se na janela do quarto e viu o sedan preto. Dentro do carro, o homem misterioso (o qual ainda não se havia identificado para o menino) lançava um olhar festivo para Felipe. Ele ainda causava-lhe arrepios.
            Felipe deu um breve aceno e fechou as cortinas; pegou o ultrabook sobre a escrivaninha e ligou o aparelho. Na tela e inicialização, uma janela piscava na área de trabalho: “Deseja verificar a atualização de dados do Messorem?”; “Sim”.
            Após clicar na opção, o programa foi aberto diretamente na aba Nomina:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz
           
            O nome de Eduardo estava tachado. De alguma forma, o programa identificara a ação de Felipe; sabia que o menino havia acabado com a vida de Eduardo.
            — Mas que merda é essa? — Felipe ficou pasmo quando ligou uma coisa à outra.
            O menino pegou a sua mochila no armário, desceu as escadas correndo e saiu da casa direto para o outro lado da rua, onde estava estacionado o sedan preto.
            — O que você ‘tá fazendo? — o menino, com um olhar de preocupação, perguntou ao homem misterioso. — Que droga toda é essa?
            — Você se refere a quê? — questionou o homem, passivo.
            — Aquele programa... O Messorem! — comentou Felipe. — Os nomes... Eu achava que eram algo qualquer, mas não; eu matei o Dudu e o nome dele apareceu riscado no programa!
            — Você quer montar um palco e contar para todo o bairro que você matou alguém? — o homem fez um alerta ao volume de voz do garoto.
            Felipe não respondeu; apenas lançou um olhar cheio de dúvida.
            — Entre no carro — ordenou o homem. — Agora!
            Sem questionar, o menino entrou e sentou no banco do passageiro. O carro preto, então, começou a andar e dar voltas no bairro.
            — O programa no seu computador funciona para você como o meu diário funcionou para mim — explicou o homem. — É uma espécie de agenda; vai mostrar tudo o que deve fazer.
            — Mas que porra é aquela? — Felipe estava nervoso. — O nome do Eduardo era o primeiro da lista e agora está riscado!
            — Conforme você pratica... — o homem pensou um pouco e preferiu rebuscar as palavras. — Conforme você completa os seus objetivos e adquire as suas conquistas, o programa fará atualizações para você. É por isso que o nome do Eduardo foi tachado; ele foi a sua primeira tarefa concluída com sucesso.
            — Você ‘tá zoando comigo — disse o menino. — Só pode!
            — Não brinco com essas coisas, Felipe — o homem estava sério, mas sereno. — Você é um aprendiz... Vai aprender tudo ao seu tempo.
            — Não quero mais isso! — disse Felipe, quase chorando. — Some da minha vida!
            — Mas... — antes que pudesse concluir, o homem teve de brecar o carro, pois Felipe abriu a porta e saiu sem mesmo preocupar-se com o que aconteceria ao sair com o carro em movimento.
            — Faça um favor a você — Felipe parou e olhou nos olhos do homem enquanto falava. — Desaparece ou eu faço com você o mesmo que fiz com o Eduardo!
            Um olhar penoso foi lançado contra Felipe. O homem demonstrou, ali, o quanto sentia pela decisão precipitada do menino. Imediatamente, o sedan preto deu partida e desapareceu quando fez curva na primeira esquina daquela rua.
            Felipe estava muito assustado. Se tudo o que o homem dissera fosse verdade, e se tudo o que ele havia relacionado fizesse sentido, o fim de tudo aquilo não seria bom. Marta, a sua mãe, estava naquela lista (era a penúltima); e Julio, o seu pai, o seu herói, deveria ser a sua última missão. Ele não queria aquilo para si; matar os próprios pais não fazia sentido algum.
            A única coisa que o menino queria era esquecer tudo o que fizera nos últimos dias; nada melhor que alguém muito amigo para ajudar na tarefa. Naquele dia, Felipe não foi para a escola; mas, naquele dia, Felipe também não voltou para casa. O menino decidiu ir dormir na casa dos tios com a sua prima preferida – Luciana.

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