quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

POEMA - Ouvi que nada queres aprender


Ouvi que nada queres aprender,
Presumo assim que sejas abastado.
Teu futuro, nada escuro — é como um farol
A iluminar-te. Anteparo seus pais deixaram
E cairias em pedras se por isso não o fosse.
Por conseguinte, nada tens que aprender.
Persistir, tu podes, na figura que és.

Dificuldades, quando houverem —
Em algum lugar ouvi que volúvel é o tempo —
Escutarás de seus mentores
O que fazer, precisamente, para penúrias não sofreres.
Eles estudaram com outros tantos
O saber da verdade,
De como é, sempre, valiosa.
De seus preceitos para ajudar-te.

Sendo servido em demasia,
Tu nem mesmo eleva um dedo.
É certo que, se tudo fosse de outra forma,
De tudo terias que aprender.


O poema acima é uma tradução minha do original "I've heard you don't want to learn anything", de Bertolt Brecht.
Brecht nasceu e viveu na Alemanha, entre 1898 e 1956. Foi marxista - compreendendo o homem como um ser social capaz de trabalhar e desenvolver a produtividade no trabalho, progredindo e evoluindo em suas potencialidades humanas. Suas obras focavam na crítica às relações humanas dentro do sistema capitalista.

A maior dificuldade na tradução está relacionada à escolha dos tempos verbais. Muitas vezes utilizei o presente do indicativo para caracterizar uma ação que está ocorrendo no momento e enfatizar uma afirmação considerada incontestável. Escolhi, também, o presente do subjuntivo – “sejas” – por representar uma ideia hipotética. Consegui brincar com a sonoridade de “futuro” e “escuro”, fazendo um link com a metáfora do farol.Pelo poema não possuir um padrão de rimas, acredito que tenha dificultado o processo de tradução – o maior desafio –, uma vez que eu tenha ficado preocupado em como passar, então, o poema para o português de modo que se contextualizasse ao período em que o poema foi escrito.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Conto - O tornado


Troy, Kansas. Novembro de 2009.

