quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Falar sobre suicídio: O medo de ganhar responsabilidade sobre aquilo que eu não controlo




Eu estava pensando... Não falar sobre um problema não faz com que esse problema deixe de existir. Na verdade, não falar sobre ele só me cria a noção de que ele não existe mais ou que não é mais uma responsabilidade minha.

Medo. Eu tenho medo de falar sobre aquilo que eu acredito que seja minha responsabilidade porque isso envolve o julgamento dos outros, envolve a culpa que eu posso me dar caso eu não consiga resolvê-lo.

Mas, agora, vamos nomear esse problema: suicídio. Aposto que, só em ler essa palavra, você já experimentou uma sensação esquisita, um incômodo. Então! O suicídio é real. Ele existe. A ideação suicida é real. Ela também existe. É algo que está acontecendo em volta do mundo – queira você falar ou não. Em algum lugar do mundo, a cada 40 segundos, uma pessoa acaba com a própria vida. Aqui, no Brasil, uma média de 32 pessoas acaba com a própria vida diariamente. 56% das pessoas que tentam, morrem na primeira tentativa de suicídio. 40% das pessoas que tentaram uma vez voltam a tentar suicídio ao longo da vida. Mais de 1/3 das pessoas com ideação suicida mantém essa ideação por uma década. A estimativa é de que, no ano de 2020, o número de suicídios chegue a 1,5 milhão.

Um estudo do National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental) dos Estados Unidos, dirigido por Thomas Insel, mostrou que a redução da mortalidade por algumas causas médicas. De 1965 a 2012, as mortes por acidentes de trânsito reduziram em 20 milhões (porque houve investimento em campanhas de conscientização e atenção no trânsito); as mortes por AIDS reduziram em 30 milhões (porque os governos investiram nas campanhas de prevenção e ofereceram métodos preventivos); mas as mortes por suicídio não sofreram uma queda porque não houve investimentos na área. No Brasil, o Ministério da Saúde criou um plano de prevenção ao suicídio em 2006, porém, o plano não saiu do papel.

A morte é um tabu muito grande em nossa sociedade ainda. E é um tabu ainda maior quando a morte é provocada pela própria pessoa. Afinal, uma coisa é ter uma vítima para sentir pena e um algoz a quem culpar... Mas o que eu faço quando a vítima e o algoz são a mesma pessoa? O que eu faço quando a pessoa que mata é a mesma pessoa que morre?

Eu não faço nada. Eu não tenho de fazer nada. Isso não cabe a mim. Eu não fui preparado para lidar com a minha dor, quanto mais para lidar com a dor do outro. Nós não damos conta de tudo – eu não dou conta de tudo. Quando um suicídio acontece, ele acontece por uma série de fatores e não apenas porque alguém “descuidou” e não percebeu o que estava acontecendo com a pessoa.

O medo em torno da discussão sobre o suicídio se prova um medo pela responsabilidade de ter provocado um suicídio quando eu ouço uma fala do tipo “É melhor não falar sobre isso (suicídio) porque pode acabar sugestionando coisas...”. E não é assim, não quando a gente fala com a intenção de prevenir, de desmitificar. Ter informações adequadas sobre o tema é uma forma importante de preveni-lo. E, aí, a gente precisa ter algo em mente: podemos prevenir um suicídio, mas não podemos evitá-lo. Eu não tenho controle sobre as decisões do outro, sobre a vida do outro.

Portanto, a única coisa que posso fazer para ajudar é perceber a dor do outro, tornar-me sensível a isso e oferecer a minha escuta. Apenas isso. Tudo o que vem depois disso, não está em minhas mãos.

E quando eu digo que ouvir o outro e reconhecer a dor do outro faz diferença, é com conhecimento de causa – dos dois lados da causa. Muita gente que estava sofrendo e, depois de poder desabafar e me contar tudo o que estava sentindo, relatou melhora e alívio. Mas eu (sim, eu!) também já senti esse alívio ao desabafar para alguém.

E como é difícil eu confiar em alguém para contar as minhas dores mais profundas. Como é difícil eu acreditar que não vão me julgar se eu contar que já me cortei para tentar sentir algo além daquela angústia. Como é difícil e pesado eu falar sobre o desejo de não acordar todos os dias e passar mais um dia aguentando todo esse sofrimento – e muita gente acaba nem se dando conta. E nem precisa se dar conta, afinal, é o meu sofrimento. Mas é difícil. Eu choro quase todos os dias quando sou tomado por pensamentos confusos, pelas sugestões que a minha própria mente me dá para me livrar de tudo isso que eu sinto.

Todo dia, quando acordo, penso: “Eu espero que eu sinta menos hoje.”. Durante o dia, um turbilhão de emoções – e eu nunca consigo organizá-las.

É assustador pensar na morte como alternativa a essa angústia... Porque eu amo o meu marido, eu amo os meus irmãos, os meus pais, a minha família. Eu amo os meus animais de estimação. Eu amo muitas pessoas que conheci nesses 27 anos – algumas, inclusive, que já nem fazem parte da minha vida diária. Mas eu fico desesperado quando eu penso em como cada uma delas ficaria se soubessem como eu me sinto todos os dias. E essa angústia, essa culpa, acaba me afundando ainda mais.

Na verdade, eu estou com o coração acelerado escrevendo aqui porque isso é algo que pouca gente – quase ninguém – sabe. O medo dos olhares é muito grande. O medo dos conselhos... Eu não quero conselhos, eu quero que a dor pare, eu quero que o sofrimento acabe.

Por isso, eu peço:

“Sejam mais gentis, por favor. Amem mais, ajudem mais, vejam mais, peguem nas mãos das pessoas que estão se afogando. Dê a sua mão. Dê um sorriso. Eu quero pedir que sejam mais tolerantes.”

Deixem que as pessoas chorem porque, talvez, com o choro, elas possam sentir o alívio de que precisam – não vejam o choro como uma fraqueza nem fiquem desesperados ao verem alguém chorando. Deixem as pessoas falarem sobre a sua dor. Ouçam.

O pacto de silêncio nunca é favorável.