domingo, 16 de agosto de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 5)


Capítulo 5 – Sufoco

            Pouco tempo depois, Felipe estava dentro daquele cômodo com o homem desconhecido. Eles admiravam a gadanha; Felipe estava vestindo a túnica preta.
            — Você está ótimo — o homem se virou para Felipe antes de elogiá-lo. — Mas não pode demorar muito. As tarefas precisam ser cumpridas ao seu tempo.
            — O que acontece se eu não cumpri-las no tempo certo? — questionou Felipe, curioso.
            — Não se pode ceifar a vida de alguém fora do tempo exato — avisou o homem. — Caso contrário, você coloca tudo a perder.
            — Como assim? — o garoto não compreendeu.
            — Felipe, não interessa. Nunca atrase uma tarefa... — suplicou o homem. — De forma alguma!
            — Tudo bem — concordou Felipe. — Tudo bem. O que faremos agora? A Luciana saiu com o namoradinho dela.
            — Telefone para ela — sugeriu o homem. — Diga que precisa muito conversar com ela. Invente alguma coisa. Ou não invente nada.
            — Posso ficar aqui? — perguntou Felipe. — Tem algum problema se eu cumprir a tarefa aqui mesmo?
            — Nenhum. Mas eu preciso ir, então — disse o homem. — Tome cuidado com o que fará. Não deixe brechas.
            Assim, o homem desconhecido foi embora.
            Felipe, em seguida, pegou o seu celular no bolso da calça (sob a túnica) e discou o número da prima:
            — Alô? — disse Felipe. — Lu? Tudo bem?
            — Oi, Fê — respondia Luciana, ao outro lado da linha. — O quê foi?
            — Preciso muito falar com você — respondeu Felipe. — Pode vir-me encontrar?
            — O que aconteceu? Onde você está? — interrogou Luciana.
            — Estou na Av. Nova Cantareira, 5.972 — contou Felipe. — Não dá pra enxergar o número... É um casarão que fica a uma mansão. O muro daqui é todo pichado. Uns moleques da escola me trouxeram pra cá e não tenho dinheiro pra ir embora.
            — Meu Deus! Que longe! — Luciana ficou um pouco surpresa. — Estou indo... Vou chamar o Otávio pra ir comigo; estou de carro.
            — Não! — gritou Felipe, imediatamente. — O Otávio, não.
            — ‘Tá, Fê... Estou indo! — Luciana desligou o telefone.

            Vinte minutos se passaram e o telefone de Felipe tocou:
            — Alô? Lu? — Felipe ajeitava a túnica preta enquanto falava ao celular.
            — Cheguei. Onde você está? — perguntou Luciana.
            — Estou aqui dentro — respondeu Felipe. — Machuquei a minha perna e encontrei um sofá aqui dentro. Pode vir-me ajudar a sair?
            — Ok — Luciana soltou um suspiro incomodado. — Estou indo.
            Quando Luciana passou pelo muro rebocado, ficou assustada com o estado do casarão: os escombros se espalhavam por todo o quintal, não havia portas nem janelas – tudo estava num estado deplorável.
            — Fê? — Luciana chamava pelo primo enquanto caminhava no corredor do quintal rumo à entrada do casarão. — Estou entrando!
            Felipe não respondeu. Ele aguardava ansiosamente pela prima no quarto secreto; sua gadanha estava reluzente sobre a mesa.
            — Fê? — Luciana chamou outra vez.
            — Aqui! — a porta do quarto misterioso foi aberta e Luciana lançou o olhar na direção da voz.
            Mas não havia ninguém na porta. A moça decidiu entrar para ajudar o primo.
            Quando entrou no quarto, a porta foi fechada logo em seguida. Virando-se abruptamente, Luciana deu de cara com o seu primo – vestido em trajes esquisitos e em pé ao lado da porta.
            — Felipe? — a jovem estranhou. — Isso é algum tipo de piada?
            — Piada? — Felipe sorriu. Seus olhos reluziam um vermelho vivo. — Não... Não se trata de piada, Lu. É coisa séria.
            — Vai a uma festa à fantasia? — brincou Luciana. — Para de graça e tira essa roupa!
            — Não, Lu — Felipe continuou sério. — Eu quero que você me desculpe, mas não posso prolongar isto.
            — Desculpar? Por? — a jovem continuou sem entender nada.
            De repente, Felipe esticou o braço direito e deu um safanão na cabeça da prima, que caiu desmaiada. Depois, o menino arrastou, com dificuldade, o corpo de Luciana até o canto da sala e amarrou os seus braços com uma corda velha.

