terça-feira, 25 de novembro de 2014

Conto: O Rouxinol e a Rosa

Um conto de Oscar Wilde traduzido por Júnior Gonçalves


Imagem retirada do blogue "Gothic World" (http://migre.me/n6Kaw)

            — Ela me prometeu uma dança... Mas só se eu presenteá-la com uma rosa vermelha — choramingou um jovenzinho com o coração partido. — Como? Não tem nenhuma em todo o meu jardim!
            Do seu ninho, no alto de um carvalho, o Rouxinol ouviu o menino. O pássaro olhou através das folhas e ficou surpreso.
            — Nem mesmo uma rosa vermelha! — resmungou o menino com os olhos cheios de lágrimas. — É incrível como a felicidade depende das pequenas coisas. Li tudo o que os mais sábios escreveram, descobri todos os mistérios da Filosofia, mas a minha vida está arruinada... E tudo por causa de uma rosa vermelha.
            — Olha, só! Um romântico nato — disse o Rouxinol. — Dia após dia, emiti um canto sobre ele, embora eu nem tenha percebido isso. Noite após noite, contei sua história para as estrelas... E agora eu posso vê-lo aqui. O cabelo dele é escuro como as flores de jacinto. Seus lábios, vermelhos como a rosa que deseja.
            — O Príncipe dará um baile amanhã à noite — o menino soltou um breve suspiro —, e o meu amor estará lá. Se eu presenteá-la com uma rosa vermelha, ela dançará comigo até o sol raiar. Se eu presenteá-la com uma rosa vermelha, poderei tê-la em meus braços, e ela encostará sua cabeça em meu ombro, e suas mãos estarão segurando as minhas. Mas não tem nenhuma rosa vermelha no jardim e, em vez disso tudo, eu ficarei observando-a sentando, enquanto ela passar por mim. Ela nem vai dar-me atenção, e o meu coração vai ficar partido.
            — De fato, um romântico nato! — percebeu o Rouxinol. — Aquilo que eu canto é sobre o seu sofrimento: o que é dor para ele, é alegria para mim. O amor é algo maravilhoso, certamente. É mais precioso que as esmeraldas, que os diamantes... Nada pode comprá-lo. O amor nem mesmo está à venda no mercado; ele não pode ser comprado.
            — Os músicos tocarão seus instrumentos — prosseguiu o menino. — E o meu amor dançará ao som da harpa e dos violinos. Ela dançará tão suavemente que os seus pés nem tocarão o chão, e a multidão, em suas roupas alegres, aglomerará em volta dela. Mas ela não vai dançar comigo porque eu não tenho uma rosa vermelha para lhe dar.
            O coitadinho se jogou na grama, levou as duas mãos ao rosto e se afundou num choro.
            — Por que tanto choro? — perguntou um Lagarto, enquanto corria com o seu rabo balançando no ar.
            — É... Por quê? — perguntou uma Borboleta, que está voando logo atrás de um raio de sol.
            — É... Por quê? — sussurrou uma Margarida, em uma voz leve e baixa.
            — Ele está chorando por causa de uma rosa vermelha — respondeu o Rouxinol.
            — Por uma rosa vermelha? — questionaram todos, num tom mais alto. — Que ridículo! — O Lagarto, meio cínico, gargalhou.
            Mas o Rouxinol compreendia o segredo da tristeza do jovenzinho, e ele pousou em silêncio sobre o carvalho, pensando sobre quão misterioso é o amor. De repente, ele abriu suas asas marrons e pairou pelo ar. Ele sobrevoou o bosque como uma sombra, e cruzou o jardim. No centro da grama havia uma linda Roseira, e quando o Rouxinol a viu, voou e pousou em um ramo.
            — Dê-me uma rosa vermelha! — o pássaro implorou. — Se me der, cantarei a mais linda canção para você.
            Contudo, a planta chacoalhou sua cabeça.
            — Minhas rosas são brancas — disse a roseira. — Tão brancas quanto a espuma do mar, e mais brancas que a neve que cai sobre a montanha. Vá até a minha irmã. Ela cresce próximo à fonte e, talvez, ela possa dar o que você quer.
            Assim, o Rouxinol sobrevoou pela Roseira até chegar à fonte.
            — Dê-me uma rosa vermelha! — ele implorou. — Se me der, cantarei a mais linda canção para você.
            Contudo, a planta balançou sua cabeça.
            — Minhas rosas são amarelas — respondeu. — Tão amarelas quanto o cabelo das sereias que se sentam sobre um trono de âmbar, e mais amarelas que os narcisos que floreiam na campina antes do cortador de grama chegar. Vá até minha irmã. Ela cresce debaixo da janela do menino e, talvez, ela possa dar o que você quer.