            Localizada no estado do Kansas, nos Estados Unidos, a cidade de Troy conta com pouco mais de mil habitantes. Cidade de interior, todos se conheciam ali, facilmente.
            Leonard Gale era um dos jovens mais conhecidos na cidade. Não que isso fosse bom, necessariamente. No auge de seus dezesseis anos, o garoto vivia se metendo em confusões. Ora roubando os armazéns da cidade, ora brigando com os outros meninos de sua idade.
            Mas todos também sabiam de sua história.
            Ainda bebê, seu pai o trouxe para a cidade, procurando por seus familiares. Mas o velho Henry e a senhora Em haviam desaparecido, sem deixar quaisquer pistas. O casal havia ficado com sua filha, Dorothy Gale, que também desaparecera com os tios.
            Sem saber o que fazer após a recente morte de sua esposa, o pai do menino o deixou no orfanato da cidade, contando a história, alegando que não tinha a menor condição de cuidar da criança.
            Desde então, Leonard morou no orfanato e nunca mais ouviu falar de seu pai, ou de seus tios, e nem mesmo de sua irmã que não conhecera.
            - Leonard! – gritava a Sra. Lea, diretora do orfanato. – Vem pra dentro!
            O jovem estava sentado quase em frente ao orfanato. Mas, há poucos minutos, todos que estavam na rua entraram para suas casas.
            - Por que, Sra. Lea? – questionou o menino. – Tô quieto aqui.
            - Vem logo, filho! – insistiu a mulher, nervosa. – Tá vindo uma tempestade aí!
            Leonard olhou o céu.
            Grandes nuvens cor de chumbo percorriam o céu, cobrindo a cidade de Troy. Um vento forte balançava os galhos das árvores e os fios de eletricidade.
            - Leonard! – gritou a Sra. Lea, novamente.
            - Tá bom, tô indo! – Leonard levantou-se do banco e caminhou, lentamente, em direção ao orfanato.
            Quando o menino entrava pela porta do orfanato, aberta pela Sra. Lea, ele viu um bicho correndo para fora, assustado.
            - Lion! – gritou o menino, quando percebeu que era o seu gato de estimação. – Volta aqui!
            - Entra, Leonard! – ordenou a Sra. Lea, puxando o garoto pelo colarinho da camiseta.
            - Não, vou pegar o Lion! – o menino se contorceu e conseguiu escapar das mãos da diretora do orfanato, correndo para pegar seu gato.
            - Leonard! – a Sra. Lea gritava histericamente.
            Os habitantes que moravam próximo ao orfanato assistiam a baderna por suas janelas. Ora olhavam a Sra. Lea, ora colocavam o olho na forte tempestade que se aproximava.
            A Sra. Lea corria desajeitadamente pelo paralelepípedo, tentando alcançar o garoto, que já estava a uns vinte metros à sua frente.
            - Lion, volta aqui, caramba! – Leonard corria atrás de seu siamês. – ‘ não gosta de água, bola de pelo!
            O gato correu para uma propriedade abandonada. Só havia, ali, um vasto campo de terra infértil.
            Leonard pulou a cerca com aquela habilidade que toda criança, cheia de energia, tem. Sra. Lea, por sua vez, nem estava perto da propriedade quando foi parada por uma viatura da polícia.
            - Dá licença! – gritava a mulher, contornando o carro.
            - Sra. Lea, vou eu, Xerife Bradd. – disse o homem, saindo do carro. – Preciso que volte para casa, imediatamente!
            - Xerife, uma de minhas crianças entrou nessa propriedade aí da frente! – explicou a diretora do orfanato. – Preciso buscá-lo!
            - Sra. Lea, dê uma olhada para o oeste. – solicitou o Xerife.
            - Mas o que é aquilo? – a mulher ficou surpresa e, ao mesmo tempo, assustada com o que viu.
            - É um tornado. – confirmou o Xerife. – Não estava previsto, mas está vindo para cá. Preciso que fique dentro do orfanato... Vai chegar em menos de cinco minutos.
            - O Leonard ‘tá lá, Bradd! – a mulher apontava para a propriedade abandonada.
            - Eu vou buscá-lo, Lea. – garantiu o Xerife. – Mas preciso levá-la até o orfanato, primeiramente.
            - Ok. – concordou a mulher. – Vamos, depressa! Aí você volta pra buscar o Leonard!
            A mulher entrou na viatura.
            O Xerife dirigiu o mais rápido que pôde até o orfanato, e a Sra. Lea saltou do carro em direção ao orfanato, fechando as portas e janelas para garantir a segurança das crianças que estavam ali.
            Leonard finalmente havia encontrado Lion. O gato estava escondido dentro de um latão enferrujado.
            - Lion! – Leonard aproximava-se lentamente. – Vem comigo, vem...
            Mmmiaaaaau. O gato saiu do latão, em direção a Leonard.
            - Isso... Vem cá! – Leonard pegou o gato e o abraçou.
            - Leonard! – uma voz eletrônica chamava pelo garoto, não muito longe dali.
            O menino procurou, e então focalizou a viatura de polícia um pouco além das cercas da propriedade abandonada. Era o Xerife Bradd.
            - Menino, preciso que corra! – gritou o Xerife.
            Leonard não entendeu. Ficou olhando com cara de desentendido.
            - Leonard, tem um tornado a poucos metros de você... Corra! – berrava Bradd.
            O menino então se deu conta do vendaval que tomava conta de tudo ali. As árvores quase encostavam o chão com a força do vento, a relva seca vibrava fortemente. Quando olhou para trás, viu um gigantesco tornado se aproximar, engolindo tudo o que havia em sua frente.
            Instintivamente, Leonard agarrou Lion e começou a correr na direção do Xerife.
            A força de sucção do tornado, entretanto, já havia chegado perto o suficiente para agir contra o menino. Quanto mais corria, mais parecia ser puxado para trás.
            - Corre, Leonard, por favor! – gritava o Xerife, já não utilizando mais o megafone.
            - Eu não consigo, Xerife! – choramingou Leonard. – Esse troço ‘tá me puxando! Me ajuda!
            - Leonard, não dá... – lamentou o Xerife, entrando no carro. – O tornado está se aproximando! Me desculpa, menino...
            Leonard virou para trás e viu que o tornado realmente estava a poucos metros. Quando voltou-se para a viatura, viu que o Xerife havia dado partida e estava fugindo.
            - Não, Bradd! – gritou Leonard. – Não me deixa aqui!
            Os habitantes da cidade já não assistiam mais aquele espetáculo de horror. Com receio do que aconteceria, todos fecharam as suas cortinas e ficaram a esperar dentro de suas casas, rezando pela vida do menino. Todos, menos a Sra. Lea.
            Lea estava histérica vendo tudo aquilo. Chegou a sair do orfanato, mas percebeu que a força do tornado estava muito intensa, quase a puxando dali mesmo. De volta para a janela, viu o pobre Leonard ser engolido pela espiral de vento, poeira e destroços.
            Leonard tentava fechar os olhos para não ver o terror, mas a intensidade do vento o impedia. Agarrado ao seu gato, que berrava fortemente, viu destroços de casas, carros e máquinas dentro do tornado. No topo da espiral, enxergava uma luz que imaginava ser o céu. Não sabia o que era melhor, morrer esmagado por todos aqueles destroços ali no meio da espiral, ou ser arremessado ao céu e depois se estilhaçar ao atingir o chão.
            O menino gritava e chorava, pedindo ajuda, mas era inútil. Viu uma sombra através da poeira do tornado. Era a sombra de uma criatura alada, era como um macaco com asas. Mas, então, a sombra se desfez, e o terror voltou à sua mente.
            Leonard percebeu a voz falhar. Já não tinha forças para gritar. Segurando Lion, com cuidado, colocou-o dentro de seu agasalho. Sua visão começou a escurecer. E tudo ficou preto.