            — Mas o que é isso? — Luciana acordou em desespero. — Felipe, o que está acontecendo aqui? Que brincadeira de mau gosto é esta?
            — Não é brincadeira, caramba! — vociferou o menino. — Já falei. Isso é coisa séria.
            — Que lugar é este? O que está fazendo sozinho aqui? — a prima o interrogou. — Você não está machucado, né? Foi tudo uma armação! Pra quê tudo isso? Pra quê essa roupa?
            — Nossa! Que merda! — reclamou Felipe. — Cala a boca! Eu devia ter amordaçado você.
            — O que você está fazendo? Isso é por causa do Otávio? — perguntou a jovem, deixando o medo transparecer.
            — Otávio, Otávio... Chega! — pediu o menino enquanto pegava a sua gadanha. — Será que você não consegue ficar quieta?
            — O que vai fazer com essa foice? — Luciana ficou agoniada e começou a chorar. — Socorro!
            — Cala a boca! — Felipe colocou as mãos sobre a boca da prima. — Isto não é uma foice... É uma gadanha! E vou mostrar o que farei com ela.
            Luciana chorava; tentava gritar, mas o som era abafado pelas mãos de Felipe. O menino impulsionava o seu corpo contra a prima, deixando-a fraca e facilmente dominável.
            Enquanto tampava a boca de Luciana com a mão esquerda, Felipe erguia a gadanha com a sua mão direita. A lâmina brilhava enquanto refletia a luz do sol.
            Por um descuido, no momento em que fincou a gadanha no coração de Luciana, a jovem mordeu a mão de Felipe e deu um grito:
            — Socorro! — o pedido de ajuda ecoou por todo o imóvel de uma forma assombrosa.
            — Sua vaca! — Felipe forçou a lâmina dentro do peito de Luciana e continuou rasgando tudo por dentro.
            Quando a prima já estava morta e totalmente esfolada na região peitoral, Felipe largou a gadanha sobre a mesa e respirou profundamente – os seus ombros subiram enquanto fez o movimento.
            Felipe começou a desamarrar a prima e a limpar a bagunça quando foi interrompido por um som vindo do interior do casarão:
            — Lu? — era uma voz feminina; esboçava preocupação. — Cadê você? ‘Tá tudo bem aí?
            — Quem é? — perguntou Felipe, modulando a sua voz, imediatamente, para um tom mais doloroso.
            — Você é o primo da Lu? — perguntou a moça; sua voz ficava mais próxima. — Ouvi um grito dela pedindo ajuda... Você está bem?
            — Não... Está doendo muito — mentiu Felipe. Ele queria que fosse verdade; queria sentir a dor pela perda da prima. — Mas ela deve estar procurando algum remédio lá em cima.
            — Onde você está? — a voz se aproximava cada vez mais.
            Num ímpeto, Felipe despiu-se da túnica preta manchada de sangue e ficou vestido com a sua roupa casual, um jeans escuro e uma camisa polo. O menino abriu a porta e saiu pelo corredor, fechando a porta em seguida.
            — Aqui — Felipe respondeu assim que avistou uma jovem ao fim do corredor.
            — Ah! — a jovem correu até chegar perto do garoto. — O que houve? E esse sangue no seu tênis? Machucaram você?
            Felipe arregalou os olhos, surpreso, quando notou que havia respingos de sangue no seu tênis.
            — Uns moleques me trouxeram pra cá... — explicou o menino. — Mas, diz uma coisa... Quem é você?
            — Sou amiga da sua prima — respondeu a moça. — Ela pediu para eu vir junto já que você não queria o Otávio aqui. Meu nome é Gabriele!
            — Gabriele? — Felipe achou ter visto aquele nome em algum lugar. — Acho que já ouvi a Lu falando de você... Gabriele Fontana, certo?
            — Isso! — confirmou a jovem, sorrindo. — Vamos, eu te ajudo chegar até o carro.
            — Ok — mas Felipe não iria até o carro. Ele sabia quem era aquela menina e sabia, também, que a hora dela havia chegado. — Só preciso buscar a minha mochila lá dentro.
            — Eu vou buscar — Gabriele ofereceu ajuda. — Espere aí.
            Assim, Gabriele segue rumo à porta pela qual Felipe havia saído segundos antes. Quando abriu a porta, a menina ficou espantada e arremessou um olhar desamparado para Felipe.
            Instintivamente, Felipe correu até o quarto e empurrou Gabriele para dentro. A porta se fechou atrás dos dois, deixando vazar, apenas, o som abafado dos gritos da moça.

domingo, 2 de agosto de 2015

MESSOREM: O Aprendiz da Morte (C. 4)


