domingo, 30 de março de 2014

O Outro Lado


Caí na cela de joelho,
Caí na cela de joelho,
Lágrimas rolam dos meus olhos
E bate “” desespero!

E a saudade vem,
Muitos vêm criticar.
A minha vida é sofrida
E é só Deus quem vai mudar.

Ainda tenho fé
Que vou ser vencedor.
Só peço para Deus
Aliviar a minha dor

Caí na cela de joelho,
Caí na cela de joelho,
Lágrimas rolam dos meus olhos
E bate “” desespero!

Lembro do meu passado,
Também da minha família,
Minha coroa que “fecha
Comigo no dia-a-dia.

Mãe, te peço perdão
Por tudo o que te fiz.
Quando eu sair, vou mudar,
Prometo te fazer feliz!

Caí na cela de joelho,
Caí na cela de joelho,
Lágrimas rolam dos meus olhos

E bate “” desespero!


O Brasil é o quarto país do mundo com a maior população carcerária. São mais de 550.000 pessoas privadas do convívio social. Tantas, injustamente.

Na verdade, se pararmos para pensar nas condições "oferecidas" a essa população, veremos que nada mais estão jogados dentro de grandes depósitos imundos. Há falta de espaço. Há podridão entre o alimento - sujeira, fezes e urina de pequenos animais. Há falta de higiene. Há falta de saúde - tantos morrendo por infecções e falta de atendimento médico adequado. Há violência - física, sexual, mental. Há insegurança. Há morte. Há exclusão.

Somos uma sociedade que acreditamos que quanto maior o número de encarcerados, maior será a nossa segurança. Esquecemos que há pessoas lá dentro, independentemente de seus atos. Esquecemos que podemos oferecer segundas chances. Esquecemos que possa existir reintegração, recuperação em muitos casos. Simplesmente achamos por melhor enclausurar.

Lutamos até para reduzirem a maioridade penal. Alguém já parou pra tentar conhecer o que há no outro lado? Alguém já parou pra descobrir o que há além do que se mostra na mídia?

A letra postada foi escrita por dois adolescentes internos da Fundação CASA. Nos centros de internação da Fundação CASA - a antiga FEBEM, aquela em que os "menores infratores" arquitetavam rebeliões e fugas, causando muita morte -, agora remodelada, são oferecidos cursos das mais diversas áreas do conhecimento aos adolescentes. Isso permite que eles possam ter uma visão além daquela conhecida por eles desde o seu nascimento. Isso permite que eles acreditem na chance de mudança, de recuperação.

Já fui adepto da visão de que os infratores da Lei devem, sim, ser punidos e pagar por o que fizeram. Após conhecer e conversar com os adolescentes internos da Fundação CASA, saber a sua realidade de vida, mudei muito a minha concepção. Ainda acho, sim, que qualquer um deva ser punido por transgredir certos limites - agindo com violência, causando morte e grandes prejuízos públicos. Mas percebi que cada um tem a sua realidade, tem a sua bagagem e tem o seu modelo do que é certo e do que é errado.
Eu sempre tive os meus pais me mostrando que, para eu crescer e ter minhas conquistas, eu teria que estudar bastante, trabalhar, sem tirar o que é do outro, conseguir minhas coisas por mérito próprio. Mas, e se fosse diferente?

E se eu vivesse em um lugar onde meus pais me dissessem que, para eu conseguir minhas coisas, conquistas o meu lugar na sociedade, eu teria que roubar dos outros, revender e, se fosse necessário, até matar para sair ileso? Eu me encontraria na realidade de muitos desses jovens. E muitos dos adultos que já morreram ou ainda estão no sistema carcerário desse país "organizado" já foram jovens com essa realidade.

Comecemos, então, a ver o outro lado.
Tentemos, ao menos, ver o outro lado.




sexta-feira, 14 de março de 2014

POEMA - Telefone a se calar e relógios a parar

O poema a seguir é uma tradução feita por mim do original "Stop all the clocks, cut off the telephones", escrito por W. H. Auden.



Telefone a se calar e relógios a parar,
Um apetitoso osso, dê ao cão, para ele não ladrar.
Melodias em silêncio e tambores a rufar
Trazem o caixão para o enlutado entrar.

Sob o céu, o motor do avião lastima,
Rabiscando “Ele morreu” nas nuvens acima.
Pendurem laços pretos nos pombos de rua,
E, aos guardas, luvas tão escuras quanto uma noite sem lua.

Ele foi meus quatro pontos cardeais,
Minha semana atarefada, meus descansos semanais.
Foi música, prosa, noite e dia.
Foi um erro pensar que, para sempre, o amor viveria.

Não quero mais estrelas, elas podem se apagar,
Podem pegar a lua e deixem o sol abrandar
Esvaziem os oceanos e acabem com as florestas,
Pois de agora em diante, minha vida não tem festas.