            Assim, o Rouxinol sobrevoou, mais uma vez, até a Roseira que crescia sob a janela do menino e repetiu o seu pedido por uma rosa. Mas a planta balançou sua cabeça, igualmente às outras.
            — Minhas rosas são vermelhas — respondeu. — Tão vermelhas quanto os pés das pombinhas, e mais vermelhas que os recifes de coral que as ondas banham nas cavernas marítimas. Mas o inverno resfriou minhas veias e a geada mordiscou meus botões. A tempestade quebrou os meus ramos, e não terei rosas por todo este ano.
            — Uma rosa vermelha... É tudo o que eu quero! — suplicou o Rouxinol. — Não há forma alguma de conseguir?
            — Há um modo... — respondeu a planta. — Mas é tão horrível que não me atrevo a dizer a você.
            — Diga! — pediu o Rouxinol. — Não tenho medo.
            — Se você quer uma rosa vermelha — respondeu a Roseira —, você deve criá-la a partir da música ao luar, e torná-la vermelha com o sangue do seu próprio coração. Você precisa cantar para mim com o seu peito contra um espinho. Pela noite inteira, você precisa cantar para mim, e o espinho deve furar o seu coração, e o seu sangue precisa fluir por minhas veias, até tornar-se meu.
            — A Morte é um grande preço a se pagar por uma rosa vermelha — comentou o Rouxinol —, e a Vida é muito queria por todos. É bom poder pousar no bosque verde, assistir o sol em sua carruagem de ouro, a lua em sua carruagem de prata. Ainda assim, amar é bem melhor que viver, e o que é o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?
            Então, a avezinha abriu suas asas marrons e voou. O Rouxinol sobrevoou o jardim como uma sombra e, da mesma forma, voou sobre o bosque. O jovem menino estava deitado na grama, no mesmo lugar em que o pássaro o havia deixado, e as lágrimas ainda corriam por seu rosto.
            — Sorria! — cantarolou o Rouxinol. — Você terá sua rosa vermelha. Eu vou criá-la a partir da música ao luar, e vou pintá-la com o sangue do meu próprio coração. Tudo que peço a você em troca é que você seja este romântico nato, pois o Amor é mais sábio que a Filosofia. Embora a Filosofia seja sábia, e mais poderosa que o Poder, o amor é poderoso. As asas dele são coloridas como as chamas, assim como o seu corpo. Os lábios do Amor são doces como o mel, e sua respiração tem o aroma de um incenso.
            Da grama, o menino olhou para cima e ouviu, mas não conseguiu entender o que o Rouxinol dizia, porque ele sabia apenas das coisas que estavam escritas nos livros. Mas o carvalho compreendeu, e se entristeceu porque ele gostava muito do passarinho, que construíra o seu ninho em seus galhos.
            — Cante uma última canção para mim — sussurrou o carvalho. — Ficarei tão sozinho quando você for...
            O Rouxinol, então, cantou para o carvalho, e sua voz era como a água borbulhando ao cair de uma jarra prateada.
            Quando o canto do pássaro acabou, o menino se levantou e pegou um caderno e um lápis de sua mochila.
            — Ela tem uma forma — ele falou consigo enquanto caminhava pelo bosque — que não pode ser negada a ela. Mas ela tem sentimentos? E se não tiver? Ela não se sacrificaria pelos outros. Ela pensa apenas em música, e todo mundo sabe que a arte é egoísta. Ainda assim, admito que ela possua algumas belas notas em sua voz. Pena que isso não significa nada e nem faz nada de bom. Ele foi até o seu quarto, onde começou a pensar em sua amada. Um tempo depois, ele caiu no sono.
            E, quando a lua brilhou no céu, o Rouxinol voou até a roseira e posicionou o seu peito contra um espinho. Por toda a noite, o pássaro cantou enquanto o espinho penetrava mais e mais em seu peito, e a gélida lua de cristal se inclinou enquanto ouvia.
            A avezinha cantava sobre o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina. E, no topo dos ramos da Roseira, uma flor encantadora brotou, pétala por pétala, enquanto a canção seguia o seu ritmo. No início, era sem cor – como a névoa que paira sobre o rio, como os pés da manhã, e como as asas da alvorada. Mas escurecia à medida que o pássaro cantava mais alto – como a sombra de uma rosa em um espelho prateado.