Capítulo 4 – Refúgio
            — Então você está namorando... — questionou Felipe ao saber que a prima estava “enrolada” com um amigo da escola. — O Otávio é o menino mais idiota da escola, Lu!
            — Ai, Fê, não fala assim! — Luciana sorria enquanto conversava. A menina tinha 17 anos e já estava no último ano do ensino médio. — O Otávio é um dos meninos mais bonitos da escola.
            — Sério? — Felipe virou os olhos em desaprovação. — Mas a vida é sua, né?
            — E por que a visita inesperada? — questionou Luciana, desconfiando da visita do primo — Está cabulando aula hoje?
            — É. E você também — riu Felipe. — Eu não estava afim de aguentar aqueles professores hoje. O Zé me deu nota baixa na prova de Literatura.
            — Sério? Nossa... Nunca fiquei com nota vermelha na matéria dele — comentou a garota. — Acho que ele “passava um pano” pra mim.
            — Ele é um filho da puta! — reclamou o menino, franzindo o cenho.
            — O meu pai comprou um ultrabook pra mim — disse Luciana. — Mas não faço ideia de como usar isso... ‘Tá cheio de programas estranhos que nunca vi na vida.
            — Sério? Ganhei um dos meus pais no meu aniversário — contou Felipe.
            — Ai, Fê... Desculpe por não ter ido à sua festa — pediu Luciana. — Eu saí com o Otávio; fomos ao shopping ver aquele filme novo.
            — Tudo bem — disse Felipe. Mas não estava tudo bem; Luciana, além de prima, era a sua melhor amiga. Não vê-la em sua festa causou-lhe uma grande tristeza momentânea. — Mas, como eu dizia, eu tenho um ultrabook também; se quiser, posso ajudar você.
            — Vou pegar, então — Luciana saiu do quarto para buscar o aparelho na sala. Quando voltou, ligou o ultrabook numa tomada e entregou-o no colo do primo. — Pode ligar...
            Felipe ligou o aparelho e deu uma breve olhada na área de trabalho: programas de edição de imagens, vídeos e textos, navegadores para a internet, comunicadores instantâneos e, para a surpresa do menino, o Messorem.
            — Que porra é essa? — Felipe sentiu um arrepio na espinha.
            — O quê? — perguntou Luciana, sem entender o que o primo quis dizer com aquela indagação.
            — Como conseguiu esse programa? — o menino apontou na tela o ícone em forma duma gadanha.
            — Não sei... Acho que veio instalado — comentou a garota. — Por quê?
            — Nada — Felipe preferiu não comentar nem abrir o programa enquanto estava ao lado da prima. — É que é um programa pago que serve para piratear outros programas.
            — Ah... — Luciana fingiu que entendeu enquanto pegava algumas roupas no guarda-roupa. — Vou tomar banho. Você me espera? Daí você me explica algumas coisas... Preciso configurar esse computador.
            — Tudo bem — concordou Felipe.
            Logo que Luciana saiu para o banho, Felipe clicou no ícone do Messorem para abrir o programa.
            Quando o programa abriu, a interface exibiu a mesma coisa que o computador de Felipe exibia – uma guia denominada Nomina. O menino clicou pensando que, talvez, haveria outros nomes ali.
            Será que Luciana também era aprendiz?
            Mas a raiva de Felipe veio à tona quando a listagem de nomes surgiu na tela:
            Eduardo Presto
            Luciana Pêra do Vale
            Gabriele Fontana
            Otávio Macedo
            Edivânia Costa da Silva
            José Fernandes de Abreu
            Marta Vicentini Ferraz
            Julio Vicentini Ferraz