Wystan Hugh Auden nasceu em York, Inglaterra, 1907 e morreu em Viena, Áustria, em 1973 – aos sessenta e seis anos. Foi um poeta anglo-americano e considerado um dos grandes autores do século XX. Estudou na Christ Church, uma das maiores faculdades constituintes da Universidade de Oxford.
Foi o porta-voz dos jovens nos anos 1930, denunciando os males da sociedade capitalista, bem como alertando para a ascensão do totalitarismo. Alguns apontam que sua homossexualidade aparece insistentemente em sua poesia, embora tenha se casado com uma mulher, Erika Mann, para estar livre da perseguição da Alemanha Nazista.


JUSTIFICATIVAS
            A inversão no primeiro verso se deu para propiciar a formação de rimas em todo o restante da estrofe. A substituição de “pianos” por “melodias” foi pelo piano ser, justamente, o instrumento musical formador de melodias. Ao invés de utilizar o modo plural para a tradução de “mourners”, escolhi “enlutado” para a utilização do verbo “entrar”, fechando a prosódia da primeira estrofe.
            Optei em colocar “sob o céu” no primeiro verso e “nas nuvens acima” no segundo verso, para causar uma maior harmonia na entoação das rimas. Para causar uma boa rima com boas palavras no terceiro e quarto verso da segunda estrofe, optei por ocultar algumas informações traduzindo “Put crepe bows round the whit necks of the public doves” por “Pendurem laços pretos nos pombos de rua” – crepe é uma espécie de tecido ou fita preta utilizada em sinal de luto –; e adicionei informações pertinentes ao contexto do brasileiro ao traduzir “Let the traffic policemen wear black cotton gloves” por “E, aos guardas, luvas tão escuras quanto uma noite sem lua”.
            Em vez de traduzir “He was my North, my South, my East and West” literalmente, decidir colocar “Ele foi meus quatro pontos cardeais” porque engloba todo o significado do original e ainda me permitiu fazer a rima com o segundo verso da terceira estrofe. Realizar a inversão no terceiro e quarto verso da terceira estrofe me possibilitou fazer mais um jogo de rimas com as palavras “dia” e “viveria”. Avalio esta estrofe como a mais difícil a ser traduzida, por carregar muitas emoções por trás das palavras e tornar custosa a busca por rimas adequadas.
            “Podem pegar a lua e deixar o sol abrandar” foi utilizada para, primeiro, contextualizar com o primeiro verso desta última estrofe, como também para propiciar uma rima entre as duas. “Sweep up the wood” foi traduzida por “acabem com as florestas”, pois acredito que o original tenha exatamente este sentido – o Eu lírico não quer saber de mais nada agora que a pessoa que amava se foi –, além do fato de poder causar a rima com o último verso da última estrofe. “Pois de agora em diante, minha vida não tem festas” exprime com clareza o que o Eu lírico acredita, que nada poderá ser bom a partir de agora.

terça-feira, 4 de março de 2014

Conto - O Gigante Egoísta

O conto a seguir é uma tradução feita por mim do original "The Selfish Giant", publicado por Oscar Wilde na coletânea de contos "The Happy Prince and Other Tales", em 1888.



