quarta-feira, 20 de maio de 2015

Conto: Toda pessoa tem sentimento?


            — Toda pessoa tem sentimento? — foi o que Felipe questionou naquele momento.
* * *
            Felipe tem apenas dez anos de idade; o seu comportamento não é o melhor exemplo às outras crianças da escola – embora, em casa, suas atitudes sejam muito calmas e respeitosas.
            Silvio, o pai de Felipe, é um ex-presidiário e faz pouco tempo que saiu da prisão. Desde então, tem-se dedicado a perturbar a vida da esposa e dos filhos:
            — Fábio, onde você estava? — questiona Silvio ao filho mais velho, de 15 anos. — Como você sai de casa pela manhã e chega apenas agora, à meia-noite?
            Fábio, cansado das perturbações do pai, havia saído escondido após a escola e ficara ausente pelo resto do dia. O garoto tem andando com uma turma nada confiável: adolescentes usuários de drogas. Fabiana, a mãe, tentou, por diversas vezes, conversar com o filho sobre tal questão citando, até mesmo, o caso do esposo.
            — Eu saí com uns amigos — respondeu Fábio, sem mudar a sua feição (inexpressiva). O menino tem o mesmo jeito do pai: introvertido e que não expressa os sentimentos.
            — Sua mãe me contou quem são seus amigos... — revelou Silvio, avançando para perto do garoto. — Se eu “sonhar” que você está mexendo com drogas, eu mato você!
            Provando que é o “macho dominante”, Silvio dá um tapa no braço do filho.
            Felipe, que está no quarto (os três filhos dormem no mesmo cômodo), acha melhor tentar ajudar ao irmão:
            — Pai, ele ‘tá falando a verdade — comentou Felipe. — Eu vi ele saindo da escola com uns amigos; eram os mesmos que ele sempre traz aqui.
            — Cala a sua boca! — Silvio bate na perna de Felipe, que corre para deitar em sua cama. — Já falei para não se meter no que não te interessa.
            — Silvio! — Fabiana fica exaltada com a situação e avança para cima do marido. — Como você se atreve?
            A mulher move a mão para dar um tapa na cara do esposo, mas Silvio a segura e a prensa na parede do quarto:
            — Não ouse bater em mim — avisou o homem, que olhava profundamente nos olhos da esposa. — Eles são os meus filhos e eu faço o que eu quiser!
            — Não faz, não! — gritou Fabiana. — Você nunca cuidou deles... Eu cuidei deles a vida toda; sozinha! Você não pode chegar e fazer o que quer com eles!
            Silvio, cheio de raiva, encara a mulher. Fabiana, por sua vez, sai do quarto e vai para o banheiro lavar o rosto. Felipe e Fábio dormem sem comentar o que aconteceu e sem trocar olhares. Enquanto isso, Roberta, a caçula, chora escondida em sua cama.
            Dois dias se passam e Felipe, na tentativa de chamar a atenção da mãe, provoca Fabiana para que ela fale com ele:
            — Duvido você olhar pra mim — provoca Felipe por repetidas vezes.
            — Chega! — sem pensar, Fabiana dá um tapa no filho.
            Logo em seguida, a mulher começa a chorar e pede perdão ao filho:
            — Felipe, me perdoa! — implora Fabiana. — Eu estou nervosa e você está me provocando, não fiz isso por querer... Me desculpa!
            O menino consente com a cabeça e vai para o seu quarto.
            No fim da tarde, quando o pai chega em casa, o homem vai direto ao quarto dos filhos:
            — Felipe? — Silvio chega cheio de raiva no quarto do menino. — O que foi que você fez com sua irmã?
            — Eu não fiz nada, pai! — responde o menino, preocupado.
            — Ela está chorando e dizendo que caiu da cama... Você a empurrou? — de tão alterado, Silvio acaba cuspindo algumas gotas de saliva no rosto do filho.
            — Eu nem falei com ela hoje, pai — insiste Felipe, quase chorando.
            — ‘Tá chorando por quê? — questiona Silvio, retirando o cinto de sua calça. — Eu nem bati em você ainda!
            — Pai, não me bate, por favor! — suplica Felipe, deixando suas lágrimas escorrerem. — Eu não fiz nada, eu juro!
            Silvio joga o cinto no chão e sai do quarto. Em instantes, o homem volta com um facão na mão:
            — Pai, o que você vai fazer? — Felipe começa a tremer e a chorar desesperadamente. — Eu não fiz nada!
            De fato, Felipe não havia feito nada. Roberta, num sono pesado, acabara rolando da cama e caindo sozinha; mas Silvio não queria saber, ele não se importava em saber se os filhos falavam a verdade ou não; ele nem se importava, na verdade, com os filhos.
            — Cala a boca! — num ímpeto, o homem move a mão com a faca na direção do braço esquerdo do filho, mas, por alguma razão, ele vira a lâmina e encosta apenas a lateral do facão na pele do menino.
            Felipe, chorando, sai correndo para fora de casa.
* * *
            Com medo de voltar para casa, Felipe não se preocupa em trocar a roupa para ir à escola; vai da forma que está.
            Na sala de aula, o professor conversa sobre a questão do bem e do mal – comenta o fato de que o bem e o mal existem dentro de todo o mundo; explicou que as motivações é que fazem as pessoas escolherem se agirão com bondade ou com maldade.
            O professor percebe certa ansiedade na feição de Felipe e decide “provocar” o aluno:
            — Felipe... — comenta o professor. — Você quer perguntar algo?
            Diante daquilo, o menino só consegue pensar na família – para ele, a família não lhe dá atenção alguma; para ele, o pai lhe odeia; para ele, a mãe até gosta dele, mas não pode fazer muito por ele. Um turbilhão de pensamentos toma a sua mente.
            Felipe acha que, talvez, as pessoas não consigam sentir nada por ele. Então, ele solta a pergunta:
            — Professor... — sua voz demonstra certa apreensão.
            — Pode-me perguntar, Felipe — o professor incentiva.

            — Toda pessoa tem sentimento? — é o que Felipe questiona naquele momento.