            Porém, desta vez, o nome de Luciana estava em negrito. Foi só aí que Felipe se deu conta de que a Luciana da listagem era a sua prima. Mas ele ainda não entendia como a mesma listagem do seu ultrabook aparecia ali, no computador de sua prima.
            Quando ouviu alguém se aproximar no corredor, Felipe fechou o programa e abriu uma página da internet para disfarçar.
            — Voltei — disse Luciana, com uma toalha enrolada no cabelo. — Conseguiu alguma coisa?
            — Ah... Está faltando alguma atualização no seu sistema — mentiu Felipe. — Posso levar o seu ultrabook e atualizar?
            Por um breve segundo, Felipe percebeu como mentira sem ter planejado e aquilo saiu muito bem.
            — Tudo bem — concordou Luciana. — Vou ter que sair mesmo; o Otávio me ligou agora. Ele quer me encontrar.
            — O Otávio? — o menino ficou enciumado; não sentia amor pela prima, mas não gostava quando ela o trocava por alguém (ainda mais quando esse alguém era o Otávio!). — Eu estou avisando... Você vai-se arrepender de “dar bola” para esse moleque.
            — Ele não é um moleque — corrigiu Luciana. — Você é; tem só 15 anos!
            A garota riu e abraçou o menino.
            — Não fique com ciúmes... — pediu Luciana. — Um dia, você vai gostar do Otávio e vai perceber o quanto ele é legal!
            — Acho melhor não — garantiu Felipe, com uma cara séria. — Então, vou nessa. Trago o seu computador até o fim da semana; prometo.
            — Sem problemas; não estou usando ele — respondeu Luciana, mal prestando atenção no primo.
            Sem querer insistir ou demonstrar raiva pela atitude da prima, Felipe pegou a sua mochila e foi embora.
            Quando virou a esquina, Felipe notou que estava sendo seguido. Entortou o pescoço e olhou para trás; era o sedan preto outra vez.
            — Mas que droga! — o menino correu até o carro e deu um soco na janela do motorista.
            — Você está louco, moleque? — questionou um homem quando a janela do carro se abriu. Não era o homem desconhecido; aliás, era um desconhecido, mas não aquele pelo qual Felipe esperava.
            No banco de trás do carro, havia uma menininha choramingando assustada.
            — Ah, vai se ferrar! — Felipe virou as costas e saiu andando.

            Mais tarde, enquanto jogava um jogo no seu computador, Felipe parou para olhar a rua pela janela do seu quarto. E ele já imaginava quem estaria ali, à sua espera: o homem misterioso com o seu sedan preto.
            Felipe desceu o mais depressa que pôde (praticamente, saltou pelas escadas do primeiro andar para o térreo); abriu a porta da sala com grosseria e correu em passos pesados até o carro estacionado do outro lado da rua:
            — Por que você não me deixa em paz? — questionou Felipe. Por mais angustiado que se sentisse, não havia tensão no seu olhar.
            — Calma, rapaz — pediu o homem, enquanto saía do carro. — Você ainda não aceitou o seu destino. Aceite-o e você se verá livre de qualquer sofrimento.
            — Sofrimento? — indagou Felipe. — Acha que estou sofrendo pelo que fiz com o Eduardo? Fiquei sabendo que encontraram o corpo dele e que desconfiam de assalto à mão-armada. Não tenho nada a ver com isso.
            — Muito pelo contrário — comentou o homem. — Você tem tudo a ver com isso; e é disso que você precisa ter orgulho. Você exerceu uma tarefa com muito sucesso, Felipe.
            — Você vendeu aquele computador para a minha prima? — perguntou o menino, curioso.
            — Não... Ainda sou apenas um Ceifador; não um vendedor — brincou o homem. — Aquilo é o seu destino chamando por você. Atenda ao chamado, menino.
            — Atender ao chamado? — questionou Felipe. — Se eu atender a essa merda, você sabe quais serão as minhas últimas tarefas?
            — Todo trabalho tem os seus maiores desafios, garoto — disse o homem, sorridente. — É com os maiores desafios que nos tornamos mestres no nosso trabalho. É sempre assim!
            — A Luciana também está na listagem... Ela é a próxima! — contestou Felipe.
            — Ela será um preparo para os seus desafios finais, Felipe — avisou o homem. — Ultrapasse esse limiar e não haverá mais limites para você!
            — Não é tão fácil como acha — respondeu Felipe.
            — Você esqueceu que eu também sou um Ceifador e que eu já fui um aprendiz? — lembrou o homem, apoiando a sua mão sobre o ombro esquerdo do menino. — Felipe, eu não me tornei um mestre do dia para a noite assim como você não se tornará. Mas, a partir do momento que você parar de pensar e agir, tudo vai ficar mais simples.
            — É... Eu sei — revelou o menino. — Foi assim com o Eduardo. Mas, agora, isso se trata da Luciana; a gente tem um relacionamento.
            — Vocês tinham — corrigiu o homem. — Você, agora, é outra pessoa, Felipe. Você é o Aprendiz da Morte.
            — De qualquer forma, eu deixei passar uma oportunidade — por um instante, aquele pensamento assustou Felipe. — Eu estava até agora com a Luciana e não fiz nada.
            — Garoto, vamos lá... — o homem sacudiu Felipe. — Você quer ou não quer ser um Mestre da Morte?
            — É claro que eu quero! — os olhos do menino brilharam num vermelho-sangue.
            — Mãos à obra, então! — disse o homem. — Entre no carro. Vamos buscar as suas coisas.

            Felipe, então, entrou no carro; o homem o levou embora para o seu refúgio a fim de preparar o garoto para mais uma tarefa; para a ultrapassagem doutro limiar.