quinta-feira, 9 de julho de 2020

Sobre pegar uma estrada ruim (Ou sobre admirar o percurso e não esperar apenas o fim)


É tarde de sexta-feira. Você entra no carro para dar seguimento à sua viagem. Já fazem dias que você está na estrada e, por mais que tenha chegado a alguns destinos lindos e cheios de significado para você, a sensação que tem enfrentado é de desgaste, de cansaço extremo. O cansaço tomou você por completo.

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Você entra no carro, puxa e aperta o cinto, olha o retrovisor e dá um suspiro profundo. Então, você dá movimento para o carro e segue a viagem. Enquanto dirige, em silêncio, você pensa sobre alguns dos seus destinos mais fabulosos que alcançou e abre um sorriso bem singelo ao relembrar as emoções que sentiu em cada um deles.

Algumas horas de viagem na estrada e você quer parar. Você sente que nada agrada você, tudo é um esforço muito grande. Afinal, há quanto tempo você está viajando, não é mesmo? E você passa o resto da noite e do dia de sábado dirigindo, mas reclamando e lamentando por estar no comando dessa direção. Você se sente só.

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Você liga o GPS em busca de alguma alça de saída desta rodovia. Passa o dedo pela tela, em puro desespero, e não encontra. É uma pista reta, sem saídas próximas. Uma lágrima cai do seu rosto enquanto você se questiona: “Por que é que eu tenho que passar por isso? Eu não aguento mais nada disso. Queria sair logo daqui!”.

Começa a chover. Uma daquelas chuvas torrenciais, sabe? Você reduz a velocidade por segurança, mas sente o pesar por essa decisão – isso vai atrasar mais ainda com que você chegue a algum lugar. Você está num nível de perturbação tão alto que até esquece de ligar os faróis do carro. E chora porque sente o coração apertado, dolorido.

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Numa curva à frente, uma placa sinaliza que há uma parada logo adiante, um posto de conveniências, daqueles com restaurantes, banheiros etc. Mas você acha melhor não parar “Não vou perder meu tempo com isso. Deve faltar pouco pra eu conseguir sair desta rodovia. Eu preciso sair desta rodovia, não aguento mais!”. Assim, você passa por aquela possibilidade de parada sem sequer olhar para o lado. Nesse instante, você pisa um pouco mais no acelerador e sobe uma marcha; você está com mais cansaço a cada minuto.

Por volta das 16h do sábado, após quase 20 horas dirigindo, você pensa novamente sobre os lugares que visitou antes. Mas, dessa vez, há um sentimento de raiva – de alguma forma, você culpa esses lugares de terem tomado o seu tempo e isso ter feito você demorar a chegar no seu destino final. E como toda essa raiva fez você submergir, toda a sua atenção foi tomada para essas lembranças, mas você só focou nas dores dessas lembranças e esqueceu que esses destinos intermediários também foram bons para você em algum momento.

A pista molhada faz o seu carro derrapar e você perde totalmente o controle sobre a direção, com o seu carro sendo levado diretamente para o acostamento e, em seguida, para uma valeta. Você bate a sua cabeça no volante e o sangue escorre da sua testa, mas, em meio ao desespero, você desmaia. Quando você acorda, você está dentro de um outro carro, uma ambulância e ouve uma voz: Por favor, acalme-se, estamos levando você para um hospital e você receberá atendimento!”.

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Isso é ficção. Mas também é a realidade.
Quantas vezes você não disse para si próprio que está cansado, que não aguenta mais e que quer chegar logo a um fim, ou, então, que quer ir embora pra outro lugar?

A nossa vida é feita de estradas, rodovias, ruas, e tantos outros caminhos. Por vezes, a gente não vai conseguir acessar outro caminho por um longo tempo, mas, assim como nas rodovias, há paradas possíveis, lugares onde é possível estacionar, esticar as pernas e respirar, tomar fôlego para dar continuidade. A gente esquece de ligar os faróis para que os outros nos enxerguem e, talvez, ofereçam alguma acolhida. Quando a gente entra numa perspectiva de comodidade, de não tentar ver além, é isso o que acontece.

A gente deixa de admirar a paisagem, o trajeto. A gente deixa de ser grato pelas nossas vivências, mesmo pelas ruins – mas, mesmo as vivências ruins fizeram você chegar aqui. Cada vivência é um pedaço da sua história, é um pedaço de você. Se você tenta apagar essas lembranças, uma hora ou outra elas voltarão à tona porque não foram realmente apagadas, porque não dá pra apagar o que foi vivido. Não dá. Quando eu me dei conta de que não era possível apagar as lembranças, eu entrei em desespero... Como eu passaria o resto da vida com lembranças que me provocavam dores?

Mas, aí, eu passei a tentar enxergar o que cada uma dessas lembranças realmente significava pra mim. Foi quando entendi que elas eram parte do que eu sou hoje, elas contribuíram para o meu crescimento, para formar o meu eu de hoje.

Nem sempre vai ser possível continuar na mesma estrada. Você vai encontrar algumas estradas esburacadas, algumas rodovias em reforma e outras sendo construídas. Algumas pontes vão cair e impedir o seu acesso a outros lugares, mas outras novas pontes serão reconstruídas – para novos caminhos. A gente precisa desapegar dessa ideia do infinito, de que tudo é para sempre. Nem toda estrada tem um final feliz, mas pode ter um caminho feliz por um tempo determinado; e, se a gente não aproveita esse caminho, a gente chega ao final dela frustrado, porque a gente só esperava pelo final e sequer percebeu que o meio dela era maravilhoso.

Vai doer. Reprogramar a rota vai doer mais do que você pensa. Porque isso significa que você vai ter de abandonar alguns planos, algumas expectativas, e nunca é fácil abandonar as expectativas. Mas tente reprogramar as rotas, tente buscar novos caminhos. E, nesses novos caminhos, faça um esforço para admirar a beleza que há em volta – porque há!