segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Um fungo parasita poderia evoluir para controlar os humanos?


O fungo criador de zumbis no jogo The Last of Us é real, mas há muitos outros fungos para temer. Das 5 milhões de espécies de fungos no planeta, algumas centenas são nocivas para as pessoas.

Escrito por SARAH GIBBENS | Traduzido por JÚNIOR GONÇALVES

Uma formiga, que já não tem mais controle sobre o próprio corpo, arrasta-se para longe de sua colônia, pendura-se numa folha perigosamente, e espera para morrer enquanto um fungo consome o seu corpo, emerge em sua cabeça e libera esporos no ar.

 
"São como pequenos e ameaçadores enfeites de Natal pela floresta", conta Ian Will, geneticista de fungos da Universidade da Flórida Central, onde essas formigas zumbis podem ser encontradas.
 
E se esse fungo parasita pudesse fazer o mesmo conosco?
 
É essa a premissa da nova série de televisão baseada no jogo de videogame The Last of Us no qual, como resultado de temperaturas mais quentes provocadas pela mudança climática, um fungo toma todo o mundo e transforma os humanos em zumbis controlados por um parasita.
 

"De um jeito fantasioso, as conexões lógicas estão lá, mas não é provável que isso aconteça na vida real", diz Will. Mas enquanto os cientistas não estão preocupados com fungos que evoluem para transformar pessoas em zumbis, o aumento das temperaturas representam um risco real de fazer com que as infecções por fungos piorem.

 

Como o parasita infecta as formigas?

O criador de The Last of Us, Neil Druckmann, relatou que a sua inspiração veio de um vídeo da natureza mostrando o fungo, Ophiocordyceps unilateralis, infectando uma formiga-cabo-verde. Os cordyceps são uma vasta categoria de parasitas de insetos e também um suplemento popular para a saúde. Mas apenas os ophiocordyceps controlam o seu hospedeiro.


Cerca de 35 espécies desse fungo ophiocordyceps são conhecidas por transformar insetos em zumbis, mas podem existir até 600 espécies.
 
Os primeiros sintomas da infecção são comportamento errático e anormal. Os cientistas acreditam que o parasita toma o controle físico de seu hospedeiro com o crescimento de celular fúngicas em torno do cérebro, e essas células tomam posse do sistema nervoso do inseto para controlar seus músculos. "Ainda não se sabe exatamente como isso acontece, seja liberando uma substância química ou alterando o DNA do inseto", afirma Will.
 
É um processo que o fungo tem aperfeiçoado dentro do seu hospedeito específico desde antes da história da humanidade.
 
A nossa hipótese é de que eles estão coevoluindo há cerca de 45 milhões de anos”, revela Araújo.
 

Temos a certeza de que o fungo não pode infectar humanos?

Mover-se para qualquer animal de sangue quente exigiria algum trabalho evolutivo sério para o fungo.


 
"Caso o fungo realmente desejasse infectar mamíferos, precisaria de milhões de anos de mudanças genéticas", relata Araújo.
 
Cada espécie de fungo criador de zumbis evolui para atingir um inseto específico, assim, cepas únicas têm pouco efeito sobre um organismo a não ser sobre aquele para o qual elas evoluíram para infectar. Por exemplo: um cordyceps que evoluiu para infectar uma formiga na Tailândia não consegue infectar uma formiga de espécie diferente na Flórida.
 
Se um salto de uma espécie de formiga para outra é difícil, um salto de insetos para humanos é, definitivamente, ficção científica”, explica Will. “Mas essa ideia de que a temperatura desempenha um papel nas infecções fúngicas é, certamente, sensata.”
 

Uma ameaça com o aumento das temperaturas?

Mesmo sem um perigo iminente dos fungos parasitas, há muitos outros fungos a temer.

Estima-se que há milhões de espécies de fungos no planeta e algumas centenas delas são conhecidas por representar perigo aos humanos. Algo que nos protege de infecções fúngicas graves é a nossa própria temperatura corporal. Em torno de 36,6ºC, o corpo humano é quente demais para que a maioria das espécies de fungos espalhe uma infecção — elas preferem uma margem de 25 a 30ºC.


(Esqueça o que você acha que sabe sobre a temperatura corporal média de uma pessoa.)
Pitiríase versicolor, também conhecida como micose de praia.

Uma das razões pelas quais nós temos fungos de pele é porque eles podem ficar entre as dobras da pele. São lugares um tanto úmidos e escuros onde os fungos podem proliferar, pois são mais frios que a temperatura corporal,” afirma Samuel Shoham, especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
 
Com o aquecimento global, há um consenso de que a mudança entre a temperatura ambiental e a temperatura corporal não será tão dramática", ele diz. Hipoteticamente, isso faria com que fosse mais fácil para os fungos que evoluíram para resistir às temperaturas externas mais quentes para também conseguirem sobreviver dentro do organismo humano.
 
Há uma espécie de fungo capaz de infectar pessoas e os cientistas acreditam que pode ser resultado do aumento de temperaturas, é o chamado Candida auris.
 
Era desconhecido pela ciência até 2007, mas foi encontrado em três diferentes continentes em 2011 e 2012.
 
Surgiu do nada”, revela Arturo Casadevall, especialista em doenças infecciosas na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. “A ideia é que esse fungo estava por aí e, ao longo dos anos, ele se adaptou às temperaturas mais altas até conseguir vir à tona.”
 
Quando eles entram na corrente sanguínea, os fungos apresentam sintomas parecidos ao de uma infeção bacteriana, observa Shoham. Para pessoas com um sistema imunológico saudável, lutar contra eles, geralmente, não é uma questão. Mas muitos não têm tanta sorte: os Centros de Controle de Doenças estimam que 30 a 60% dos pacientes contaminados pelo fungo acabam morrendo, embora a possibilidade de que eles estivessem sob condições de saúde precárias torna difícil determinar o quão crucial o fungo Candida auris foi nesse processo.
 
Mas, quando questionado se seria possível um surto de fungos semelhante à Covid-19, Casadevall afirma que não está fora de questão.
 
Considerando essa possibilidade, ele assume: "Se estou preocupado quanto a uma doença desconhecida que surja e contamine os imunocompetentes? Claro.”
 
Fonte: National Geographic.
Disponível em: [https://www.nationalgeographic.com/science/article/parasitic-fungus-evolve-to-control-humans]. Acessado em 26 jan. 2023.