            A Roseira gritou ao Rouxinol para que ele pressionasse o seu corpo contra o espinho:
            — Pressione mais, passarinho! — insistia a Roseira. — Ou o dia chegará antes que a rosa esteja pronta.
            O Rouxinol pressionou seu peito ainda mais contra o espinho, e sua canção ficava mais alta, porque ele cantava sobre o nascimento da paixão na alma de duas pessoas.
            Um delicado tom de rosa começou a ruborizar-se pelas folhas, como o rosto enrubescido de duas pessoas ao se beijarem. Mas o espinho ainda não havia alcançado o seu coração, e, por isso, o coração da rosa continuava branco. Apenas o sangue de um Rouxinol pode tornar vermelho o coração de uma rosa.
            O Rouxinol pressionou ainda mais o seu peito, e o espinho tocou, enfim, o seu coração. Uma pontada feroz de dor foi sentida ao toque do espinho. Sua dor era tão amarga, tão amarga, que sua canção se tornou mais violenta – ele cantava sobre o Amor que é aperfeiçoado pela Morte, sobre o amor que não morre no túmulo.
            A flor encantadora se carminou, tal qual o céu ao anoitecer; carmim era o cinturão de pétalas, e carmim era o coração, tal qual um rubi.
            Contudo, a voz do Rouxinol ficava mais fraca, e suas asinhas começaram a bater mais rápido enquanto um filme passava na frente de seus olhos. Cada vez mais fraca era sua canção, até que o pássaro sentiu algo sufocar a sua garganta.
            Então, ele irrompeu um último som. A lua branca pôde ouvi-lo, e ela se esqueceu do amanhecer, e permaneceu no céu. A rosa vermelha pôde ouvir, e, extasiada, ela se tremeu toda, e abriu suas pétalas para o gélido ar do dia.
            O eco se expandiu até sua caverna escura nas colinas, acordando os pastores que ali sonhavam; ele flutuou entre as gramas dos rios, até que sua mensagem chegasse ao mar.
            — Veja! — gritou a Roseira. — A rosa está pronta.
            Mas o Rouxinol não respondeu, porque ele estava morto, caído sobre a relva, com o espinho fincado em seu coração.
            Ao meio-dia, o jovenzinho abriu sua janela e olhou para fora:
            — Ora! Mas que sorte a minha — ele berrou. — Tem uma rosa vermelha aqui! Eu nunca vi uma rosa como esta em toda a minha vida. É tão bela que tenho certeza de que ela possui um daqueles nomes longos em latim.
            Ele, então, inclinou-se e pegou-a para si.
            Em seguida, ele pegou o seu chapéu e correu até a casa do seu professor com a rosa em sua mão. A filha do professor estava sentada na entrada da casa com o seu cachorrinho deitado aos seus pés.
            — Você disse que dançaria comigo se eu presenteasse você com uma rosa vermelha — comentou o menino, afoito. — Tome. Esta é a rosa mais vermelha do mundo inteiro. Use-a próxima do seu coração nesta noite e, enquanto dançamos, vou dizer a você o quanto eu te amo.
            A menina fez uma careta.
            — Desculpe, mas acho que não combinará com o meu vestido — ela respondeu. — E o sobrinho do mordomo me deu algumas joias de presente, e elas valem muito mais do que flores.
            — Na minha opinião, você é muito ingrata! — resmungou o menino, muito bravo, jogando a rosa na rua, que acabou caindo na sarjeta. Após isso, as rodas de um carrinho passaram sobre ela.
            — Ingrato! — gritou a menina. — Vou dizer uma coisa, você é muito grosso! E, além do mais, quem é você? Apenas um menino qualquer. Não acredito que você tenha fivelas de prata para os seus sapatos como o sobrinho do mordomo tem.
            Ela se levantou de sua cadeira e entrou na casa.
            — O amor é uma coisa idiota! — ele pensava, enquanto ia embora. — Não chega nem à metade de ser tão útil quanto a razão. Por isso que ele não prova a existência de nada, e está sempre falando sobre algo que não vai acontecer, e faz você acreditar em coisas que não são de verdade. E, de fato, ele é impossível. Vou voltar a estudar Filosofia e Metafísica, pois ser prático e tornar as coisas possíveis, atualmente, é tudo.
            Assim, ele voltou para o seu quarto, pegou um livro cheio de pó e começou a ler.

- Original retirado do site About Education, da seção Classic Literature: <http://classiclit.about.com/library/bl-etexts/owilde/bl-owilde-nigh.htm>.