            Mmiaaau. Leonard sentiu um peso em seu peito, algo reprimia a sua respiração.
            Ao abrir os olhos, percebeu o clarão do céu azul, assustou-se. Viu que Lion andava por cima de seu corpo, então pegou o gato e se levantou.
            O que Leonard viu era fantástico. Vastos campos, que quase não era impossível enxergar que eram rodeados por cordilheiras, provavelmente a dezenas de quilômetros dali. Havia cachoeiras, vales, plantações.
            Logo ali, à sua frente, Leonard viu uma estrada que se perdia no horizonte, com suas ramificações. Era uma estrada incomum, entretanto. Sua composição era inteiramente de tijolos amarelos.
            Miaaaaau! Lion berrava por dentro do agasalho de Leonard, que logo o puxou para fora. Já sobre os tijolos dourados, o felino cheirava o chão, trabalhando o seu olfato.
            - Droga, Lion! – reclamou o menino. – Ou morremos, ou bati a cabeça e estou delirando. Olha esse lugar!
            Rrrrrr. O gato ronronava, demonstrando certa segurança.
            - Será que estamos muito longe de casa? – questionou Leonard. – A Sra. Lea deve estar louca!
            - Criança? – uma voz feminina quebrou o monólogo do garoto.
            - Quem ‘tá aí? – perguntou o menino, preocupado.
            Uma mulher, de meia idade, surgiu no meio da plantação de girassóis. Ela trajava um vestido comprido, de cor clara, mas sujo. Seus cabelos eram vermelhos como rubis, e seus olhos eram azuis.
            - Não se apavore, criança. – pediu a mulher. – Não te farei mal algum... Muito pelo contrário, vou ajudar você a se encontrar.
            - Me encontrar? – questionou Leonard. – Onde estou? Troy fica muito longe daqui?
            - Troy? – a mulher pareceu confusa. – Nunca ouvi falar... O que é isso?
            - Troy... A cidade do Kansas! – explicou o garoto, segurando Lion no colo.
            - Kansas? – um sorriso se abriu, repentinamente, no rosto da mulher desconhecida. – Ora... Qual o seu nome, criança?
            - Leonard. Leonard Gale. – o menino se apresentou. – Você conhece o Kansas? ‘Tô muito longe de lá?
            A mulher colocou os pés sobre os tijolos amarelos, aproximando-se ainda mais do menino e do pequeno animal.

            - Leonard! – a mulher deixou sua animação transcender. – Como estou feliz por você chegar aqui. O meu nome é Glinda... E você está na Terra de Oz!