      Toda tarde, no caminho de volta da escola, as crianças tinham o hábito de ir ao jardim do Gigante para brincar.
     Era um jardim grande e encantador, com a grama verde e macia. Em um ponto e outro, sobre a grama, lindas flores se erguiam, assim como as estrelas surgem no céu[1]. Havia doze pessegueiros que, na primavera, brotavam delicadas flores de cor rosa perolada, e carregava-se de frutos suculentos no outono. Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão graciosos que as crianças costumavam parar suas brincadeiras para ouvi-los.
        — Como somos felizes aqui!  gritavam umas para as outras.
        Um dia, o Gigante retornou. Ele fora visitar seu amigo ogro da Cornuália, e com ele havia ficado por sete anos. Após se passarem sete anos, ele já havia dito tudo o que tinha para dizer, pois sua conversa já não se estendia mais, e decidiu retornar ao seu castelo. Quando chegou, ele viu as crianças brincando no jardim.
       — O que vocês fazem aqui? — vociferava o gigante, com rouquidão na voz, e então as crianças fugiram.
        — O jardim é meu. Só meu![2] — disse o Gigante — Qualquer um entende isso, e não vou permitir que ninguém brinque aqui, exceto por mim. — assim, ele construiu um muro alto ao redor do jardim e pendurou uma placa de aviso[3]:
        OS INVASORES SERÃO PUNIDOS!
        Ele era um gigante muito egoísta.
        As pobres crianças não tinham mais onde brincar. Elas tentaram brincar na estrada, mas lá havia muitas pedras e poeira[4], e elas não gostaram disso. Elas costumavam perambular em volta do muro quando suas aulas acabavam e conversavam sobre o lindo jardim ali de dentro.
        — Como éramos felizes lá! — diziam umas para as outras.
        A Primavera então chegou, havia pequenas flores e passarinhos por todo o país. Apenas no jardim do Gigante Egoísta ainda era inverno. Os pássaros não se preocuparam em cantar lá, já que não havia crianças, e as árvores se esqueceram de florescer. Certa vez, uma linda flor ergueu a cabeça para fora da grama, mas deslizou de volta para a terra quando viu a placa de aviso, sentindo muita pena das crianças, e voltou a adormecer. As únicas que estavam satisfeitas eram a Neve e a Geada.
        — A Primavera se esqueceu deste jardim! — elas berravam. — Então viveremos aqui durante o ano todo.
        A Neve cobriu a grama com o seu manto branco e a Geada coloriu todas as árvores de prata. Então, elas convidaram o Vento Norte para juntar-se a elas, e ele veio. Ele vestia peles, e rugia o dia todo pelo jardim, soprando abaixo as chaminés.
        — Que lugar incrível! — dizia ele. — Precisamos convidar o Granizo para uma visita.
       Assim, o Granizo veio. Todo dia, durante três horas, ele sapateava[5] sobre os telhados do castelo até quebrar a maioria das telhas, e em seguida ele corria pelo jardim o mais rápido que podia. Ele se vestia de cinza, e sua respiração era como o gelo.
        — Não consigo entender porque a Primavera está tão atrasada para chegar. — dizia o Gigante Egoísta, enquanto estava sentado na janela olhando para o seu jardim frio e sem cor ao lado de fora. — Espero que o tempo mude.
        Mas a Primavera nunca veio, e nem o Verão. O Outono presenteou todos os jardins com frutos dourados, mas não deu nenhum para o jardim do Gigante.
        — Ele é tão egoísta. — disse o Outono. Por isso, foi sempre Inverno ali. O Vento Norte, o Granizo, a Geada e a Neve dançavam no meio das árvores.
        Um dia, já acordado, o Gigante estava deitado em sua cama quando ouviu uma melodia graciosa. Soava tão harmoniosa para suas orelhas que ele achou que os músicos do Rei poderiam estar passando por ali. Era, na verdade, um pequeno pintarroxo[6] cantando ao lado de fora de sua janela, mas fazia tanto tempo que ouvira um pássaro cantar que lhe pareceu a música mais bela do mundo. O Granizo, então, parou de dançar sobre o telhado. O Vento Norte cessou seu rugido. E um delicioso a entrou pela janela aberta.
        — Eu acho que a Primavera chegou, finalmente. — disse o Gigante, saltando da cama e olhando para fora.
        O que ele via?
        Ele teve a visão mais extraordinária. As crianças haviam entrado por um pequeno buraco no muro e estavam sentadas nos galhos das árvores. Havia uma criança em cada árvore que o Gigante podia enxergar. E as árvores estavam tão contentes pela volta das crianças que elas cobriram a si mesmas com flores, e balançavam gentilmente seus braços acima das cabeças das crianças. Os pássaros voavam e cantavam com prazer, e as flores olhavam para cima através da grama verde e riam. Era uma cena adorável, mas ainda era inverno em apenas um canto. Era o canto mais distante do jardim e nele havia um menininho de pé. Ele era tão pequenino que não podia alcançar os galhos da árvore, e estava andando em volta dela, chorando com muito sofrimento. A pobre árvore ainda estava toda coberta por gelo e neve, e o Vento Norte soprava e rugia sobre ela.
        — Suba, menininho! — dizia a Árvore, abaixando os seus galhos o mais baixo que podia. Mas o menino era pequeno demais.
        Ao ver aquilo, o coração do Gigante se comovia.
            — Como tenho sido egoísta! — disse ele — Agora eu sei porque a Primavera não veio aqui. Vou colocar aquele pobre menininho no topo da árvore e depois vou derrubar o muro, e o meu jardim poderá ser a diversão das crianças para todo o sempre.
        Ele realmente estava muito arrependido pelo que tinha feito.
        Assim, ele desceu para o térreo e abriu a porta da frente com cuidado[7], saindo para o jardim. Mas quando as crianças o viram, ficaram tão assustadas que todas fugiram, e o inverno voltou para o jardim. Apenas o menininho não fugiu, porque não pôde ver o Gigante chegando, já que seus olhos estavam cheios de lágrimas. O Gigante se moveu de modo rápido para trás do menino e o pegou gentilmente em sua mão, colocando-o na árvore. A árvore derrubou uma flor e os pássaros vieram e cantaram sobre ela, e o menininho estendeu seus braços e os direcionou em volta do pescoço do Gigante, beijando-o. Ao ver que o Gigante não era nem um pouco malvado, as outras crianças voltaram correndo, trazendo consigo a Primavera.
        — O jardim agora é de vocês, pequeninos. — disse o Gigante, pegando um grande machado e derrubando o muro.
     Quando as pessoas iam ao mercado, às doze horas, elas encontravam o Gigante brincando com as crianças no jardim mais bonito que já tinham visto. Elas brincavam durante o dia inteiro, e ao fim da tarde vinham até o Gigante para se despedir.
        — Mas onde está o seu pequeno amigo? — o Gigante perguntou. — O menino que coloquei na árvore. — O gigante gostou especialmente dele porque ele lhe dera um beijo.
         — Não sabemos. — responderam as crianças. — Ele foi embora.
      — Vocês precisam convencê-lo a vir aqui amanhã. — disse o Gigante. Mas as crianças disseram que não sabiam onde ele vivia e que nunca o tinham visto antes, e o Gigante ficou muito triste.
     Toda tarde, quando as aulas acabavam, as crianças vinham e brincavam com o Gigante. Mas o pequeno menino que havia despertado o carinho do Gigante nunca mais foi visto.
        O Gigante era muito amável com todas as crianças, ainda assim ele ansiava por seu primeiro amiguinho, falando dele muitas vezes.
        — Como eu gostaria de vê-lo! — ele costumava dizer.
       Os anos se passaram e o Gigante tornou-se muito velho e fraco. Ele não podia mais brincar, então se sentava em uma enorme poltrona e assistia as brincadeiras das crianças, admirando o seu jardim.
        — Tenho tantas flores bonitas... — ele dizia. — Mas as crianças são as flores mais bonitas de todas!
        Em uma manhã de inverno, enquanto se vestia, ele olhou para fora de sua janela. Ele não odiava mais o Inverno, porque ele sabia que era apenas o adormecer da Primavera e o descanso das flores.
        De repente, ele esfregou os olhos em espanto, olhando e olhando novamente. Com certeza, era uma visão maravilhosa. No canto mais distante do jardim havia uma árvore toda coberta com adoráveis flores brancas. Seus galhos estavam todos dourados e deixavam pender frutos prateados. E, debaixo dela, estava o menininho que ele gostara.
       O gigante correu para baixo, em grande alegria, saindo para o jardim. Ele cruzava a grama com pressa, se aproximando da criança. Quando ele chegou bem próximo, seu rosto ficou vermelho de raiva.
        — Quem ousou ferir você? — ele perguntava. Sobre as palmas das mãos da criança haviam cicatrizes de dois pregos, assim como haviam cicatrizes de dois pregos em seus pezinhos.
        — Quem ousou ferir você? — gritava o Gigante. — Diga-me, que eu vou pegar minha enorme espada e matá-lo.
        — Não! — respondeu a criança. — Estas são apenas as feridas do Amor.
       — Quem é você? — perguntou o Gigante, e um estranho sentimento de respeito tomou conta de si, então se ajoelhou diante da pequena criança.
        A criança sorriu para o Gigante.
       — Uma vez você me deixou brincar no seu jardim, hoje você pode vir comigo para o meu jardim, que é o Paraíso. — disse o menino.
       Quando as crianças correram naquela tarde, elas encontraram o Gigante deitado morto sob a árvore, todo coberto por flores brancas.


[1] O original “stood beautiful flowers like stars” transmitiu-me a ideia de que as flores se erguem pela grama da mesma forma como as estrelas surgem no céu, ora em um ponto, ora em outro.

[2] No original, o Gigante passa exatamente essa ideia de uma criança rebelde, por isso a escolha pela ênfase da expressão.

[3] Ao invés de traduzir “put up” por “colocar”, optei deixar a palavra “pendurar”, pois permite uma melhor elucidação do objeto no muro referido.

[4] Optei por ocultar a tradução de “hard stones” porque, ao meu ver, nós não utilizamos um adjetivo para descrever que “há pedras no caminho”. “Pedras no caminho” já nos permite visualizar que são pedras que atrapalham o caminhar.

[5] O original “rattled” refere-se ao ruído causado pela queda do granizo, um estalar repetido. Sendo um conto infantil com elementos fantásticos, optei pela tradução “sapateava”, para ilustrar um pouco as artimanhas da personagem, além de também trazer à lembrança o mesmo estalar repetido.

[6] Pintarroxo é o nome comum a várias espécies de aves passeriformes da família dos fringilídeos. É uma ave canora.

[7] O “quite softly” do original foi traduzido por “com cuidado”, pois interpreto a ação do Gigante assim. Ele abriu com cuidado para não espantar as crianças do jardim.